A diversidade como compromisso institucional: avanços na advocacia pública

No Estado Democrático de Direito, a promoção da diversidade, da equidade e da inclusão devem estar presentes também no serviço público. E, nas instituições que integram o Sistema de Justiça, a legitimidade e a representatividade são pressupostos para a efetiva realização dos direitos fundamentais, sendo fundamental refletir os múltiplos rostos e vozes que compõem a sociedade brasileira.

Com base nessa premissa, o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (CONPEG) criou, em 2023, o Fórum Nacional Permanente de Equidade e Diversidade (FONPED). Composto por representantes das 27 Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, o FONPED vem se consolidando como espaço de articulação técnica em torno da construção de uma cultura institucional comprometida com o enfrentamento das desigualdades estruturais, como gênero, raça, orientação sexual, deficiência e geracional.

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Nos primeiros dois anos de trabalho, esse processo coletivo gerou dois marcos relevantes: o Panorama da Diversidade nas Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, diagnóstico inédito sobre a composição da força de trabalho da Advocacia Pública estadual, e o Manual de Boas Práticas de Gestão para Diversidade, documento propositivo que reúne diretrizes, fundamentos legais e ações recomendadas às Procuradorias.

Um retrato necessário: o Panorama da Diversidade nas PGEs

Apesar da universalidade de acesso garantida por concurso público, o serviço público ainda reflete desigualdades estruturais que atravessam gênero, raça, orientação sexual, deficiência e geração. Grupos historicamente marginalizados continuam concentrados nos cargos de menor prestígio e remuneração, com baixa presença em funções de liderança e decisão.

As políticas de promoção da igualdade vêm ganhando espaço nas instituições públicas, impulsionadas por avanços normativos e pelo fortalecimento de pautas de diversidade com enfoque interseccional. No entanto, persistem barreiras culturais, institucionais e estruturais que demandam enfrentamento contínuo e estratégias articuladas para a construção de um ambiente verdadeiramente inclusivo e representativo.

Como primeira ação do FONPED, era necessário entender a composição das Procuradorias. Assim, o Panorama da Diversidade foi construído a partir de respostas voluntárias coletadas nas PGEs. A iniciativa alcançou um engajamento expressivo e abordou temas como equidade de gênero e parentalidade, identidade de gênero, raça/cor, etnia, orientação sexual e deficiência, e se propôs a lançar luz sobre dados até então invisibilizados na maioria das instituições.

Os resultados confirmaram o que já se percebia empiricamente: a sub-representação de mulheres e pessoas negras nos espaços de poder e liderança é uma realidade na advocacia pública estadual. Além disso, revelou-se uma preocupante ausência de sistemas confiáveis de coleta e monitoramento de dados de diversidade, fragilizando políticas institucionais de inclusão.

O Panorama também destacou a necessidade urgente de ações de acolhimento e prevenção ao assédio, bem como a adoção de políticas efetivas de apoio à parentalidade, à acessibilidade e ao letramento institucional sobre marcadores sociais.

Do diagnóstico à ação: o Manual de Boas Práticas

Fruto do segundo ano de atuação do FONPED, o Manual de Boas Práticas de Gestão para Diversidade foi construído de forma colaborativa pelos representantes das PGEs, com base na legislação constitucional e infraconstitucional, bem como em experiências concretas já implementadas por instituições públicas – inclusive algumas Procuradorias – e também por organizações privadas. O documento nasce do compromisso coletivo de transformar o diagnóstico em ação, oferecendo diretrizes que possibilitem a institucionalização da diversidade como um valor estratégico e permanente no serviço público.

Com base no diagnóstico realizado e nos debates travados no FONPED, o Manual de Boas Práticas de Gestão para Diversidade foi publicado como um guia técnico para apoiar as PGEs na estruturação de suas políticas internas de inclusão e diversidade. O documento respeita a autonomia institucional de cada Procuradoria, propondo um conjunto de medidas prioritárias com embasamento constitucional e legal, além de exemplos de instituições que já adotam as práticas recomendadas.

