“O mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio, é contra ele que devemos esticar o arame das nossas cercas.”
Raduan Nassar
Terroristas do Hamas, governo israelense, gestão russa, administração estadunidense e silêncio da maioria contribuem, cada um a seu modo, para o atual ocaso do Direito Internacional. Nesse sentido, a ideia há muito divulgada de que a expressão não passa de um oxímoro adquire contornos de realidade. Recentemente, o Brasil também deu sua contribuição para esse estado de coisas.
Embora sem sujar as mãos de sangue, tampouco sem provocar desarranjos globais mais contundentes, nosso país colaborou com exemplos pouco edificantes nos campos do asilo e da extradição. De um lado, o episódio da concessão de asilo diplomático a ex-primeira-dama peruana e sua solicitação de refúgio ao chegar no Brasil; de outro, a suspensão de pedido extradicional formulado pelo Reino da Espanha para que o governo espanhol comprove “o requisito da reciprocidade”, sob pena de indeferimento do pleito.
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Os institutos referidos têm, de modo necessário, natureza internacional. Ambos demandam ação interestatal e envolvem pessoa humana. Adiante abordaremos, de maneira sumária, os dois casos de forma a respaldar o argumento aqui desenvolvido do desserviço dessas decisões para o direito das gentes.
O asilo visa a dar proteção a alguém que é vítima de perseguição iminente por motivo político. A matéria é, pois, estranha ao domínio da criminalidade comum. Daí a expressão “asilo político” ser um pleonasmo. Trata-se de direito antigo, que foi consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (Artigo 14, 1).
Essa estabelece que a pessoa perseguida tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. O direito de procurar significa o direito de pedir, não de receber. Portanto, é um direito face ao Estado patrial e não face ao Estado de acolhimento. Ele, porém, não se aplica na hipótese de perseguição fundada em crime comum (artigo 14, 2)[1].
Desde sempre, o asilo é territorial. O perseguido deve, assim, estar fora do seu Estado de nacionalidade. Entretanto, desenvolveu-se na América Latina o costume do asilo diplomático ou extraterritorial. As situações não se equivalem. A vertente diplomática é passível de ser concedida pelo Estado em cuja legação encontra-se o asilando. A prática surge por conta de condições históricas, políticas (fracionamento usual dos ordenamentos constitucionais) e topográficas (distâncias) da região[2].
Para tanto, é necessário que ambos os países reconheçam o instituto quer na forma de costume quer à vista de norma convencional. No caso, os países envolvidos estão vinculados à Convenção sobre Asilo Diplomático celebrada em Caracas no ano de 1954[3].
Esse tratado fixa, em suas linhas essenciais, que o asilo outorgado em legações será respeitado pelo Estado territorial (artigo I); dispõe que compete ao Estado asilante a classificação da natureza do delito (artigo IV); determina que o asilo só poderá ser concedido em casos de urgência (artigo V) e especifica, entre outros, que esses casos dizem respeito ao perigo de o indivíduo perseguido ser privado de sua vida ou de sua liberdade (artigo VI); prevê que compete ao Estado asilante julgar se é hipótese de urgência (artigo VII); e define que será respeitada a determinação da autoridade asilante de exigir salvo-conduto para o perseguido (artigo IX).
No caso, o governo peruano agiu conforme o texto convencional. Respeitou a circunstância de que cabe ao asilante a classificação da natureza do delito, bem como da urgência da situação. E mais, concedeu de imediato o correspondente salvo-conduto, com base no disposto no artigo XII da convenção mencionada[4].
Tudo aparentemente exato. Ocorre, no entanto, desafio original: o enquadramento político do delito. Esse o verdadeiro ponto de apoio do direito de asilo diplomático, sem o qual não há que se falar em sua concessão. A falta dessa demonstração enfraquece o pleito.
A ser correto esse entendimento, o asilo diplomático outorgado pelo governo brasileiro a Nadine Heredia Alarcón não preenche o requisito essencial: perseguição política da asilada. Com efeito, a senhora Nadine foi condenada em sua terra natal a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Desse jeito, recapitulamos que a Convenção de Caracas prescreve em seu artigo III que não é lícito conceder asilo a pessoas que, na ocasião em que o solicitem, tenham sido condenadas por delitos comuns pelos tribunais ordinários competentes, salvo quando os fatos que motivarem o pedido de asilo apresentem claramente caráter político.
