Nesta quarta-feira (07/05), entidades representativas da magistratura, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da advocacia trabalhista fizeram uma Mobilização Nacional em Defesa da Competência da Justiça do Trabalho, em resposta à recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão de todos os processos que discutem a legalidade da pejotização nas relações de trabalho.
A ação foi promovida pela Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat), com o apoio de diversas entidades jurídicas, incluindo a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP), entre outras.
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A decisão do STF de suspender os processos que tratam do tema é vista como um ataque direto à competência da Justiça do Trabalho e ao próprio princípio da primazia da realidade — segundo o qual a relação de trabalho deve ser analisada pelo que ocorre de fato, e não apenas pela forma contratual.
A mobilização ocorreu em frente a diversos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e tem como objetivo chamar atenção para a importância da preservação da competência da Justiça do Trabalho — ampliada a partir da Emenda Constitucional 45/2014.
Em São Paulo, o ato aconteceu em frente ao Fórum Ruy Barbosa (Barra Funda, São Paulo-SP). Em pronunciamento no evento, o desembargador e presidente do TRT da 2ª Região, Valdir Florindo, louvou a iniciativa e destacou que a suspensão nacional dos processos sobre pejotização traz consequências graves, já que paralisa a busca por justiça de milhares de trabalhadores e amplia a insegurança social ao postergar as soluções de conflitos, muitas delas essenciais para a subsistência de famílias.
Entre os maiores prejudicados, segundo Florindo, estão garçons, empregados domésticos e muitos outros que executam tarefas sob ordens diretas, cumprem jornadas, vestem uniforme, mas recebem o pagamento via pessoa jurídica como se fossem empresas, e, assim, são privados de direitos fundamentais, de proteção à saúde e de cobertura previdenciária.
A vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Daniela Magalhães, reforçou o compromisso da instituição com a pauta das competências da Justiça do Trabalho. “O Direito do Trabalho é a garantia de uma sociedade mais equilibrada, que acredita na força do trabalho, e de um país mais justo”. O empenho da organização nessa defesa se traduz com o pedido de entrada como amicus curiae (terceiro interessado) no processo do STF que definirá os rumos dessa competência.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2), Diego Massi, enalteceu o papel do ramo do judiciário como pacificador das relações entre capital e trabalho em sua ampla acepção e destacou os riscos de seu esvaziamento a depender do resultado do julgamento do Tema 1389. “O surgimento de novas relações de trabalho, sobretudo pelas novas tecnologias, em nada altera a competência constitucional e a capacidade dos magistrados e magistradas do trabalho de analisarem essas relações, interpretando e aplicando dispositivos da CLT, do Código Civil ou de qualquer outra lei específica que se aplique ao caso”, defendeu.
Para o advogado trabalhista Alessandro Lodi, sócio do escritório Lodi Advogados, que esteve na manifestação, “o STF flerta com a escravidão moderna, onde trabalhadores não terão mais direitos e ficarão à mercê do ‘senhor de engenho’ e das generosidades de pagar vale-transporte, 13º salário, férias (inclusive seu descanso relativo) e diversos outros direitos que demorou décadas para serem reconhecidos. Proteger direitos sociais e trabalhistas é obrigação do STF, e não validar barbáries onde o pêndulo decisório sempre ficará nas mãos do empregador”.
No ato em Brasília, a presidente da Anamatra, a juíza Luciana Conforti, afirmou que a decisão de Mendes, além de impactar milhares de processos, traz o risco de uma “pejotização sem limites”. “Pode afetar os direitos trabalhistas, uma vez que impede o julgamento desses processos com base em fatos e provas, na realidade do caso a caso, que é a nossa atribuição, digamos assim, enquanto Justiça Especializada”, disse.
Conforti ponderou que não há um enfrentamento da Justiça do Trabalho ao Supremo, mas sim uma busca por “conscientização social e aproximação para o respeito institucional da Justiça do Trabalho e de sua competência”.
