Política tributária e mudanças climáticas: o novo PL 1338/25

No último dia 31 de março, foi apresentado o PL 1338, de autoria do deputado federal Marx Beltrão (PP-AL), que cria o Passaporte Verde. Tal programa possui o objetivo de conceder incentivos fiscais às empresas que comprovem o uso exclusivo de energia renovável em suas operações, visando a promover a sustentabilidade, a combater às mudanças climáticas e a estimular o desenvolvimento econômico e tecnológico do setor de energia limpa.

Segundo o projeto, à empresa que comprovar, por meio de laudos técnicos emitidos por entidades credenciadas, que utiliza exclusivamente energia renovável em todas as suas operações, serão concedidos os seguintes incentivos fiscais: 1) isenção de ICMS sobre a energia elétrica consumida em suas operações;  2) redução de 50% no IRPJ devido sobre o lucro operacional da empresa; 3) isenção de IPI para os produtos fabricados pela empresa, desde que não se tratem de bens de luxo ou produtos de uso exclusivo em processos altamente poluentes; 4) crédito presumido de PIS/Cofins sobre as receitas provenientes da venda de produtos e serviços, com redução de 25% no valor das contribuições devidas; 5) dedução de 100% dos investimentos em energia renovável da base de cálculo da CSLL.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Sabe-se que a extrafiscalidade é uma das formas de induzir ou intervir positivamente na economia para alterar o padrão de produção e consumo de bens, podendo fomentar a sustentabilidade e a proteção ao meio ambiente. Em tempos de mudanças climáticas, é importante pensarmos em iniciativas desse tipo.[1]

E seu objetivo guarda pertinência com a legislação atual, pois o artigo 6º, VI, da Lei 12.187/2009,[2] prevê que as medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, incluindo alíquotas diferenciadas, isenções, compensações e incentivos, são um dos instrumentos legais da Política Nacional sobre Mudança do Clima.

Sem entrar na valoração se tais benefícios são ou não viáveis na perspectiva financeira e orçamentária, a princípio, há aderência entre a política pública que se busca prestigiar e a proposta parlamentar para fomentar a utilização de fontes renováveis em detrimento do uso de combustíveis fósseis nas várias etapas das atividades econômicas.

Entretanto, tal projeto de lei merece alterações e ajustes. Inicialmente, lei ordinária federal não pode conceder isenção de ICMS, pois o texto constitucional veda isenções heterônomas.[3] Isenção e outros benefícios fiscais, em matéria de ICMS, devem ser firmados pelos estados e Distrito Federal via convênios do Confaz, não podendo ser estipulados pela União[4].

Quanto aos tributos federais, deve haver previsão de qual será o impacto orçamentário com tal redução de receita. A exposição de motivos do referido projeto enaltece seus propósitos, mas não indica uma linha sobre seu impacto financeiro. É certo que se trata de um incentivo condicional, pois caberá à empresa adotar determinado comportamento, mas, em sendo realizado, haverá impacto relevante no orçamento. O art. 113 do ADCT[5] e o 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal são categóricos nesse sentido[6] e o STF, em 2024, suspendeu os efeitos da lei que prorrogou a CPRB até 31/12/2027 por não ter essa previsão.[7]

Além disso, atualmente, qualquer medida tributária voltada à produção e ao consumo de bens e serviços também deve considerar o IBS e a CBS. Afinal, o regime tributário sobre o consumo foi totalmente alterado com a EC 132/23 e LC 214/25.

As contribuições PIS e Cofins serão substituídas pela CBS em 2027 e o IPI será reduzido a zero em 2027, salvo operações vinculadas à Zona Franca de Manaus. Por sua vez, o ICMS e ISS serão gradualmente reduzidos até sua extinção, no final de 2032, com a cobrança proporcional do IBS a partir de 2029 até sua implementação integral a partir de 2033.

Por isso, qualquer projeto de lei focado em medidas tributárias para combater ou mitigar os efeitos do aquecimento global deve abordar aspectos do IBS e da CBS. Do contrário, sua efetividade e relevância serão reduzidas e perderemos uma oportunidade de tentar, via extrafiscalidade, alcançar tais objetivos, que estão em sintonia com o § 3º ao art. 145 da CF/88, que prevê que o Sistema Tributário Nacional deve observar, entre outros, o princípio da defesa do meio ambiente.

Contudo, prever medidas indutoras por meio do IBS e da CBS não é tarefa simples, especialmente se tratarmos de medidas desonerativas. Isso porque, os referidos tributos não serão objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto e à contribuição ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas na Constituição.[8] Além disso, ainda que os Estados e municípios tenham liberdade para estipular a alíquota do IBS, ela será única para todas as operações com bens e serviços, ressalvadas as hipóteses prevista na Constituição.[9]

Ou seja, não há muita margem de manobra para redução de carga tributária envolvendo a tributação sobre o consumo. Para alcançar tal finalidade, possivelmente o legislador terá de promover alterações na LC 214/25, quiçá no texto constitucional, tarefas bem difíceis no momento, especialmente por influenciar negativamente a alíquota de referência dos dois tributos, majorando-a.

Em síntese, o PL 1338/25 possui boa justificativa, mas deve ser corrigido em dois pontos relevantes para não ser sumariamente rechaçado. Além disso, terá alcance relativamente reduzido em razão da extinção, em breve, do PIS/Cofins e IPI, motivo pelo qual o legislador deve refletir e compatibilizar o novo regime tributário sobre o consumo com as medidas indutoras voltadas ao combate ao aquecimento global decorrente das mudanças climáticas.


[1] GIANNETTI, Leonardo Varella. Reforma tributária e o combate ao climate change? É viável a criação de um carbon tax no Brasil? In CARDOSO, Alessandro M.; ROLIM, João Dácio; GOULART, Luciana; GODOI, Marciano S. (Coords). Estudos jurídicos em comemoração aos 30 anos do Escritório Rolim Goulart Cardoso, 2023, p. 233-253. Disponível em https://www.rolim.com/livros/estudos-juridicos-em-comemoracao-aos-30-anos-do-escritorio-rolim-goulart-cardoso/. Acesso em 01/04/2025; ROLIM, João Dácio; GIANNETTI, Leonardo Varella. Proteção aos direitos humanos, o combate ao aquecimento global, sustentabilidade e o direito tributário: uma inter-relação necessária. Segurança, integração e transição energética na América Latina: desafios e perspectivas. KHOURI, Alice; ROLIM, Maria João. Belo Horizonte: Konrad-Adenauer-Stiftung, EKLA, Centro de Direito Internacional, 2024, p. 209-233.

[2] Lei que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.

[3] Art. 151. É vedado à União: (…) III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

[4] Art. 155, § 2º, XII: Cabe à lei complementar: g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Art. 1º, LC 24/75: As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

[5] Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

[6] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

[7] O STF referendou a decisão cautelar proferida pelo ministro Cristiano Zanin, na ADI 7633, que suspendeu os efeitos de dispositivos legais da Lei nº 14.784/2023, que prorrogavam a desoneração da folha de pagamento de municípios e de diversos setores produtivos até 2027.

[8] O art. 156-A, § 1º, X, relativo ao IBS, é aplicado à CBS por força do art. 195, §16, com a redação dada pela EC 132/23.

[9] Art. 156-A. (…)

V – cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica;

VI – a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.