Entre as ações, destacam-se:

  • Criação de políticas internas de diversidade com metas e indicadores;
  • Constituição de comitês de diversidade com composição plural;
  • Implantação de canais de denúncia e ouvidoria contra assédio e discriminação;
  • Adequação às decisões do STF em matéria de diversidade.
  • Implantação de coleta de dados com indicadores de diversidade no quadro de pessoal.
  • Adoção de políticas de apoio à parentalidade e enfrentamento ao assédio sexual;
  • Implementação de ações voltadas à equidade de gênero, étnico-racial, inclusão de pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+ e promoção da intergeracionalidade;

Mais do que um manual, trata-se de uma ferramenta de transformação institucional, orientada pela Constituição e pelos marcos legais da igualdade e da dignidade humana.

Diversas Procuradorias já vêm implementando algumas das ações recomendadas. Um dos eixos centrais do FONPED é justamente a troca interinstitucional de experiências e a difusão dessas boas práticas.

A PGE-RJ, por exemplo, foi pioneira na advocacia pública estadual com a criação das Comissões para Promoção da Igualdade de Gênero e de Combate ao Racismo Institucional e Estrutural. A Procuradoria também implantou um canal de denúncias, aderindo ao modelo Fala.BR, e tem atuado na formação continuada de seus quadros, com enfoque interseccional.

Outras PGEs vêm igualmente implementando medidas de inclusão e diversidade, com a criação de comitês internos, previsão de cotas nos concursos e capacitação interna.

Essas experiências demonstram que, mesmo diante de diferentes níveis de maturidade institucional, é possível construir práticas consistentes e transformadoras, adaptadas às realidades locais.

Agenda 2025: compromisso coletivo com a implementação

Com base no Manual de Boas Práticas, o FONPED está coordenando uma nova etapa de trabalho em 2025: apoiar as Procuradorias na formulação de planos de ação com prazos, metas e mecanismos de monitoramento. A ideia é que cada PGE possa, a partir de sua realidade e de seus desafios específicos, consolidar medidas estruturais de promoção da equidade.

Políticas públicas de equidade são essenciais para promover uma mudança de cultura institucional, na qual a representatividade e a construção de um ambiente de trabalho saudável, plural e igualitário sejam compromissos compartilhados por todos os membros da instituição. Isso exige não apenas boa vontade, mas planejamento, dados, metas e vontade política.

Nesse sentido, é necessário superar a ideia de uma suposta neutralidade no serviço público, em que, teoricamente, todas as pessoas teriam as mesmas oportunidades de ingresso e ascensão. A realidade institucional – como demonstrado no Panorama da Diversidade – revela que desigualdades de gênero, raça, orientação sexual, deficiência e geração seguem operando de forma silenciosa, dificultando o acesso aos espaços de liderança e decisão.

Medidas afirmativas de igualdade de gênero, enfrentamento ao racismo estrutural e institucional, acessibilidade plena e letramento sobre marcadores sociais são caminhos indispensáveis para a construção de um serviço público mais justo e inclusivo.

A valorização da diversidade é, portanto, um imperativo democrático, jurídico e institucional. Promover a equidade na Advocacia Pública estadual significa garantir que todas as pessoas tenham oportunidades reais de participação e reconhecimento, com respeito às suas singularidades.

A transformação cultural não se faz da noite para o dia, mas começa com escolhas concretas: ouvir, conhecer, diagnosticar, propor, implementar e monitorar. O Panorama e o Manual são instrumentos vivos desse processo, que dependem do engajamento contínuo de cada PGE. Em 2025, seguimos trabalhando de forma articulada para alcançar uma advocacia pública cada vez mais representativa, plural e comprometida com os valores constitucionais da igualdade, dignidade e inclusão.

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