No Brasil, especialmente entre famílias de classe média alta e alta, é comum que os pais presenteiem os filhos com um imóvel ao se casarem. Na maioria dos casos, essa doação ocorre por meio da compra direta do imóvel já em nome do filho, sem declarar a operação corretamente, e sem que o filho comprove a existência de patrimônio ou renda compatível com a aquisição do bem.
Essa prática existe há décadas e, por muito tempo, funcionou sem grandes problemas. As famílias não eram fiscalizadas e raramente eram autuadas. No entanto, com o avanço dos sistemas de cruzamento de dados da Receita Federal, esse tipo de operação tem trazido um risco cada vez maior de cair na famosa “malha fina”.
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Talvez seus pais tenham feito isso com você. Talvez você esteja pensando em fazer o mesmo com seus filhos, agora que estão prestes a se casar. E imagino que você pense: “Se deu certo no passado, por que não daria certo agora?”. No Brasil, temos o costume de achar que o problema “só acontece com os outros, não comigo”. Mas a realidade é outra — especialmente quando o assunto é imposto. A cada ano, o cerco aperta mais. Afinal, o Governo precisa arrecadar (e, ironicamente, somos nós que precisamos pagar a conta…).
Há algumas semanas, estruturamos o projeto patrimonial de um cliente, que incluiu a criação de uma holding imobiliária. O cliente, ainda jovem, decidiu não doar as cotas aos filhos por enquanto. Mas seu filho mais velho vai se casar no ano que vem e sairá de casa. O pai, empresário bem-sucedido, quer que o filho continue morando bem e próximo da família. Por isso, decidiu presenteá-lo com um belo apartamento de R$ 800 mil, a ser comprado à vista e registrado diretamente no nome do filho.
O problema é que, embora o filho trabalhe na empresa da família há dois anos, recebe um salário de apenas R$ 10 mil por mês. Você provavelmente já percebeu: ele não tem condições de adquirir esse imóvel com recursos próprios. Quando declarar a compra à vista, a Receita Federal identificará a ausência de lastro financeiro e provavelmente ele cairá na malha fina. E não declarar o imóvel não é uma opção viável nos dias de hoje, já que os cartórios repassam todas as informações à Receita.
Esse presente tem nome: doação. Mas, afinal, como isso deveria ser feito corretamente?
Na prática, apesar de parecer mais simples apenas comprar o imóvel direto no nome do filho, o correto é tratar a operação como uma doação em dinheiro — no valor de R$ 800 mil — para que o filho, então, adquira o imóvel.
Nesse caso, o procedimento correto seria:
- O pai declara, no seu Imposto de Renda, a doação dos R$ 800 mil;
- O filho declara o recebimento desse valor e recolhe o ITCMD correspondente;
- Com os recursos, o filho adquire o imóvel, registra em seu nome e informa na sua declaração de IR que o bem foi comprado com recursos recebidos por doação.
Talvez você se pergunte: por que o pai não compra o imóvel e posteriormente doa ao filho? É uma opção, porém fazer dessa forma acaba sendo mais caro e mais burocrático, pois exigiria dois momentos distintos de escritura pública e registro: um para a compra e outro para a doação.
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Fazendo da forma correta, você obtém dois benefícios. Primeiro, evita cair na malha fina e, com isso, afasta a possibilidade de multas e autuações fiscais. Segundo, garante proteção patrimonial: se o filho casar sob o regime da comunhão parcial de bens, o imóvel — por ter sido adquirido com recursos doados — não entrará na partilha em caso de divórcio.
Por fim, se você fez algo parecido nos últimos cinco anos, vale a pena considerar uma autorregularização. Declarar corretamente o bem, mesmo de forma tardia, pode evitar penalidades maiores no futuro, como multa e cobrança retroativa de impostos.