Quantas vezes um paciente se vê diante de um dilema cruel: confiar que seu plano de saúde ou a clínica onde busca atendimento cumprirão sua parte ou preparar-se para o risco de ser deixado à própria sorte? Infelizmente, episódios como os recentes julgamentos do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostram que essa dúvida não é infundada. Em ambos os casos, pacientes foram prejudicados por decisões administrativas arbitrárias, que ignoraram sua vulnerabilidade e impuseram barreiras ao direito fundamental à saúde. Felizmente, a Justiça tem dado sinais claros de que não tolera esse tipo de conduta.
No caso julgado pelo TJGO, uma idosa com problemas renais enfrentou não apenas a angústia da doença, mas também a frustração de ter sua cirurgia cancelada duas vezes. Um desses cancelamentos ocorreu sem aviso prévio, por um erro documental da clínica. A decisão do tribunal reafirmou que clínicas privadas possuem responsabilidade objetiva, ou seja, devem responder pelos danos que causam independentemente de dolo ou culpa. O que está em jogo não é apenas o prejuízo financeiro da paciente, mas sua dignidade e segurança. É aceitável que um hospital, cuja missão deveria ser salvar vidas, trate com tamanha negligência alguém que busca atendimento?
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Já no julgamento do STJ, no Recurso Especial nº 1.106.789, a luta foi contra um plano de saúde que se recusou a cobrir uma cirurgia bariátrica essencial para a saúde da paciente, alegando que o contrato não previa expressamente o procedimento. O tribunal, no entanto, foi categórico ao afirmar que cláusulas genéricas devem ser interpretadas sempre em favor do consumidor, especialmente quando o procedimento tem recomendação médica e finalidade terapêutica. A negativa de um tratamento essencial pode ser apenas um número em uma planilha de custos para um plano de saúde, mas para o paciente pode significar o agravamento de sua condição, sofrimento e, em casos mais extremos, a morte.
A decisão reforça a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de plano de saúde e demonstra que cláusulas ambíguas devem ser interpretadas em favor do consumidor, principalmente quando envolvem a preservação da saúde e da vida. O Tribunal também considerou que a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 123 da Repercussão Geral — que trata dos limites da atuação judicial sobre as coberturas — não impede a intervenção quando houver recomendação médica comprovada e necessidade terapêutica.
O avanço da jurisprudência sobre esses casos demonstra uma tendência cada vez mais consolidada de proteção ao paciente. A negativa baseada em cláusulas genéricas ou em alegações de exclusão estética tem sido cada vez mais rechaçada pelo Judiciário, especialmente quando está claro que o procedimento prescrito tem caráter médico, e não meramente estético. Esse entendimento reforça que o direito à saúde não pode ser relativizado por interesses econômicos. Mais do que uma simples relação contratual, está em jogo a dignidade humana e o acesso a tratamentos essenciais.
Essas decisões não são apenas alívio para os pacientes envolvidos, mas um alerta para todo o setor da saúde. Se por um lado as operadoras de planos de saúde insistem em restringir tratamentos com base em brechas contratuais, por outro, clínicas e hospitais não podem transferir para os pacientes as consequências de sua desorganização. A jurisprudência vem avançando na construção de um entendimento mais justo e humano, colocando a vida e a saúde das pessoas acima de burocracias e interesses comerciais.
O recado do Judiciário é claro: a saúde não pode ser tratada como um serviço qualquer. Não é uma mercadoria que pode ser negociada conforme a conveniência financeira de empresas ou a capacidade administrativa de instituições. Os consumidores, por sua vez, devem estar atentos, informados e dispostos a exigir seus direitos. A busca pela Justiça, em casos de abusos, não apenas repara danos individuais, mas contribui para que o setor de saúde seja cada vez mais responsabilizado e compelido a agir com ética e eficiência.
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O direito à saúde é um direito de todos. E qualquer tentativa de negá-lo deve encontrar resistência — dos tribunais, da sociedade e, sobretudo, de cada paciente que se recusa a aceitar menos do que o atendimento digno que merece.