Restrição a aluguel por temporada no Rio afetaria turismo e megaeventos

O Rio de Janeiro é a capital brasileira dos grandes eventos – o que movimenta a economia, mas pressiona a capacidade da cidade em acolher tantos visitantes e requer novas alternativas de acomodação. Para se ter ideia, no Réveillon 2025, mais de cinco milhões, entre cariocas e turistas, celebraram nos 13 palcos espalhados pela cidade, segundo a prefeitura. Somente em Copacabana, o público superou 2,6 milhões de pessoas. Já a ocupação dos hotéis chegou a 98,3% entre os dias 31 de dezembro e 1º de janeiro – sendo que, tradicionalmente, na Zona Sul as vagas esgotam rapidamente. Só essa ocasião movimentou R$ 3,2 bilhões na cidade.

No Carnaval deste ano, a média de ocupação hoteleira foi ainda maior: 98,62%, a melhor da década, e o impacto na economia carioca foi de R$ 6,5 bilhões, segundo estimativas da prefeitura. Agora, a cidade ainda tem atraído multidões por outros motivos: a apresentação de Lady Gaga, no sábado (3/5), como parte da iniciativa “Todo Mundo no Rio”, atraiu público de 2,1 milhões de pessoas, sendo cerca de 500 mil turistas. Antes dela, Madonna havia levado 1,6 milhão em 2024; com a estrela, a chegada de turistas estrangeiros cresceu cerca de 30% no aeroporto do Galeão e a ocupação da rede hoteleira no bairro foi de 96%.

Com tantos eventos, tem sido frequente a lotação dos quartos de hotéis na cidade. Com isso, cada vez mais os turistas brasileiros e estrangeiros recorrem a aluguéis por curta temporada por meio de plataformas, que complementam a infraestrutura carioca para atender o turismo. 

Acomodações para atender o turismo

Uma pesquisa do Airbnb feita no ano passado identificou que 52% dos donos de imóveis recebem hóspedes em grandes eventos.1 No Carnaval, as buscas por acomodações na plataforma aumentaram 1 mil%.2 Entre os foliões vindos do exterior, o crescimento nas buscas foi de 205%.3 Em fevereiro deste ano, as buscas por acomodações no Airbnb aumentaram mais de 150 vezes depois do anúncio do show gratuito da Lady Gaga.4

“Quando a cidade está lotada, os hotéis não dão conta da demanda de visitantes. Quem não consegue ficar na Zona Sul, nas áreas turísticas, tem ido para o Centro e outras áreas da cidade em acomodações por temporada. Os turistas movimentam o comércio de toda a cidade”, comenta a advogada Marcia Beserra, que lidera o Clube de Anfitriões do Rio de Janeiro, entidade que reúne 6 mil anfitriões de plataformas de aluguel por curta temporada.

No final de semana, milhares de anfitriões no Airbnb receberam cerca de 60 mil visitantes, vindos de 1,7 mil cidades e 66 países – Argentina, Chile e Estados Unidos foram as principais origens dos visitantes. Para um quinto dos viajantes, essa foi a primeira vez que se acomodavam nas casas de residentes locais usando a plataforma. E a maioria passou a estadia em grupos de pelo menos quatro pessoas. 5 O cálculo é que isso tenha ajudado a movimentar mais de R$648 milhões na economia carioca. 

Diante de grandes eventos anuais, o Airbnb, a mais popular plataforma de aluguel por temporada no mundo, calcula ter gerado um impacto econômico de R$ 6 bilhões no PIB carioca, apoiando 104 mil empregos direta e indiretamente, em 2023 6. Além de movimentar o setor de turismo, todo esse dinheiro fortalece negócios locais, desde restaurantes e bares, até serviços de transporte e comércio.

Esse tipo de acomodação é ameaçado por um projeto de lei em discussão na Câmara de Vereadores do Rio. O tema começou com o PL 107/2025, criado para regulamentar a modalidade de aluguel por curta temporada na cidade do Rio e que inicialmente previa a proibição do formato na orla da Zona Sul, isto é, praias de Copacabana, Ipanema, Leblon, Flamengo, Botafogo e São Conrado. Após algumas idas e vindas, o texto foi arquivado; em seu lugar, foi protocolado o PL 372/2025.

Entre as propostas que mais geraram debate estava instituir a cobrança de ISS para os anfitriões, que deveriam se cadastrar e obter alvará junto à prefeitura para poder realizar a atividade. Caberia às plataformas cobrar e repassar os valores do ISS ao município. Os donos do imóvel também dependeriam de licença sanitária e Certidão Negativa de Débitos da Fazenda Municipal e da Procuradoria Geral da Dívida Ativa do Município do Rio de Janeiro.

“Uma locação residencial seria tratada como um hotel, para cobrar ISS e exigir autorização de funcionamento, o que não faz sentido. Quem tem que ditar regras sobre aluguel é o condomínio, evidentemente respeitando as regras estipuladas pelo Código Civil. Não é necessária uma nova norma sobre esse tema”, ressalta a advogada Kelly Durazzo, especialista em Direito Imobiliário.

Para Durazzo, alguns pontos do projeto de lei eram, inclusive, inconstitucionais. “As exigências para que um proprietário possa alugar o próprio imóvel violam o direito de propriedade previsto na Constituição. E a cobrança de ISS dos anfitriões fere a legislação federal sobre o tema”, diz.