O advérbio em destaque não deve ser menoscabado. Do contrário, o asilo diplomático poderia ser empregado de modo abusivo e se pautar pelos interesses do dia visando a propiciar impunidade aos aliados do momento.
Para a situação em causa, não nos parece que o caráter político da decisão condenatória seja manifesto. A sentença encerrou julgamento que durou mais de três anos e que apenou, por igual, o ex-presidente Ollanta Humala, marido da asilada[5]. No curso do processo, o casal teve liberdade para expressar suas ideias e convicções. Eles desfrutaram de defesa técnica idônea e a condenação é passível de revisão por instância superior.
A sociedade internacional, por sua vez, não protestou. Ao contrário, a Transparência Internacional, organização não governamental sediada em Berlim e com relevantes serviços prestados no domínio do combate à corrupção no planeta, condenou a atitude brasileira e instou Brasília a rever sua deliberação[6].
A nosso sentir, a demonstração mais eloquente da desventura da decisão está, de um lado, na declaração da chancelaria brasileira de que a concessão do asilo diplomático ocorreu “por razões humanitárias”[7]; de outro, na circunstância de a asilada ter solicitado refúgio tão logo chegou no Brasil, conforme matéria publicada[8].
No tocante aos motivos humanitários, eles se baseiam no fato de que a senhora Nadine “foi recentemente operada por uma questão grave de coluna vertebral, está em recuperação, precisa continuar em tratamento, e estava acompanhada de um filho menor”, indicou a chancelaria[9]. A defesa da asilada, a seu turno, argumentou que sua cliente enfrenta um câncer[10].
A despeito do desencontro de informações, parece certo que a asilada enfrenta problemas de saúde. Nessa perspectiva, ela chegou a pedir autorização, no curso do processo, para deixar o Peru pretendendo tratar de hiperparatireoidismo primário[11].
Do exposto, é lícito suspeitar que a dimensão política do episódio está mais ligada aos respectivos interesses dos governos implicados do que aos motivos que levaram à condenação da referida senhora. Nesse sentido, chama atenção a velocidade das negociações. Com efeito, não é usual que um regime democrático aceite placidamente a mácula de “perseguidor político”. Em geral, semelhante conjuntura não contribui para a boa harmonia das relações bilaterais.
O episódio chama atenção, ainda, pelo pedido de refúgio formulado pela asilada ao chegar no Brasil. No sentido dicionarizado, as palavras asilo e refúgio são sinônimas. No plano técnico-jurídico, não. Para abreviar tempo, recordo que refúgio é instituto necessariamente apoiado em tratado. O refúgio, ao contrário do asilo, tem definição jurídica precisa.
Pela convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951[12], o termo se aplica a toda pessoa que devido a fundado temor (elemento subjetivo) de perseguição (elemento objetivo) por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertencer a determinado grupo social ou opiniões políticas se encontre fora do seu país e não possa ou, em razão daquele receio, não queira pedir proteção ao Estado patrial[13].
Da definição sobressai, para situação em pauta e pela manifesta exclusão dos demais motivos, o fundado temor de perseguição por opinião política. Na hipótese, não nos parece que a asilada comprovou receio fundamentado de perseguição por ter opiniões políticas contrárias às do governo peruano. Considerando-se ser pessoa com certa notoriedade, estimamos que essa evidência seria de mais fácil demonstração. Ademais, convém perceber que a definição convencional aponta para perseguição por conta das opiniões políticas.
Desse jeito, deve haver um mínimo de causalidade entre as opiniões expostas e as medidas sofridas ou receadas pela requerente de refúgio. Importaria, assim, delinear as convicções políticas que estão na origem do comportamento da requerente, bem como se essas posições levariam à perseguição que alega recear. Em derradeira análise, indagar acerca das consequências, sob a perspectiva política, de eventual retorno da requerente ao seu país. No ponto, a sequela maior seria o cumprimento da pena aplicada pela lavagem de dinheiro.
Cabe esclarecer que mesmo um criminoso comum pode ser considerado um refugiado. Isso depende, porém, de alguns fatores. Por exemplo, demonstrar que eventual acusação ou condenação penal representa pretexto para punir o acusado ou condenado por suas opiniões políticas ou pela expressão dessas opiniões. Para mais, a possibilidade de o acusado ou condenado estar exposto a pena excessiva ou arbitrária.
