Tem sido constante e ampla a sensação de que a qualidade das democracias constitucionais vem se deteriorando ao longo dos últimos anos[1]. Informes internacionais de instituições como Corporación Latinobarometro, Varieties of Democracy (V-DEM), Freedom’s House, entre outros, quantificam e analisam dados nesse sentido.
Para que se tenha um exemplo, o mais recente V-DEM, de 2025, aponta um declínio democrático global. Temos mais autocracias (91) que democracias (88) no mundo. Aproximadamente 3 em cada 4 pessoas vivem em autocracias, voltando a números de 1985, sendo que este declínio se acentua na Europa Ocidental, no sul e sudeste asiático e na América Latina.
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Em nossa região, processos de autocratização podem ser vislumbrados em El Salvador, Guatemala, Guiana, Haiti, México, Nicarágua e Peru. O relatório observa que os grandes países são mais democráticos que os pequenos, e que têm sido mais democráticos no quesito temporal.[2]
O Brasil se encontra no epicentro deste movimento regional de erosão democrática, com recente tentativa de reversão democrática que culminou na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, com cujos efeitos as instituições ainda convivem.
O tema da erosão democrática regional, como ocorre em outros lugares, vem impactando, de modos diversos e difusos, o dia a dia das pessoas, fazendo com que se crie uma sensação diferenciada entre os impactados, dificultando seu enfrentamento. Diferem, assim, dos colapsos constitucionais, que alteram a ordem constitucional de um dia para o outro, gerando impactos rápidos e claramente sensíveis para todos que o cercam[3].
Na América Latina, vive-se um paradoxo. Desde o final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, estende-se um amplo período de manutenção de democracias nunca visto. Por outro lado, vivemos nesse mesmo período a queda da qualidade das democracias constitucionais, o que deteriora o Estado de Direito, os direitos fundamentais e a separação de Poderes, diretamente[4].
A presente coluna está localizada em um projeto de pesquisa que, desde o Sul Global, e mais especificamente a região latino-americana, ao verificar a deterioração das democracias constitucionais, exige pensar razões e os modos para enfrentar tais processos.
Pretende-se usar a perspectiva regional como espaço do pensar, atendo-nos, quando possível, a tradições suprimidas ou marginalizadas pela tradição ocidental[5], a partir de um constitucionalismo latino-americano que leve em conta a identidade de uma região assolada com problemas semelhantes: reiteradas crises institucionais, baixa concretização de direitos fundamentais, sistemas de governo presidencialistas fortes e instáveis, fragilização da separação de Poderes, aumento da sensação de corrupção dos agentes estatais, desigualdades sociais e econômicas marcantes, altos níveis de violência, entre outros temas.
A proposta da coluna mensal está inserida no projeto “A Democracia Constitucional Incompleta na América Latina: erosão democrática entre o doméstico e o internacional”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em razão da Chamada Pública MCTI/CNPQ 16/2024 (Faixa 1: projeto em cooperação), e tem o número de processo 404105/2024-6.
Está estruturado em dois eixos principais: (i) Instituições e Direitos Fundamentais no Contexto Latino-Americano, que analisa a expansão dos direitos fundamentais na região, considerando Constituições nacionais, tratados internacionais e a atuação de organismos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos; e (ii) Concretização e Erosão da Democracia Constitucional Latino-Americana, que investiga os desafios e retrocessos democráticos na região, mapeando o papel das instituições internacionais e as dinâmicas de governança que afetam a estabilidade democrática.
A sede nacional do projeto é a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e este conta com pesquisadores brasileiros de diversas universidades, sendo eles os professores doutores Luiz Guilherme Arcaro Conci (coordenador, PUC-SP/FDSBC), Lucas de Laurentiis (pesquisador principal, PUC-Campinas), Thais Novais Cavalcanti(pesquisadora sênior, UCSAL/FDSBC) e Breno Baía Magalhães (pesquisador sênior, UFPA). Conta, também, com três alunos de mestrado/doutorado: Bruno Catolino (PUC-SP), Livia Tonet (UFMS) e Enrico Lentini (PUC-Campinas).
A sede de execução internacional do projeto é a PUC-Chile, mais especificamente sua Faculdade de Direito, em Santiago, onde o referente é o Prof. Dr. Sebastián Soto Velasco. Ainda, como pesquisadores internacionais, conta com Anna Mastromarino (Universidade de Turim, Itália) e David Mendietta (Universidade de Medellín, Colômbia).
Os temas que se unem ao eixo central (Democracia Inacabada na América Latina) giram em torno de a) lideranças populistas e independência judicial; b) autoritarismo e terrorismo na América Latina; c) participação popular e processos constituintes; d) grupos religiosos conservadores na interpretação constitucional e restrição de direitos fundamentais; e) Corte Interamericana de Direitos Humanos e expansão dos direitos sociais; f) Corte Interamericana de Direitos Humanos na proteção da democracia; g) desenvolvimento econômico sustentável e democracia constitucional; h) crises democráticas e o deslocamento forçado de refugiados e; i) práticas informais no sistema político que influenciam a governabilidade e a democracia e foca nas relações entre Executivo e Legislativo.
Este espaço irá buscar aprofundar uma análise latino-americana da realidade constitucional e incutir no leitor uma percepção mais aguçada a respeito da realidade regional, do todo na parte e da parte no todo, onde o Brasil e o restante dos países latino-americanos compartilham realidade, problemas e soluções que podem se alimentar mutuamente.
[1] CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Democracia constitucional e populismos na América Latina – entre fragilidades institucionais e proteção deficitária dos direitos fundamentais, São Paulo: Contracorrente, 2023.
[2] NORD, et al. 2025. Democracy Report 2025: 25 Years of Autocratization – Democracy Trumped? Universidade de Gothenburg: V-Dem Institute. Disponível em: https://www.v-dem.net/documents/60/V-dem-dr__2025_lowres.pdf. Acessado em: 24.03.2025.
[3] GINSBURG, Tom; HUQ, Aziz Z. How to save a constitutional democracy. University of Chicago Press, 2020.
[4] CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Democracia constitucional e populismos na América Latina – entre fragilidades institucionais e proteção deficitária dos direitos fundamentais, São Paulo: Contracorrente, 2023.
[5] MENESES, Maria Paula (Coord.).; SANTOS, Boaventura de Sousa et al. Construyendo las epistemologías del sur: para un pensamiento alternativo de alternativas. Buenos Aires: Clacso/Coimbra: Centro de Estudos Sociais, vol. 1, 2018, p. 304..