Regulação em movimento: o papel dos combustíveis do futuro na COP 30

A realização da COP 30 em Belém, em novembro deste ano, marca um momento singular para o Brasil reafirmar sua liderança na agenda climática internacional. Entre os diversos instrumentos normativos e políticas públicas aprovadas recentemente, a Lei 14.993/2024 — denominada Lei dos Combustíveis do Futuro — desponta como pilar estruturante da transição energética brasileira, ao estabelecer um marco regulatório para combustíveis de baixa emissão e com foco na mobilidade sustentável.

A norma consolida uma arquitetura legal ambiciosa e multifacetada, abrangendo o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural, além de instituir mecanismos que têm sido objeto de ampla interlocução entre os agentes do setor, como o Certificado de Garantia de Origem do Biometano (CGOB).

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Seu escopo vai além da substituição tecnológica, ao inaugurar uma nova governança climática, centrada em rastreabilidade, metas graduais de redução de emissões e incentivos à inovação, incluindo combustíveis sintéticos e CCS/CCUS (captura e estocagem geológica de dióxido de carbono), inclusive em iniciativas de bioenergia avançada.

Nesse cenário, a COP 30 também tem o relevante papel de reforçar e catalisar a credibilidade climática brasileira. Em um contexto de crescente desconfiança global quanto à efetividade de compromissos climáticos, demonstrar avanços concretos nas metas previstas pela Lei dos Combustíveis do Futuro — com indicadores transparentes de descarbonização e integração tecnológica — será determinante para reforçar a confiança internacional e atrair investimentos estratégicos. Trata-se de transformar ambição normativa em credibilidade climática global, ancorada em entregas verificáveis.

Sob a égide da referida lei, o Brasil projeta um horizonte de investimentos da ordem de R$ 260 bilhões até 2037, com potencial de evitar a emissão de mais de 700 milhões de toneladas de CO2. Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que, até 2030, o setor de biocombustíveis poderá movimentar cerca de R$ 1 trilhão. Os dados, por si só, expressam o alcance dessa legislação como propulsora de mudanças estruturais no setor de transportes, responsável por cerca de um terço das emissões nacionais.

Tomemos o biometano como exemplo paradigmático. Atualmente, a ANP indica uma capacidade cuja operação já foi autorizada de pouco menos de 700 mil Nm³/dia, com mais de 1,2 milhão de Nm³/dia de projetos em fase de autorização. Em 2025, o Brasil já conta com 12 unidades com autorização operacional e outras 35 em processo de licenciamento, aumento substancial em comparação às 4 instalações produtoras autorizadas até 2023. O volume produzido tem potencial para atingir 8 milhões m³/dia até 2030.

Nesse contexto, destaca-se também o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB), instituído pelo Decreto 12.153/2024, com vistas a promover uma estratégia integrada para o desenvolvimento da oferta, demanda e infraestrutura do setor. O plano contempla escoamento, processamento, estocagem, transporte e distribuição do gás, incluindo o biometano, de forma a otimizar o uso de recursos e garantir capilaridade logística.

Nesse processo de transição, destaca-se, ainda, o avanço na estruturação de biorrefinarias, conceito que reúne instalações integradas voltadas à conversão de matérias-primas em energia, combustíveis e produtos químicos de alto valor agregado.

A biorrefinaria simboliza uma nova indústria de economia circular, sem geração de resíduos, voltada à sustentabilidade e ao menor impacto ambiental possível. Pesquisa científica, estímulo à inovação e políticas de fomento são determinantes para viabilizar este modelo industrial, que representa uma ponte concreta entre segurança energética, competitividade e responsabilidade ambiental.

A efetivação da obrigatoriedade de redução progressiva de emissões em setores como a aviação civil e o transporte rodoviário dependerá não apenas de metas legais, mas de um arcabouço robusto de instrumentos de financiamento verde, políticas de incentivo e sinalização regulatória estável. Esse conjunto de medidas será essencial para consolidar cadeias produtivas, atrair capital privado local e estrangeiro e garantir competitividade internacional aos novos combustíveis.

Esse esforço, entretanto, depende diretamente do fortalecimento da capacidade institucional dos órgãos responsáveis por sua implementação. Com a multiplicidade de programas e metas a serem operacionalizados, é crucial assegurar estrutura, orçamento e pessoal qualificado às agências reguladoras e órgãos executivos. Sem esse reforço, o risco é que o arcabouço legal — por mais sofisticado que seja — se fragilize diante de gargalos operacionais e da morosidade regulatória.

A previsão legal de integração com outras políticas — como o RenovaBio, o Programa Mover, o Proconve, o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e a Taxonomia Sustentável Brasileira — é acertada e com certeza será vitrine na COP 30, mas seu desdobramento normativo requer sinergia institucional e harmonização regulatória, para que possamos apresentar resultados ainda mais visíveis até novembro. É nesse ponto que a atuação coordenada do CNPE, das agências reguladoras federais e estaduais, dos bancos de fomento e dos ministérios setoriais se torna essencial.

Complementarmente, o Brasil avança também na consolidação de estratégias de médio e longo prazo voltadas à resiliência climática e ao cumprimento da sua NDC. Ainda no campo do planejamento climático, merece destaque o processo de consulta pública da Estratégia Nacional de Mitigação (ENM), lançada em abril de 2025 no âmbito do novo Plano Clima.

A ENM prevê um conjunto de medidas voltadas a garantir que o Brasil alcance suas metas de redução de emissões até 2035 e a participação social é um convite à corresponsabilidade e reforça a legitimidade das ações que o país pretende apresentar em Belém.

A agenda climática e a transição energética não admitem soluções fragmentadas. A Lei 14.993/2024 lançou as bases para uma transição energética robusta e estruturante, desde que ancorada em regulação moderna, segurança jurídica e metas ambientais verificáveis. Na COP 30, caberá ao Brasil provar que transformou intenção em implementação. O mundo estará olhando.

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