Dessa forma, há de se ter em mente alguns aspectos, como a personalidade do requerente; as motivações do seu ato; a natureza do ato cometido e dos procedimentos judiciais adotados; os motivos do processo; e a natureza da lei em que o procedimento judicial se respalda.
A análise desse conjunto de fatores, pelas informações disponíveis, não favorece o reconhecimento da condição de refugiada para a ex-primeira-dama. O assunto, no entanto, estará em breve nas boas mãos do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), que fará detida análise técnica à vista dos elementos formalmente apresentados.
De todo modo, a demanda por refúgio pode contribuir para corroborar a ideia da prática do crime comum pela solicitante. Assim parece ante a circunstância de que o pedido tem o condão de suspender, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseada nos fatos que fundamentarem a concessão de refúgio [artigo 34 da Lei 9.474, de 1997 (Estatuto dos Refugiados)].
Afastar-se-ia, com isso, a possibilidade de se dar curso a eventual pedido de extradição formulado pelas autoridades peruanas competentes[14]. Além disso, o pedido de refúgio contribui para o governo brasileiro fazer a “regularização migratória” da asilada, nos termos dos artigos 21 e 22 da citada lei[15].
Cuida-se de situação anômala. Do asilo diplomático passa ao territorial, ordem natural das coisas, mas daí para pedido de refúgio é uma inovação. O contexto descrito dá margem a que se considerem débeis os fundamentos do asilo diplomático outorgado. A ser exata essa compreensão, o arcabouço de direitos humanos edificado ao longo de décadas aspirando a salvaguardar as verdadeiras vítimas de perseguição por motivo político sofre preocupante revés.
A possibilidade de instrumentalização dessa normativa para proteger quem não merece proteção, nos termos do direito aplicável, vulnera, fragiliza e compromete o sistema. Como buscamos demonstrar, o asilo é instituto humanitário que visa a dar acolhimento a não nacional perseguido por opinião política. O asilo é, portanto, meio de proteção dos direitos da pessoa humana naquelas circunstâncias em que o Estado local, por força de perturbações de distinta ordem, não pode ou não deseja assegurar o exercício da dissidência política.
Esse regime protetivo foi idealizado para acudir situações de suprema gravidade, tais como golpes de Estado, insurreições, violências e atentados sangrentos. Sem atenção a matizes ideológicos, a proteção ao governante deposto, aos perseguidos políticos pretende preservar sua integridade física, mas também a possibilidade de que sua presença possa causar ainda mais violência e sofrimento. Nesse sentido e a título de exemplo, o asilo concedido no Brasil ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1989) e ao ex-chefe da Polícia Secreta do Haiti, coronel Albert Pierre (1986).
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A propósito do incidente, cabe, ainda, uma palavra relacionada com o emprego de aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para o transporte da asilada ao Brasil. Esse episódio despertou a opinião pública brasileira, já incomodada com o uso abusivo do transporte aéreo de autoridades em aeronaves do Comando da Aeronáutica[16].
Levando em conta as circunstâncias excepcionais da concessão de asilo diplomático com destaque para seu traço humanitário, não nos parece que a possibilidade de utilização da FAB seja descabida. Acreditamos mesmo que ela é benfazeja tendo em vista as peculiaridades do cenário latino-americano e a maior rapidez para o desfecho de dada situação. A questão, ademais, tem precedente. O governo brasileiro enviou aeronave pública em 2005 para trazer ao território nacional o presidente destituído do Equador, Lucio Gutiérrez, junto com sua esposa e uma filha[17].
Por fim, breve palavra acerca do outro episódio pouco construtivo do ponto de vista do Direito Internacional e recém produzido entre nós. Cuida-se de decisão monocrática do STF relacionada com a suspensão de pedido de extradição para comprovação pelo Estado requerente, por seu embaixador, do “requisito da reciprocidade”[18].
A decisão foi proferida no âmbito de extradição instrutória formulado pelo Reino da Espanha em desfavor de cidadão búlgaro acusado de tráfico de drogas. O fundamento do pedido é o Tratado de Extradição entre Brasil e Espanha[19].
