O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei Estadual 18.817/2023, de Santa Catarina, que autorizou a caça do javali-europeu, sob denominação de “controle populacional e o manejo sustentável”, em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento. A entidade defende na ação que a lei de Santa Catarina é inconstitucional por violar a repartição de competências e o princípio da vedação ao retrocesso ambiental.
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Além disso, afirma que, ao autorizar a caça do javali-europeu, a norma representa “manifesta usurpação da competência legislativa da União, subvertendo a lógica federativa consagrada na Constituição”.
Em relação à caça, diz que a legislação federal é “ampla e exaustiva”, vedando expressamente a caça profissional, e estabelecendo como regra a proteção da fauna silvestre, além de tipificar como crime qualquer forma de abate, perseguição ou captura de animais silvestres sem autorização da autoridade competente.
“Não se trata, portanto, de uma lacuna normativa, mas sim de um sistema normativo consolidado, que reconhece o valor intrínseco da fauna e impõe severas restrições à sua exploração”, afirma o Fórum. Por isso, destacou que qualquer legislação estadual que pretenda disciplinar de forma menos protetiva a matéria “incorre em flagrante inconstitucionalidade”.
A entidade também pontuou precedentes em que o STF estabeleceu que leis estaduais só poderiam avançar sobre o tema se tivessem como finalidade ampliar a proteção ambiental, jamais reduzi-la. A exemplo, menciona as ADIs 5996/AM, 6218/RS e 3556/PE.
A norma foi regulamentada pelo governo do estado, que em publicação da Secretaria de Agricultura e Agropecuária afirma que “os ataques desses animais causam prejuízo maior aos pequenos produtores, com propriedades de até 50 hectares. Para eles, um único ataque pode representar a perda de toda a produção do ano, especialmente nas plantações que ficam em regiões próximas às florestas de araucárias”. Quando estão nas florestas, de acordo com a publicação da secretaria, “os javalis configuram um risco ambiental, porque se alimentam de espécies nativas da flora catarinense, como plantas de araucária e imbuia, ambas ameaçadas de extinção e também ataca animais”.
O Fórum Animal ainda argumenta que a Lei Estadual 18.817/2023 implica uma clara tentativa de reintroduzir a caça desportiva no estado, sob o pretexto de combate a uma espécie invasora, esvaziando as atribuições fiscalizatórias dos órgãos federais competentes, como o Ibama e o Comando do Exército, e deslocando para o âmbito estadual uma regulação que é, por vocação constitucional, federal.
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Além da inconstitucionalidade formal, o Fórum também defendeu que seja declarada a inconstitucionalidade material da norma estadual por afronta ao dever constitucional de proteção ao meio ambiente, em especial ao que se refere à fauna silvestre, à caça e à manutenção do equilíbrio ecológico. “O dispositivo legal estadual ignora o fato de que os biomas funcionam como sistemas integrados, compostos por múltiplas espécies animais e vegetais em equilíbrio interdependente”, afirma e entidade.
Por essa razão, diz que ao permitir a caça individualizada e privada, a norma estadual estimula a prática da caça recreativa, incentivando inclusive a caça clandestina de outras espécies — incluindo animais silvestres da fauna brasileira e exóticas protegidas, como o cervo-axis no Rio Grande do Sul. “O risco de extinção de espécies nativas, a destruição de nascentes e a degradação de habitats naturais impõem efeitos duradouros e, em muitos casos, irreversíveis, dificultando a regeneração plena dos ecossistemas afetados”, destaca o Fórum Animal.
“A questão do manejo dos javalis não é apenas ambiental ou sanitária, mas um teste para a eficácia do sistema jurídico e de governança no enfrentamento de crises ecológicas complexas, sendo que a simples liberação da caça predatória do javali agrava o problema, prejudicando o meio ambiente e tem se mostrado totalmente ineficaz para o manejo populacional”, prossegue a entidade na ação.
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Assim, sustentou que a permanência da Lei Estadual 18.817 em vigor compromete o pacto federativo, fragiliza a legislação ambiental brasileira e expõe a fauna silvestre à crueldade, em total desacordo com os preceitos constitucionais e com a jurisprudência consolidada do STF. “O Brasil deve seguir no caminho da proteção ambiental responsável e ética, em sintonia com os avanços jurídicos e científicos contemporâneos”, concluiu.
Ao final da ação, requereu ao STF que seja declarada a inconstitucionalidade formal e material da lei de Santa Catarina. A ADI 7808 foi autuada nesta quarta-feira (23/4) e distribuída ao ministro Nunes Marques, que adotou o rito abreviado.