As fakes news definitivamente protagonizaram o terceiro julgamento da trama golpista que tornou réus mais sete denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — agora já são 21 dos 34. O grupo julgado faz parte do núcleo da desinformação que atuou para deslegitimar as urnas eletrônicas, propagar informações falsas via redes sociais e difamar opositores à manutenção do ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.
A manipulação de conteúdos falsos e o uso das redes sociais para disseminar mentiras serão uma das principais discussões a serem travadas nos futuros julgamentos de mérito da trama golpista. O próprio ministro Flávio Dino comentou que o papel das fake news na execução do crime será um dos debates mais importantes.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
As fake news seriam meio, caminho ou instrumento para a execução do crime? Como mensurar o grau de envolvimento criminoso de um indivíduo que propaga fake news? Certamente esses serão desafios que os ministros enfrentarão para condenar ou inocentar os réus e medir a dosimetria das penas aplicadas.
Mesmo que as discussões entre os ministros da 1ª Turma ainda sejam embrionárias, já foi possível perceber que nenhum deles descarta que as notícias falsas foram usadas para minar o processo eleitoral de 2022 — seja descredibilizando as urnas eletrônicas, seja difamando opositores, seja criando um clima de instabilidade institucional e colocando em xeque a própria democracia. Assim, a desinformação foi usada de forma estratégica para potencializar um clima hostil durante as eleições de 2022.
Para Alexandre de Moraes, relator das denúncias do golpe, a desinformação teve papel central na trama golpista e foi usada de forma sofisticada, com mecanismos que vão desde o uso de lista de transmissões em aplicativos de mensagens para propagação de notícias falsas, passando por estratégias de difamação de opositores e até mesmo a contratação de um instituto para a criação de um documento falso indicando fraude nas urnas eletrônicas.
Os ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia trazem consigo lembranças das eleições de 2022, quando atuaram como presidente e vice no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa experiência deixa os dois ministros com discursos mais rígidos contra as fake news. A ministra Cármen lembrou que o clima hostil estava presente desde o primeiro turno das eleições e que o 8 de janeiro foi a demonstração máxima da violência. Ela descreveu o período eleitoral de 2022 como um trágico e tenebroso balé.
A ministra afirmou que as mentiras não são só um meio, mas um instrumento de que se vale para se chegar a determinado fim — neste caso, a tentativa de golpe de estado. “Como eu preciso de uma arma ou um veneno como instrumento material para um assassinato, a mentira é um veneno político plantado socialmente e exponencialmente divulgado por redes [sociais], por plataformas e novas tecnologias, que hoje são grandes problemas”, afirmou.
Moraes afirmou que não há dúvidas que a tentativa de golpe usou os mesmos mecanismos das milícias digitais investigadas em inquéritos no STF. Assim, para ele, não é possível descolar a propagação das fake news da trama golpista, nem diminuir a participação de quem espalhou desinformação. “As trocas de mensagens não são simples desabafos entre amigos”, disse durante a leitura de seu voto.
Dino defendeu que as fake news são “instrumentos, meios, caminhos de perpetração de ilícitos, por envenenar a sociedade e asfixiar a verdade”. E acrescentou: “Não se pode, neste caso ou em qualquer outro, tratar as fake news como uma brincadeira entre amigos, um desabafo ou um mero ato — como já vi em outros casos — em que as pessoas dizem: ‘Não, achei interessante a notícia e decidi passar adiante’. Ocorre que, dependendo do conteúdo da notícia, essa mera curiosidade ou esse ‘esporte’ pode conduzir a desastres de difícil ou impossível reparação”.
O ministro lembrou que nos crimes contra a honra, o Código Penal prevê que a pena seja elevada ao triplo quando perpetrada por intermédio das redes sociais. Portanto, ele pode trazer essa interpretação para o caso do golpe.
O ministro Luiz Fux disse que é preciso entender a força negativa da desinformação. “A verdade é entediante, então é legal acreditar nessas versões [mentirosas]”. Já o ministro Cristiano Zanin disse não haver dúvidas de que fake news foram usadas para influenciar o comportamento de pessoas visando um golpe de estado.
Diante das declarações dos ministros, não há dúvidas que as fake news estão no banco dos réus e foram ferramentas essenciais na construção da trama golpista. O que os ministros devem debater é como vão punir as diferentes formas de participação e uso da desinformação pelos réus.