Critério para concessão de descontos na transação tributária do estado de São Paulo

Segundo o Conselho Nacional de Justiça1 (CNJ), as execuções fiscais representam 31% dos casos pendentes na Justiça, com 3,3 milhões apenas no Estado de São Paulo. Muitas dessas ações, principais responsáveis pela morosidade do Judiciário, repetem procedimentos administrativos já frustrados para a localização do devedor e do seu patrimônio.

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Na contramão dessas dificuldades, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional2 (PGFN) recuperou R$ 61,3 bilhões em 2024, sendo R$ 20,7 bilhões por meio de soluções consensuais, em especial a transação tributária que oferece condições diferenciadas para a quitação dos débitos tributários de acordo com a capacidade de pagamento do devedor e do grau de recuperabilidade do crédito.

Prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional, o instituto autoriza que a lei faculte a devedores e credores a celebração de tratativas, mediante concessões mútuas, com vistas ao encerramento de litígio e extinção do crédito tributário, aproximando a administração das circunstâncias econômicas de cada contribuinte, viabilizando a oferta de tratamento isonômico nos acordos firmados.

Em 2020, pela Lei 13.988, a União estabeleceu os requisitos para que ela, suas autarquias e fundações, realizassem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública inscritos em dívida ativa, adotando a capacidade de pagamento como critério para avaliar a situação econômica do contribuinte e determinar as condições de negociação.

Referida avaliação, ainda que criticável, considera informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais do contribuinte perante a Administração Tributária e outros órgãos públicos.

No ano de 2023, a Lei 17.843 do estado de São Paulo aprimora a transação tributária sobre a cobrança da dívida estadual, estabelecendo que para fins de regulamentação, devem ser observados, entre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva.

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Com mira à necessidade de regulamentação da lei instituidora da transação, o inciso V do art. 13 de citada lei atribuiu a ato do Procurador Geral do Estado a disciplina dos critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas; os parâmetros para a aceitação da transação na modalidade individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos, que incluam ainda a idade da dívida inscrita; a capacidade contributiva do devedor; os custos da cobrança judicial; a condição econômica do contribuinte; os atributos dos créditos inscritos e o histórico de recuperação.

A Resolução PGE nº 6 de 2024, no entanto, regulamentando a aplicação da transação paulista, restringiu os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas e para a concessão de descontos fixando que serão consideradas: (i) garantias válidas e líquidas, inclusive depósitos judiciais, para as cobranças em curso contra o proponente, bem como a quantidade de dívidas suspensas e parceladas; (ii) histórico de pagamentos do proponente; e (iii) tempo de inscrição dos débitos em dívida ativa.

A aplicação desses critérios, por meio do emprego de uma fórmula, implica na classificação da dívida como recuperável, de difícil recuperação ou irrecuperável e, nesse sentido, quanto maior o resultado pior é o cenário de recuperabilidade e, assim, maior a outorga de descontos. O método atribui, por exemplo, nota zero para devedores que tenham menos que 9,99% do total da dívida inscrita nos últimos 5 anos.

A metodologia adotada pela PGE, apesar da previsão expressa da lei regulamentada, desconsidera os critérios relativos à capacidade contributiva do devedor e a sua condição econômica, restrição que representa afronta ao instituto da transação e aos princípios constitucionais que lhe são inerentes, em especial o da isonomia.

É perfeitamente possível que um contribuinte com dívidas inscritas há mais tempo esteja em melhor situação financeira do que aquele que, por alguma razão, enfrentou dificuldades recentes em sua atividade produtiva e, sendo assim, tornou-se inadimplente.

Com essa postura o Estado desestimula que o contribuinte procure a autoridade fiscal para negociar, uma vez que o tempo inscrição da dívida não guarda nenhuma relação com a capacidade econômica da pessoa física ou jurídica.

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Do modo como está, a transação paulista repete o modelo rechaçado pelo CNJ, ou seja, enquanto não esgotados todos os meios judiciais para constrição forçada de patrimônio e enquanto o débito não estiver próximo de atingir o prazo prescricional, não há diálogo com o contribuinte.

Até lá mantém-se a cultura da litigiosidade e fomenta-se a equivocada ideia de que administração pública tributária e contribuinte estão em lados opostos.

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1 Justiça em números 2024. Acesso em 21.03.2025. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/06/desafio-das-execucoes-fiscais-recorte-do-justica-em-numeros-2024.pdf

2 Acesso em 21.03.2025. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/noticias/2025/pgfn-recuperou-mais-de-r-61-bilhoes-em-2024-para-a-uniao

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