Esse ato internacional prescreve que os Estados se obrigam reciprocamente à entrega — de acordo com as condições estabelecidas no tratado e consoante as formalidades legais vigentes nos Estados requerente e requerido — do indivíduo que responda a processo penal ou tenha sido condenado pelas autoridades judiciárias de um deles e se encontre no território do outro (artigo I).
Contudo, o despacho mencionado foi exarado considerando a circunstância de o Judiciário espanhol ter indeferido pedido de extradição instrutória formulado pelo relator da Petição 10.775, que tramita no STF, ao entendimento de a acusação ter fundamento político. Para tanto, a decisão colegiada prolatada na Espanha invocou o artigo IV, 1, g do tratado bilateral[20], bem como do artigo 13, 3 da Constituição espanhola[21], como razão para o desfecho denegatório[22].
Essas as circunstâncias, não nos parece incumbir ao Judiciário brasileiro fazer semelhante exigência. No processo extradicional, cumpre aos magistrados, tão só, aferir o preenchimento dos requisitos estipulados em tratado. Na ausência desse e diante da promessa de reciprocidade do Estado requerente, apreciar o atendimento dos requisitos da Lei de Migração (artigos 81 a 99).
O contexto em exame apresenta duplo desalinho. Um vinculado ao fato de que os pedidos extradicionais em questão em nada se comunicam já que as conjunturas são absolutamente distintas. O outro na compreensão, a nosso ver inexata, do que se entende por reciprocidade no âmbito da extradição. Desse jeito, cremos caber sucinta observação sobre o processo de extradição passiva em nosso ordenamento jurídico.
No Brasil, como na ampla maioria dos países, a extradição é instrumento processual de cooperação jurídica internacional que pressupõe a intervenção dos poderes Executivo e Judiciário. A fase executiva relaciona-se com a tramitação formal (burocrática, administrativa) dos pleitos, bem assim com os preparativos, se houver deferimento, para a retirada do extraditado. Aspecto primordial dessa etapa é o fundamento jurídico do pedido. Nesse sentido, a demanda tem por base um tratado (bi ou multilateral) ou, na falta desse, uma promessa de reciprocidade feita pelo Estado requerente.
Havendo tratado, o Estado requerido é obrigado a avaliar o pedido, o que não ocorre na hipótese da promessa. Referida análise conta, de início, com a conferência pelo Executivo dos documentos enviados e, na sequência, com a remessa do acervo documental à apreciação do Judiciário[23]. Inicia-se, com isso, a etapa judiciária da solicitação. Cuida-se de fase caracterizada por mero juízo de delibação[24]. Dessa maneira, o tribunal afere a legalidade formal do pedido à vista quer do tratado quer da lei, sem que seja reexaminado o mérito da acusação ou condenação.
Diante do tratado e em função do deferimento, leia-se da autorização, pelo STF, o Executivo tem obrigação internacional de extraditar. Com amparo na promessa de reciprocidade e mesmo diante do deferimento pelo Supremo, o Executivo não é obrigado a proceder à extradição. Demais disso, ressaltamos que diante do indeferimento da solicitação, o Executivo não pode entregar a pessoa reclamada.
No caso concreto, o indeferimento do pedido brasileiro na Espanha foi fundamentado, como dito, em dispositivo do tratado bilateral. É certo que representa um incômodo a alegação de que a pessoa reclamada está sendo perseguida no Brasil por motivo de opinião política. No ponto, o argumento constrange ainda mais à vista do Estado Democrático de Direito em que estamos inseridos. Não menos certo é que o Judiciário espanhol também se encontra em um estado democrático de direito.
Registre-se, também, que entre Judiciários não há que se falar em reciprocidade de tratamento, sobretudo se tivermos em mente que a reciprocidade não deve operar na base da identidade de prestações. Não. Recordamos, por oportuno, que mesmo a pena ou lei de talião pressupõe tratamento igual para situações tidas como simétricas.
Para a questão em apreço, inexiste simetria possível. Deixemos o argumento da reciprocidade para utilização pelos Executivos no contexto das suas relações. Nesse domínio, o jogo da reciprocidade pode produzir efeitos. No relacionamento interestatal, a reciprocidade se irmana com as ideias de equilíbrio, de pesos e contrapesos, de coexistência.