Os organizadores estimam que cerca de 100 pessoas compareceram à manifestação na Capital Federal, que ocorreu no Foro Trabalhista local. Além da presidente da Anamatra, também discursaram o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10), desembargador José Ribamar Oliveira, a presidente da Abrat, Elise Correia, e o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho, Marcelo Souto Maior.
Em Minas Gerais, o ato ocorreu em frente ao edifício Desembargadora Alice Monteiro de Barros, que abriga as Varas do Trabalho em Belo Horizonte. Em seu discurso, a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), desembargadora Denise Alves Horta, pontuou que, além colocar em riscos direitos sociais e trabalhistas consolidados ao longo de décadas, o esvaziamento da Justiça do Trabalho gera prejuízos financeiros, não só aos cofres públicos, mas também a arrecadação previdenciária.
Para a presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra-3), juíza Anaximandra Kátia Abreu Oliveira, a omissão do STF já tem gerado imensos prejuízos ao direito dos trabalhadores. Segundo ela, há uma previsão de que 500 mil processos possam ser transferidos para a justiça comum de imediato. “Esta medida irá gerar grande impacto e transtorno para a sociedade em si e para aqueles mais vulneráveis. Até porque a justiça comum não é uma justiça que é especializada no julgamento de casos trabalhistas e a agilidade vai ficar muito comprometida”, disse.
No Rio de Janeiro, os manifestantes se reuniram em frente ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1). No ato, o juiz titular da 5ª Vara do Trabalho da capital fluminense, Ronaldo Callado, secretário-geral da Anamatra, problematizou a possibilidade de que o STF acabe decidindo que não há competência da Justiça do Trabalho sobre os casos de pejotização. Callado chamou a atenção para a celeridade que a Justiça do Trabalho busca ter quando há verbas alimentares em discussão e questionou se a Justiça Comum daria conta de suprir essa necessidade.
Daniela Muller, presidente da Amatra do Rio, uma das líderes do movimento, afirmou que “a Justiça do Trabalho existe justamente para proteger trabalhadoras e trabalhadores que, em sua maioria, se veem obrigados a aceitar relações fraudulentas, por absoluta necessidade de garantir sua sobrevivência. É por isso que as questões que envolvem o trabalho humano devem ser analisadas sob a ótica dos princípios da proteção e da primazia da realidade — como reconhecido pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos”.
O professor Rodrigo Carelli, da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), também expressou forte preocupação com os rumos do julgamento no STF: “A interpretação da questão relativa à pejotização dada por boa parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal é a maior ameaça atual aos direitos dos trabalhadores no Brasil. A subversão do princípio da primazia da realidade sobre a forma tem o condão de destruir toda a proteção dos direitos dos trabalhadores, e vai além: compromete direitos civis, políticos, a isonomia de gênero, o combate à discriminação e a própria sustentabilidade da Previdência Social”. Segundo ele, o impacto da “liberação geral” da pejotização é subestimado por parte da Corte: “As consequências de eventual decisão liberando geral a pejotização aparentemente não estão sendo sopesadas pelas posições radicalizadas de alguns ministros da Corte Suprema, o que deve ser alertado.”
Em Porto Alegre (RS), em ato realizado no Foro Trabalhista local, o vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), o desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, frisou a relevância da Justiça Especializada como garantidora de direitos constitucionais. “A mensagem é no sentido de que a Justiça do Trabalho tem competência material para julgar não só as lides que envolvam relação de emprego formal, mas também todas as demais lides nas quais se busca a declaração de reconhecimento de vínculo de emprego em razão de fraude, em razão de pejotização, ou seja, em razão de terceirização irregular ao não cumprimento dessa disposição constitucional”, disse.
Atos também foram registrados em Belém (PA), Florianópolis (SC), Curitiba (PR), Porto Velho (RO), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Salvador (BA), Recife (PE), Teresina (PI), Maceió (AL), Goiânia (GO) e Vitória (ES).
Procurada pelo JOTA, a assessoria de imprensa do STF não retornou até o fechamento.