Ainda existe superfaturamento tolerável segundo o TCU?

A existência de diferença tolerável entre os preços de referência adotados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e aqueles definidos pela Administração Pública em editais de licitações ou praticados em contratos administrativos segue no centro de importantes discussões.

Em um olhar retrospectivo para a jurisprudência do TCU, verifica-se que, em certo período, decisões divergentes conviviam. Há tanto julgados que consideram diferenças em torno de 10% “variações naturais de mercado” (Acórdão 394/2013-Plenário), insuficientes, portanto, para caracterizar superfaturamento, quanto decisões que afirmam inexistirem diferenças de preços toleráveis, mesmo em percentuais mínimos (por exemplo, Acórdãos 1894/2011, 1155/2012, 3095/2014, todos do Plenário).

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Passado esse primeiro momento de reticência da jurisprudência, é possível afirmar que o TCU seguiu o caminho de consolidar a posição pela inexistência de superfaturamento tolerável em contratos administrativos. Nesse sentido são, por exemplo, os Acórdãos 3095/2014, 2132/2015, 3021/2015, 18.94/2016, 2621/2019, todos do plenário.

No ano de 2020, a discussão veio novamente à tona. Nesta mesma coluna, chamei atenção para dois acórdãos do plenário do TCU. O Acórdão 1.537/2020, da relatoria do ministro Bruno Dantas, que julgou regulares as contas dos responsáveis por contrato de obras com superfaturamento correspondente a 0,68% do valor global do contrato, somando a importância de R$ 3,6 milhões.

Na segunda decisão, Acórdão 1.965/2020, relatado pelo ministro Raimundo Carrero, o TCU se apoiou no “princípio da bagatela” para  afastar a necessidade de recomposição aos cofres públicos de valor de superfaturamento correspondente a 2,36% do contrato.

Mais recentemente, o Boletim de Jurisprudência 530 do TCU, publicado em 24/3, deu destaque ao Acórdão 440/2025, também do plenário. O julgado foi assim ementado na publicação: “[n]ão existe percentual tolerável de sobrepreço global[1] nas contratações públicas, especialmente quando a análise da economicidade se baseia em amostra representativa e os preços paradigmas são extraídos dos sistemas oficiais de referência”.

É verdade que cada um dos casos acima citados tem suas peculiaridades. Mas também é verdade que a variação na posição do TCU ao longo do tempo inviabiliza extrair parâmetros para a caracterização de superfaturamento em contratos administrativos.

Se o objetivo do tribunal é conformar a atuação de agentes públicos e particulares contratados da administração às suas orientações, é fundamental que defina, de forma clara, se são admissíveis diferenças entre as referências de preços que adota e os valores praticados em contratos administrativos, em quais circunstâncias e patamares. Em atendimento ao artigo 30 da LINDB, o controlador deve atuar para aumentar a segurança jurídica.


[1] Embora o TCU atribua sentidos distintos aos termos superfaturamento e soprepreço, no julgado a expressão sobrepreço foi utilizada para se referir tanto à diferença entre os preços de referência adotados pelo TCU e os do orçamento base da licitação como a esses e os praticados no contrato.

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