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Assim, ante a incongruência da decisão, é de se esperar que o relator a reconsidere ou que o Estado requerente dela recorra se houver indeferimento monocrático do pedido. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, deveria se manifestar, na condição de fiscal da lei (no caso, o tratado bilateral internalizado), contrária à iniciativa singular, sob pena de ser tolerante com o advento de indesejável precedente.
Por fim, experimentamos dificuldade em imaginar o que dirá o embaixador espanhol, após ser devidamente cientificado da decisão pelos canais diplomáticos. Ele não ficaria mal se participasse que o Judiciário na Espanha é independente e que não exorbitou de suas atribuições à vista do tratado em vigor e da Constituição do Reino. De resto, poderia notar que o acórdão publicado em seu país é passível de recurso.
Para terminar, sentimo-nos em boa companhia da afirmação do imenso Raduan Nassar, lançada à maneira de epígrafe, no sentido de que o mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio. Vamos, pois, evitar a produção de mais rebuliço na esfera do combalido Direito Internacional. Nessa perspectiva, busquemos esticar o arame da nossa cerca em torno da essência desse ramo da ciência jurídica na esperança de que muito em breve ele sairá do atual período de retrocesso e retomará seu curso natural de evolução.
[1] No mesmo sentido, o primeiro documento de nível internacional a contemplar o direito de asilo, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 (Artigo XXVII. Toda pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direito comum, e de acordo com a legislação de cada país e com os convênios internacionais).
[2] Sobre a dimensão diplomática do asilo, entendemos oportuna a consulta, pelo leitor mais interessado, de dois precedentes de tribunais internacionais. Um da Corte Internacional de Justiça em ação contenciosa envolvendo Colômbia e Peru (Caso Haya de la Torre, de 1951); e o outro da Corte Interamericana de Direitos Humanos em demanda consultiva proposta pelo Equador (Opinião Consultiva n° 25, de 2018).
[3] Incorporada ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n° 42.628, de 1957.
[4] Contexto distinto foi o verificado na situação envolvendo o então senador boliviano Roger Pinto Molina. Sem conseguir salvo-conduto, ele viveu mais de um ano no edifício da embaixada brasileira em La Paz. Diante da passividade de Brasília e da convivência diuturna com o problema, o então encarregado de negócios da missão trouxe — de forma heroica (viagem terrestre) e louvável (resolveu o assunto) — referido parlamentar, com o apoio dos fuzileiros navais servindo na Bolívia, para o território nacional. No ponto, é certo que a Bolívia não estava, tampouco está vinculada à Convenção de Caracas; não menos certo, é que em relação ao país o instituto do asilo diplomático tem como fundamento o costume. Veja-se, nesse sentido, a concessão de salvo-conduto ao ex-ministro da Economia boliviano Flávio Machicado Saraiva, que veio para o Brasil. Na altura, era embaixador em La Paz Afonso Arinos, filho, que informa o fato na obra Tempestade no altiplano: diário de um embaixador (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 115).
[5] Humala é um dos quatro ex-presidentes peruanos envolvidos em escândalos de corrupção [Alejandro Toledo (2001/06); Alan García (2006/11); Ollanta Humala (2011/16); e Pedro Kuczynski (2016/18)]. Com exceção de Alan García, que se suicidou, os demais foram igualmente condenados.
[6] V. declaração pública da entidade: “Brazil grants asylum to convicted former first lady and undermines anti-corruption efforts in Latin America”. Encontrável em: https://transparenciainternacional.org.br/posts/brazil-grants-asylum-to-convicted former-first-lady-and-undermines-anti-corruption-efforts-in-latin-america/. Acesso em: 20/4/2025.
[7] Considerando que a manifestação oficial do Itamaraty (Nota de Imprensa n° 169, de 16/4/2025) é silente no tocante aos motivos, extraímos o fundamento referido de entrevistas concedidas pelo Chanceler brasileiro. V., entre outros, “Brasil deu asilo a ex-primeira-dama do Peru por razões humanitárias”. G1 – Blog da Andréia Sadi, 18 abr. 2025. Encontrável em: https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2025/04/18/entrevista-mauro-vieira.ghtml. Acesso em: 20/04/2025.