Após reuniões de uma comissão especial criada para tratar do assunto, esses pontos ficaram de fora do novo texto. No lugar, foi definido que plataformas digitais e outros intermediadores do aluguel por temporada devem estar estabelecidos no Rio de Janeiro para o recolhimento de tributos municipais na cidade, tal como o ISS. Ainda de acordo com o texto, os proprietários não teriam que recolher o imposto. 

O texto também visa criar o Cadastro Municipal Simplificado de Agentes de Hospedagem, Ocupação ou Locação de Curta Temporada. Como medida de segurança, o PL exige que os donos dos imóveis mantenham, por 90 dias, dados pessoais dos hóspedes – como documento de identificação, foto ou biometria, número de telefone, e-mail e endereço residencial – e que essas informações sejam compartilhadas com as plataformas. 

Hoje, o aluguel por temporada no Brasil já é regulado pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991) e não configura atividade comercial hoteleira, que é regulamentada pela Lei Geral do Turismo (artigo 23) e envolve essencialmente a prestação de serviços de hospedagem. Pela Lei do Inquilinato, os aluguéis por temporada têm prazo máximo de 90 dias, mantendo o caráter residencial do imóvel. Neste tipo de locação, os hóspedes não dispõem de serviços oferecidos em hotéis, como serviços de copa, lavanderia e recepção, por exemplo.

Efeitos práticos

Na justificativa do texto na Câmara Municipal do Rio, o autor do projeto, vereador Salvino Oliveira (PSD), destacou que “a proposta legislativa visa garantir que essa atividade ocorra de maneira ordenada, estabelecendo critérios para o uso dos imóveis, proteção dos direitos dos vizinhos e fiscalização adequada. Além disso, a regulamentação permite a arrecadação de tributos, contribuindo para os cofres públicos e evitando evasão fiscal”.

A preocupação com restrições como aquelas aventadas anteriormente é que os mais afetados sejam cidadãos comuns que dependem de plataformas como o Airbnb para complementar a sua renda, disponibilizando os seus espaços.

“A locação por curta temporada viabiliza a sobrevivência de muitas famílias. Conheço várias idosas, que moram sozinhas em apartamentos de dois, três quartos. Nessa altura da vida, muitas têm patrimônio, mas não têm liquidez porque a aposentadoria não é suficiente. Então elas alugam os quartos vazios, e usam essa renda extra para fechar as contas”, afirma a anfitriã Márcia Beserra. 

A renda obtida no Airbnb ajudou 57% dos anfitriões a continuarem morando em suas casas; e 44% deles empregaram o dinheiro extra para pagar contas, segundo pesquisa de 2024 da plataforma. Além disso, entre os anfitriões, 55% são mulheres e 29% são aposentados. Para 72% o aluguel por temporada é um complemento de renda e não sua ocupação principal. Isso acaba reverberando na economia: o dinheiro com as diárias no Airbnb ajudou 78% dos anfitriões a contratarem profissionais de limpeza para ajudar com suas acomodações.7

A maioria das acomodações no Rio de Janeiro é de residentes locais, e não grandes investidores. 90% dos anfitriões têm apenas um ou dois anúncios na plataforma, e 21% anunciam quartos privados (inclusive, no imóvel onde moram). 8

De outro lado, um argumento dos apoiadores de mais limitações é que a locação por temporada gera insegurança e incômodo aos vizinhos. Mas isso não é consenso, já que 90% dos proprietários de imóveis entrevistados não receberam queixas de vizinhos por alugarem seus imóveis por temporada. 

“Não somos os responsáveis pelos problemas de insegurança na cidade. Quando o anfitrião recebe um pedido de reserva pela plataforma, ele vê a classificação daquela pessoa atribuída por outros anfitriões, e tem o direito de negar o aluguel caso não se sinta seguro ou confortável”, diz Beserra, do Clube de Anfitriões. Esse cuidado é importante para proprietários e a comunidade como um todo. 

1  Com base nas respostas de anfitriões no Airbnb na cidade do Rio de Janeiro entrevistados entre 3 de janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2024.

2  Dados internos de buscas domésticas para estadias no Rio de Janeiro, comparando buscas feitas para o período de 1º a 6 de março de 2024 e 28 de fevereiro a 5 de março de 2025.

3  Dados internos de buscas internacionais para estadias no Rio de Janeiro, comparando buscas feitas para o período de 1º a 6 de março de 2024 e 28 de fevereiro a 5 de março de 2025.

4  Dados internos de buscas para estadias no Rio de Janeiro com check in entre 30 de abril e 3 de maio e check out entre 3 e 6 de maio, em comparação com o mesmo período de 2024.

5  Dados do Airbnb com base em reservas com check-in entre 30 de abril e 3 de maio de 2025.

6  Os dados do Airbnb sobre as despesas dos hóspedes são de uma pesquisa interna feita com 9.430 entrevistados entre os hóspedes que ficaram em acomodações disponíveis no Airbnb no Brasil em 2023.

7  Os números nesse trecho tomam por base as respostas de anfitriões no Airbnb na cidade do Rio de Janeiro entrevistados entre 4 de janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2024.

8  De acordo com dados internos do Airbnb de março de 2025.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.