Infraestrutura portuária e o dilema do investimento público: quando o recurso não basta

R$ 50 bilhões em investimentos no setor portuário brasileiro até 2026: esta foi a promessa do governo federal, alinhado à concessão de diversos terminais à iniciativa privada. A notícia gerou manchetes otimistas e expectativas renovadas quanto à modernização da infraestrutura nacional. No entanto, a pergunta que persiste é: o investimento público, por si só, é capaz de solucionar os gargalos logísticos do país?

A história recente nos obriga à cautela. O setor portuário brasileiro já foi alvo de sucessivas ondas de investimento público, muitas vezes mal estruturadas, com projetos inconclusos, marcos regulatórios frágeis e planos de longo prazo substituídos por decisões políticas de curto alcance.

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Apesar de algumas melhorias pontuais, o ciclo de ineficiência se manteve — obras demoradas, burocracia crônica e ausência de interoperabilidade logística. A questão que se impõe, portanto, é menos sobre “quanto” se investe, e mais sobre “como” e “com que governança” se realiza esse investimento.

São dados: recentes estudos da OCDE apontam o Brasil como um dos países com os menores índices de eficiência portuária, e a recente Ceportos – comissão especial que discute a reforma portuária – também aponta a necessidade de melhoria do setor.

A armadilha da execução: falhas que se repetem

O Brasil vive um dilema histórico na execução de políticas públicas em infraestrutura. O desenho institucional das estatais e dos programas federais sofre com lacunas de accountability, pulverização de competências e, por vezes, um viés político na alocação dos recursos.

No caso portuário, as consequências são particularmente graves: qualquer atraso ou erro de projeto compromete cadeias inteiras de exportação e gera custos sistêmicos ao comércio exterior.

Não se trata de um problema de vontade política ou de ausência de recursos, mas de capacidade institucional. O TCU já apontou falhas graves em fiscalizações de investimentos públicos no setor: ausência de estudos técnicos robustos, processos de licitação com baixa concorrência e sobrepreço em contratos. A falta de articulação entre entes públicos e privados também mina o potencial transformador desses aportes.

O papel regulatório: entre a fiscalização e a indução

A regulação também entra em cena. Embora a ANTAQ tenha avançado em seu papel de fiscalização e normatização, persiste um vazio regulatório no que tange à governança de investimentos públicos. A agência, muitas vezes, atua mais como auditora tardia do que como indutora de boas práticas[1]. Ainda que detenha expertise técnica, carece de instrumentos normativos mais vinculantes para garantir a execução eficiente e transparente dos projetos.

Além disso, a instabilidade dos marcos regulatórios — como a indefinição quanto à privatização de autoridades portuárias e o reequilíbrio contratual de concessões antigas — reduz a previsibilidade e a atratividade do setor. Assim, mesmo com vultosos investimentos públicos, o risco percebido pelos agentes privados permanece alto.

E mais: são diversos os órgãos estatais responsáveis pelo setor, do Estado, ministérios, agências reguladoras. A coordenação destas no desenvolvimento de políticas estratégicas para a melhoria do setor é necessária, mas quase inexistente.

Caminhos possíveis: regulação pró-governança e parcerias inteligentes

Há soluções possíveis. A primeira delas é o fortalecimento da regulação pró-governança. A ANTAQ e os órgãos de controle precisam atuar de forma coordenada para antecipar riscos de execução, exigir planos detalhados e condicionar repasses à comprovação de resultados. É também urgente integrar marcos regulatórios com planos logísticos federais e estaduais — os investimentos não podem ser isolados das políticas de transporte, comércio exterior e desenvolvimento regional.

Outra via é reconhecer que o investimento público não precisa (nem deve) ser exclusivo. O Estado pode (e deve) funcionar como estruturador de projetos, reduzindo assimetrias de informação, mitigando riscos institucionais e atraindo o setor privado por meio de modelagens mais modernas.

Parcerias público-privadas, concessões estruturadas por performance e leilões reversos são apenas alguns exemplos de como os recursos públicos podem ser alavancados de forma mais eficiente – desde que essas estratégias estejam coordenadas e alinhadas aos planos de desenvolvimento portuário e marítimo nacionais. Se não, será (mais) um plano “que não deu certo”.

Conclusão

O novo pacote de investimentos portuários anunciado pelo governo federal deve ser visto com a prudência que a história exige. Investir é necessário, mas não é suficiente. Sem planejamento estratégico e uma regulação mais robusta, uma execução profissionalizada e uma articulação inteligente com o setor privado, corre-se o risco de transformar mais uma oportunidade em frustração — e de seguir carregando, nos porões da burocracia, o peso da ineficiência logística brasileira.


[1] Veja o exemplo da Aneel no caso de São Paulo. Ver: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/governanca-e-infraestrutura-licoes-pos-apagao-em-sao-paulo

CNN, 20 Bi em investimentos em 2025: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/portos-receberao-cerca-de-r-20-bi-de-investimento-em-2025/

BRASIL, 50 bi em investimentos até 2026: https://www.gov.br/portos-e-aeroportos/pt-br/assuntos/noticias/2025/01/ministerio-de-portos-e-aeroportos-anuncia-recordes-historicos-e-r-50-bilhoes-em-investimentos-ate-2026

OCDE, Relatórios de Avaliação Concorrencial do setor portuário brasileiro: https://www.oecd.org/pt/publications/relatorios-de-avaliacao-concorrencial-da-ocde-brasil_283dc7c1-pt.html

CEPORTOS, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/57a-legislatura/revisao-legal-exploracao-portos-instalacoes-portuarias

TCU, https://contas.tcu.gov.br/ead/course/info.php?id=969 e https://www.gov.br/portos-e-aeroportos/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/inedito-no-pais-concessao-de-canal-de-acesso-do-porto-de-paranagua-tem-aval-do-tcu-e-garantira-investimento-de-r-1-bilhao-ao-complexo

PEPELEASCOV GOMES, Gabriela. Governança e Infraestrutura: lições pós-apagão em São Paulo, em Jota Info: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/governanca-e-infraestrutura-licoes-pos-apagao-em-sao-paulo

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