[8] Conforme informação divulgada pela mídia. “Ex-primeira-dama do Peru solicita status de refugiada ao Brasil”, CNN Brasil, 16/4/2025. Encontrável em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ex-primeira-dama-do-peru-solicita-status-de-refugiada-ao-brasil/. Acesso em: 17/4/2025.
[9] Op. cit., nota 10.
[10] “Câncer também foi levado em consideração no pedido”. Encontrável em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-por-que-ex-primeira-dama-do-peru-recebeu-asilo-do-brasil/. Acesso em: 20/4/2025.
[11] “Quem é a ex-primeira-dama condenada por corrupção que ganhou asilo no Brasil”. Encontrável em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/17/quem-e-a-ex-primeira-dama-condenada-por-corrupcao-que-ganhou-asilo-no-brasil.ghtml. Acesso em: 20/4/2025.
[12] Incorporada ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n° 50.215, de 1961.
[13] O legislador pátrio adotou esse entendimento e foi além ao incluir — inspirado na Declaração de Cartagena sobre Refugiados, de 1984 — a grave e generalizada violação de direitos humanos como fundamento para a solicitação (art. 1° da Lei n° 9.474, de 1997, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951).
[14] Oportuno recordar que o Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu a extradição do ex-presidente Stroessner formulado pelo governo paraguaio por deficiência na formulação do pedido (Extradição n° 524, relator Ministro Celso de Mello). Na oportunidade, o Tribunal consignou que não há incompatibilidade absoluta entre o instituto do asilo político e o da extradição passiva, na exata medida em que o Supremo Tribunal Federal não está vinculado ao juízo formulado pelo Poder Executivo na concessão administrativa daquele benefício regido pelo direito das gentes. Disso decorre que a condição jurídica de asilado político não suprime, só por si, a possibilidade de o Estado brasileiro conceder, presentes e satisfeitas as condições constitucionais e legais que a autorizam, a extradição requerida.
[15] É que pela Lei n° 13.445, de 2017 (Lei de Migração) o visto temporário para acolhida humanitária só pode ser concedido ao nacional de país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário (art. 14, § 3°). O caso em questão não se ajusta a nenhuma dessas circunstâncias. No entanto, referido artigo indica a possibilidade de outra hipótese de concessão, na forma de regulamento. Por aí, as autoridades responsáveis no Executivo poderiam regularizar a situação migratória da Senhora Nadine lançando mão da segunda parte do art. 48 do Decreto n° 9.199, de 2017, que regulamenta a Lei de Migração.
[16] Tema disciplinado pelo Decreto n° 10.267, de 2020.
[17] A situação equatoriana experimentou o desconforto de que o avião da FAB foi enviado antes da obtenção do salvo-conduto. Assim, a tripulação teve de aguardar em Roraima a devida autorização para ingressar no espaço aéreo equatoriano.
[18] Decisão de 15 de abril de 2025 do relator, Ministro Alexandre de Moraes, na Extradição n° 1.902. Encontrável em: https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2025/04/15213333/ext1902.pdf. Acesso em: 19/4/2025.
[19] Incorporado ao nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto n° 99.340, de 1990.
[20] ARTIGO IV, 1. Não será concedida a extradição: (…) g) quando o Estado requerido tiver fundados motivos para supor que o pedido de extradição foi apresentado com a finalidade de perseguir ou punir a pessoa reclamada por motivo (…) de opiniões políticas, bem como supor que a situação da mesma seja agravada por esses motivos.
[21] Art. 13, 3. (…) Quedan excluidos de la extradición los delitos políticos, no considerándose como tales los actos de terrorismo. Na mesma linha caminhou o legislador constituinte brasileiro ao estabelecer que não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (Art. 5°, LII da Constituição Federal).
[22] V. íntegra da decisão em: https://static.poder360.com.br/2025/04/AUTO-NO-ENTREGA.pdf. Acesso em: 23/4/2025.
[23] No Brasil, cabe ao STF processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (Art. 102, I, g da Constituição Federal).
[24] Essa a razão de o assunto ser submetido, na maioria dos países, a magistrado de primeira instância, no máximo a colegiado de segundo grau. Muito raro caber ao órgão de cúpula. Suspeitamos que o fato de o Brasil representar exceção está relacionado com nossa compulsão recursal, verdadeira símile do infinito.