Agências subnacionais de saneamento: heroínas desconhecidas?

Se o déficit de saneamento básico é reconhecido como um dos principais gargalos da infraestrutura nacional, com impactos sobre a saúde pública e a qualidade de vida da população, por que ainda se dedica tão pouca atenção às agências reguladoras subnacionais que atuam nesse setor?

A Lei 14.026 de 2020, que instituiu o novo Marco Legal do Saneamento, atribuiu às agências reguladoras subnacionais papel central na promoção da universalização dos serviços. A elas cabe editar normas, fiscalizar o cumprimento de metas contratuais e acompanhar a execução de planos setoriais. Apesar disso, essas instituições seguem pouco estudadas.

Hoje, há pelo menos 105 agências subnacionais de saneamento básico cadastradas junto à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Mas quem são essas agências? Como são compostas? Como decidem? De onde vêm seus recursos? 

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Foi para explorar essas questões que os alunos da Turma XVII da graduação em Direito da FGV Direito SP, no curso Direito Econômico e Regulação, desenvolveram atividade extraclasse coordenada pela professora Tarcila Reis, focada em pesquisa exploratória sobre esse mosaico regulatório subnacional, com foco nos 18 estados mais populosos. A investigação se baseou na análise de leis, atos normativos, notícias e contratos.

A partir da sistematização de informações sobre cada agência, o estudo organizou os dados em quatro eixos principais: composição (métodos de nomeação e estrutura diretiva), governança (procedimentos decisórios e mecanismos de controle), sustentabilidade econômico-financeira (fontes de receita) e atuação concreta

Abaixo trazemos alguns dos achados do levantamento. Para consultar a versão completa, acesse o link.

Região Sudeste (SP, MG, RJ e ES)

O estado de São Paulo concentra dez agências reguladoras com atuação em saneamento, incluindo uma estadual (ARSESP), uma intermunicipal (ARES-PCJ) e oito municipais. Minas Gerais apresenta um número ainda maior: são 13 agências, com destaque para a estadual ARSAE e duas intermunicipais relevantes (ARIS-ZM e ARISB). No Rio de Janeiro, identificou-se uma agência estadual (AGENERSA) e cinco municipais. O Espírito Santo conta com uma agência estadual (ARSP), uma intermunicipal e uma municipal (AGERSA).

Chama atenção, na região, a diversidade nos modelos de composição diretiva. A ARSESP, por exemplo, adota um procedimento que exige sabatina e aprovação dos nomes pela Assembleia Legislativa, o que favorece maior legitimidade e estabilidade institucional. Em contraste, agências como a ARPF, de âmbito municipal, mantêm diretores nomeados exclusivamente pelo chefe do Executivo local, sem critérios objetivos — o que fragiliza a blindagem institucional e aumenta o risco de captura.

Região Sul (PR, RS e SC)

No Paraná, duas agências atuam no setor: a estadual AGEPAR e a municipal CAGEPAR. O Rio Grande do Sul reúne pelo menos cinco agências, sendo três intermunicipais (AGERGS, AGESAN e AGER-Erechim) e duas municipais. Em Santa Catarina, a atuação estadual é representada pela ARESC, que convive com duas agências intermunicipais: AGIR e ARIS.

Na região, nota-se a relativa juventude das instituições. A AGEPAR, por exemplo, só passou a regular os serviços de água e esgoto em 2016 — antes disso, sua atuação era restrita ao setor de transportes. Já a CAGEPAR, embora formalizada como autarquia apenas em 2015, já exercia atividades ligadas à prestação de serviços de saneamento no litoral do estado.

Região Nordeste (BA, PE, CE, MA, PB e RN)

Na Bahia, há cinco agências com atuação no setor, incluindo a estadual AGERSA e quatro municipais. Pernambuco abriga uma agência estadual (ARPE) e duas municipais. O Ceará conta com uma agência estadual (ARCE), duas intermunicipais (ARIS e AMSA) e três municipais. No Maranhão, a MOB acumula competências em mobilidade, gás e saneamento, e há ainda uma agência municipal. Na Paraíba, a regulação é feita exclusivamente pela ARPB, de âmbito estadual. Já no Rio Grande do Norte, atuam duas agências municipais e a estadual ARSEP, nenhuma delas com foco exclusivo em saneamento.

A heterogeneidade institucional é marcante. Na Bahia, por exemplo, a AGERSA tem diretores nomeados e exonerados livremente pelo governador, enquanto, na ARSAL, a entrada na diretoria se dá por concurso público, com garantia de estabilidade.

Região Norte (AM e PA)

No Amazonas, identificaram-se duas agências com competências em saneamento: a estadual ARSEPAM e a municipal AGEMAN. Nenhuma delas, contudo, é especializada no setor — ambas acumulam atribuições em diversas áreas. O Pará, por outro lado, apresenta um arranjo institucional mais focado: possui uma agência estadual (ARCON) e duas municipais voltadas especificamente ao saneamento.

Região Centro-Oeste (GO, MT e MS)

Goiás conta com quatro agências: uma estadual (AGR) e três municipais. O Mato Grosso é destaque em número absoluto, com sete agências — uma estadual (AGER-MT), quatro intermunicipais (incluindo ARIS-MT e AGERR Pantanal) e duas municipais. No Mato Grosso do Sul, foram identificadas somente duas: uma estadual (AGEMS) e uma municipal.

As formas de governança também variam significativamente. A AGEREG, de Campo Grande, possui um Conselho de Regulação com poder decisório, composto por nove membros — alguns indicados a partir de listas elaboradas por instituições como a OAB-MS e o CREA-MS. A nomeação final cabe ao prefeito.

Em contraste, a agência de Sinop tem um conselho meramente consultivo, e sua diretoria colegiada é composta por apenas dois membros, ambos nomeados diretamente pelo Executivo. Em Rio Verde, adota-se um modelo híbrido: as nomeações são feitas de forma conjunta entre o prefeito e o presidente da agência.

Para onde olhar daqui para frente?

A pesquisa apresentada neste artigo lança luz sobre um conjunto de instituições tão relevantes quanto pouco visíveis. Ainda restam perguntas relevantes, como, por exemplo: as configurações institucionais das agências subnacionais contribuem para a expansão do acesso ao saneamento? Como essas contribuições têm ocorrido na prática? Quais arranjos se mostram mais resistentes a pressões políticas e mais eficazes em termos regulatórios?

Avaliar tais temas parece tarefa útil para quem deseja compreender o papel das instituições reguladoras no enfrentamento de um dos maiores desafios da infraestrutura brasileira.

Autores

Camila Castro Neves: Mestre e doutoranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP e pesquisadora do Núcleo Público da FGV Direito SP

Carlos Tristão: Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP

Jolivê Rocha: Mestrando em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP e pesquisador do Núcleo Público da FGV Direito SP

Clara Rocha, Isabela Daré e Mel Capobianco: Alunas de graduação na FGV Direito SP

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