Manifestante preso em protesto contra Chávez pede justiça à Corte IDH

A detenção de um manifestante venezuelano que participava de protestos contra o governo de Hugo Chávez nos anos 2000 foi ilegal e arbitrária, alegam representantes da defesa de Jorge Rojas Riera, à época estudante e voluntário de um grupo opositor ao chavismo. Em audiência realizada no fim de abril (24/04) na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), os advogados de Rojas Riera pediram a condenação da Venezuela por prisão ilegal e atos de tortura cometidos contra ele.

A análise do caso ocorre poucos dias depois de uma audiência de tema similar, relacionada à prisão de ex-policiais venezuelanos contrários ao governo Chávez e presos até hoje em Caracas. Assim como na sessão anterior, o Estado venezuelano não enviou representantes.

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“O que vivi foi uma situação de arbitrariedades, injustiça e descrédito cada vez que denunciava as torturas”, disse Rojas Riera aos juízes da Corte IDH em audiência virtual. “Em setembro, completam-se 22 anos do ocorrido. Espero justiça.”

O caso remonta a 19 de setembro de 2003, quando o então estudante, com 30 anos, estava na praça Altamira, em Caracas, local conhecido por ter concentrado as manifestações contra Chávez e transformado em bastião da oposição no início dos anos 2000. Ali se reuniam militares aposentados e civis contrários ao chavismo.

“Naquela noite, de repente chegaram uns senhores sem identificação e me apontaram uma arma. Por instinto, ao ver o poder de fogo, levantei os braços em sinal de rendição, e num instante percebi um movimento ao meu lado e perdi a consciência. Depois disso as lembranças são confusas, pois fiquei inconsciente em vários momentos”, contou Rojas Riera.

Ele disse ter sido levado em uma caminhonete verde e lembrar de uma discussão entre policiais e os homens que o tinham sequestrado, que se negavam a mostrar identificação aos agentes.

“Começou uma troca de tiros. Até que alguém gritou: ‘Somos a DISIP (a extinta Direção dos Serviços de Inteligência e Prevenção, hoje SEBIN)’. Foi então que percebi que meus sequestradores eram agentes da DISIP. Mas não entendia o motivo do sequestro. Me mandaram então sair da caminhonete, me derrubaram com um empurrão e me golpearam com uma arma. Cortei a cabeça e fiquei inconsciente de novo”, relatou.

Quando acordou, disse, estava no Centro de Detenção El Helicoide, na sede da DISIP. Ali, foi vendado, algemado, recebeu socos, chutes e xingamentos e foi asfixiado com sacolas plásticas enquanto era interrogado sobre uma explosão ocorrida 24 horas antes na Casa Militar do Palácio Presidencial do governo (fato depois esclarecido pelo próprio governo como um erro interno de manipulação de explosivos).

“Também perguntaram informações sobre mim e sobre quatro oficiais da praça Altamira. Perdi e recobrei a consciência várias vezes com a asfixia das sacolas plásticas. Não saberia dizer quanto tempo isso levou”, afirmou.

Testemunhas do caso dizem que Rojas Riera não estava armado no momento da detenção na praça. O Ministério Público iniciou uma investigação e ele ficou em prisão domiciliar.

Depois do ocorrido na sede da DISIP, ele ficou em prisão domiciliar. Em outubro do mesmo ano, foi emitida uma medida de prisão preventiva, que se manteve até janeiro de 2004, por porte ilícito de armas, intimidação pública e resistência à autoridade.

O Estado venezuelano chegou a dizer que Rojas Riera teria sido detido por ter disparado contra um veículo da DISIP que patrulhava nos arredores da praça. A afirmação se baseava em declarações dos próprios agentes da DISIP envolvidos no caso.

Rojas Riera foi condenado em primeira e segunda instância a quatro anos e seis meses de prisão, pena que foi suspensa sob condição de que ele se apresentasse periodicamente às autoridades.

À época, seus advogados apresentaram denúncia pelos crimes de privação de liberdade, sequestro para causar alarme e tortura. O MP ouviu Rojas Riera e solicitou à DISIP mais informações, que nunca foram oferecidas. A investigação foi arquivada em março de 2008 e, em junho de 2009, foi ordenada a liberdade plena do então estudante.

Há oito anos, Rojas Riera deixou a Venezuela e hoje mora na Espanha.

Criminalização de manifestantes

Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Estado venezuelano violou o direito à liberdade pessoal de Rojas Riera, uma vez que a detenção não contava com mandado judicial. Além disso, não houve flagrante, e tampouco informações sobre os motivos da prisão.

A CIDH considerou ainda que a prisão preventiva foi feita de maneira arbitrária, pois não contou com motivação suficiente em relação à sua finalidade, idoneidade, necessidade e proporcionalidade. Além disso, violou o direito à integridade pessoal do então estudante, contrariando o artigo 5 da Convenção Americana e os artigos 1 e 6 da Convenção Interamericana para Preveni e Punir a Tortura pelos atos ocorridos no centro de detenção na sede da polícia de inteligência.

“(Rojas Riera) também sofreu violação do direito ao protesto, amparado pelo artigo 15 da Convenção Americana que consagra o direito à reunião. Quando foi detido de maneira ilegal e arbitrária, ele estava protestando de maneira pacífica”, disseram representantes da CIDH na audiência.

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A Comissão identificou ainda que foi violada a integridade dos familiares de Rojas Riera, devido à tortura sofrida por ele e à falta de justiça no caso.

A CIDH notificou o Estado venezuelano sobre o ocorrido, mas não recebeu informações sobre a implementação de suas recomendações. Tendo em conta a gravidade das denúncias, decidiu levar o caso à Corte IDH.

“(O caso) permite continuar desenvolvendo estândares relativos a detenções legais e arbitrárias como forma de afetação do direito de reunião no âmbito de protestos pacíficos, considerando a especial importância do exercício deste direito em contextos de deterioração das instituições democráticas, como na Venezuela”, disseram representantes da CIDH.

A Comissão lamentou a ausência de representantes do Estado venezuelano na audiência.

“Como a Comissão indicou em seu relatório sobre protestos e direitos humanos, as detenções arbitrárias em protestos costumam ser o ponto de partida ou meio pelo qual se produz a criminalização de manifestantes”, afirmaram representantes da CIDH.

“Na Venezuela, aqueles que dissentem do governo sofrem sérias represálias que, como demonstra este caso, são concretizadas em detenções ilegais, atos de tortura e impunidade”, disseram.

“A decisão que este Tribunal adotar será uma oportunidade para oferecer justiça à vítima e garantir que sejam protegidos os direitos à integridade e à liberdade pessoal de manifestantes em protestos sociais, o que é fundamental no contexto de grave deterioração da institucionalidade democrática venezuelana.”

Pedido de condenação

Para a advogada de Rojas Riera, Jackeline Sandoval, também representante da Fundação para o Devido Processo, os agentes do Estado violentaram seu direito à liberdade e à integridade pessoal, assim como o direito à manifestação. A Venezuela, acrescentou, tampouco cumpriu com o dever de prevenir e punir atos de tortura.

Aos juízes da Corte IDH, a advogada pediu a condenação e punição do Estado venezuelano, além de uma reparação integral, incluindo medidas de satisfação a Rojas Riera pela violação de seus direitos.

As partes têm até o dia 26 de maio para apresentarem suas alegações e observações finais por escrito à Corte.

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