Acesso à justiça e experiência UniBairro

O acesso à justiça é princípio constitucional, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. No entanto, a mera previsão constitucional não assegura a sua concretização. A realidade brasileira revela um abismo entre o direito formal e o acesso efetivo, especialmente para as populações vulneráveis. O alto custo de processos judiciais, a morosidade e a falta de informação de qualidade são apenas alguns dos entraves que limitam o acesso a esse direito fundamental.

O direito à informação verdadeira e acessível é um pilar crucial para viabilizar o acesso à justiça. O Brasil enfrenta inúmeros desafios neste ponto. Segundo a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública de 2022, aproximadamente 25% da população brasileira, ou cerca de 53 milhões de pessoas, não têm acesso à assistência jurídica gratuita, sendo 48,5 milhões delas economicamente vulneráveis com renda familiar de até três salários mínimos.

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Além disso, a compreensão sobre direitos humanos pela população brasileira apresenta lacunas significativas. Uma pesquisa da ONU Mulheres e Instituto Ipsos de 2022 revelou que 61% dos brasileiros afirmam saber pouco ou nada sobre direitos humanos. Esse desconhecimento é mais acentuado entre as camadas mais vulneráveis da sociedade.

Nesse cenário, as universidades desempenham um papel fundamental na construção de pontes entre o saber jurídico e a população, contribuindo para a democratização da informação e para a promoção da cidadania. Foi com essa missão que surgiu a UniBairro – sigla para Universidade no Bairro –, uma Clínica de Orientação Jurídica Solidária, criada a partir do convênio de cooperação acadêmico-científica firmado entre o Instituto Alana, organização da sociedade civil, e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, instituição educacional privada e confessional, ambas sem fins lucrativos.

A clínica se insere no contexto do projeto Urbanizar, iniciativa do Instituto Alana voltada para o fortalecimento das ações comunitárias, visando à melhoria da qualidade de vida e do bem-estar socioambiental no Jardim Pantanal, bairro periférico na zona leste de São Paulo, marcado por alta densidade populacional e vulnerabilidade social, além da carência de infraestruturas essenciais.

A UniBairro, constituída em 2020 na forma de clínica jurídica e organizada dentro da pesquisa e extensão universitária, capacita estudantes da graduação do curso de Direito para prestarem orientação jurídica à população de baixa renda.

O impacto da iniciativa é notável. Muitas pessoas nem sequer têm conhecimento sobre seus direitos e os meios de resolução de conflitos disponíveis, o que as impede de reivindicar proteção legal adequada. Dessa forma, projetos como esse promovem o empoderamento jurídico e facilitam o acesso a soluções que vão além da via judicial, como mediação e conciliação.

A relevância de iniciativas como a UniBairro está alinhada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16, da Organização das Nações Unidas (ONU), que enfatiza a necessidade de fortalecer o Estado de Direito e garantir acesso à justiça para todos, especialmente para aqueles em situação de vulnerabilidade. Isso exige mais do que a simples existência de instituições judiciárias. É necessário torná-las acessíveis em termos financeiros, linguísticos, culturais e geográficos.

O ensino clínico jurídico, por meio da implementação de clínicas jurídicas nas graduações em Direito, emerge como ferramenta essencial para promover a democratização do acesso à justiça. A UniBairro, ao proporcionar orientação qualificada e acessível, desempenha um papel significativo na redução das desigualdades jurídicas e no fortalecimento da autonomia das comunidades.

O projeto também beneficia os estudantes, aproximando-os da realidade social do país e permitindo a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos em sala de aula. Contudo, para que iniciativas como essa tenham impacto duradouro, é fundamental que sejam acompanhadas de políticas públicas estruturais que garantam o acesso pleno à justiça para todos os cidadãos, independentemente de sua condição socioeconômica.

Certamente, a ação da clínica representa um avanço significativo na redução das desigualdades no acesso ao direito, mas deve ser parte de uma estratégia mais ampla de promoção da equidade e da justiça social.

Entre 2020 e 2024, a UniBairro registrou 286 agendamentos, refletindo a alta demanda por orientação jurídica em diversas áreas. Os temas mais recorrentes incluem questões previdenciárias, como aposentadoria e auxílio-doença, além da obtenção de benefícios de assistência social, como o Bolsa Família. Demandas trabalhistas, casos relacionados ao direito de família — como fixação de guarda, pensão alimentícia e divórcio — e dúvidas sobre endividamento e renegociação de dívidas também estão entre os principais motivos da busca por orientação.

Paralelamente, a população do Jardim Pantanal tem se engajado  na construção participativa de planos comunitários, que incluem o Plano Emergencial (2021), os Planos de Bairro Fase I e Fase II (2022 e 2023) e, atualmente, a elaboração de um Plano de Adaptação e Resiliência Climática focado em crianças e adolescentes. Essas iniciativas reforçam a importância de ações estruturadas e coletivas para garantir direitos e melhorar a qualidade de vida da população.

Sem dúvida, o envolvimento ativo dos moradores fortalece laços de confiança, promove o empoderamento comunitário e dissemina o conhecimento, resultando no pleno exercício da cidadania. A experiência da UniBairro demonstra o imenso potencial transformador da articulação entre ensino jurídico e compromisso social. Atuando no Jardim Pantanal, a clínica não apenas facilita o acesso à justiça e fortalece a cidadania, mas também proporciona aos estudantes uma formação prática, crítica e sensível às desigualdades.

Ao aliar teoria e prática, a iniciativa forma profissionais do Direito mais conscientes de seu papel na sociedade, capacitados para enfrentar desafios reais e contribuir para uma justiça mais inclusiva. A parceria entre universidade, população e sociedade civil se revela, portanto, um modelo eficaz para democratizar o acesso à justiça e aprimorar a qualidade do ensino jurídico no Brasil.

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