Governança climática: o valor do BNDES para políticas públicas mais efetivas

O uso insustentável e desigual de energia e da terra, bem como mais de um século de queima de combustíveis fósseis, causaram o aquecimento global, com a temperatura da superfície global atingindo 1,1°C a mais que no período de 1850–1900 em 2011–2020. Os dados do sexto Relatório de Avaliação (AR6) no âmbito do Relatório Síntese (SYR) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) mostram que essa mudança resulta em impactos adversos generalizados. São perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas (IPCC, 2023). Isso permite concluir que cada incremento no aquecimento global intensificará os riscos múltiplos e simultâneos em todas as regiões do mundo[1].

Para enfrentar esse problema coletivo, é preciso coordenar esforços e recursos para mitigar os efeitos da mudança climática com a adaptação à nova realidade em andamento. A resolução se dará, dentro outras frentes, por meio da governança pública – mecanismo de funções básicas do Estado no direcionamento, no monitoramento e na avaliação da gestão da máquina de governo e de suas ações (TCU, 2014).

A governança climática é uma expressão de governança pública focada nas políticas de mitigação ou adaptação das mudanças climáticas em curso, com forte demanda por recursos financeiros nacionais e internacionais, a fim de atender os objetivos de uma  ampla agenda de investimentos.

O Brasil possui dimensões continentais, grande diversidade geográfica e climática, vasta área costeira, seis biomas únicos e níveis de desenvolvimento distintos em 27 unidades federativas. Essa realidade torna a governança climática um desafio de coordenação e integração junto aos governos subnacionais e a uma multiplicidade de setores econômicos, produtivos e sociais.

Nesse ponto, cumpre destacar o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), focado na promoção de uma transição justa para uma economia neutra e na conservação e restauração dos biomas nacionais.

Governança climática e políticas públicas mais efetivas

Dentre as principais barreiras à mitigação e adaptação climáticas sublinhadas pelo IPCC, destacam-se a deficiência de disponibilidade e de acesso aos financiamentos necessários às ações climáticas. Dito de outra forma, apesar da existência de capital global suficiente para fechar as lacunas de investimento global, existem desafios para redirecionar o capital para a ação climática. Há evidências que apontam o financiamento público como um fator de atração de novos fluxos de recursos privados para essas ações. Entretanto, uma governança pública eficiente pode contribuir para aumentar a efetividade das políticas climáticas, ao reduzir os empecilhos identificados pelo IPCC.

Mas como a governança pública pode contribuir para o atingimento de políticas públicas mais efetivas?

Governança diz respeito a estruturas, funções, processos e tradições organizacionais que visam garantir que as ações planejadas (programas) sejam executadas de tal maneira que atinjam seus objetivos e resultados de forma transparente (TCU, 2014). Assim, as funções de governança proporcionam efetividade (produzir os efeitos pretendidos) e maior economicidade (obter o maior benefício possível da utilização dos recursos disponíveis) das ações propostas. São funções de governança: (a) definir o direcionamento estratégico; (b) supervisionar a gestão; (c) envolver as partes interessadas; (d) gerenciar riscos estratégicos; (e) gerenciar conflitos internos; (f) auditar e avaliar o sistema de gestão e controle; e (g) promover a accountability (prestação de contas e responsabilidade) e a transparência. Em suma, as funções da governança abrangem o direcionamento, monitoramento e avaliação das políticas e dos planos.

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Para superar as barreiras apontadas pelo IPCC na implementação de políticas climáticas efetivas, pretende-se abordar mais especificamente adiante algumas diretrizes e ações do BNDES relacionadas à disponibilidade e ao acesso de financiamento. Com isso, objetiva-se exemplificar caminhos possíveis para uma boa governança climática.

Vale recordar que políticas públicas “são um conjunto articulado e estruturado de ações e incentivos que buscam alterar uma realidade em resposta a demandas e interesses dos atores envolvidos” (MARTINS, 2007). Tratam geralmente sobre “o que fazer” (ações), “aonde chegar” (objetivos relacionados ao estado de coisas que se pretende alterar) e “como fazer” (princípios e macroestratégias de ação) (MARTINS, 2003). Dizem respeito, em vista disso, “à mobilização político-administrativa para articular e alocar recursos e esforços para tentar solucionar dado problema coletivo” (PROCOPIUCK, 2013).

As ações de políticas públicas são desenvolvidas em ciclos, tais ciclos representam um conjunto articulado de etapas de formulação, implementação e avaliação. Essa sequência de etapas, por sua vez, é conhecida como “ciclo político-administrativo” (HOWLETT et al., 2013).

As funções de governança precisam estar coordenadas com as políticas públicas, para dar efetividade às ações propostas.

Com base nesses conceitos, a governança climática no Brasil implica direcionar, monitorar e avaliar a Política Nacional sobre Mudança do Clima[2] (“PNMC”), segundo o “ciclo político-administrativo” dessa Política, monitorando suas ações para a mitigação do problema coletivo do aquecimento global. Essa política demanda uma mobilização político-administrativa do Estado brasileiro para articular e alocar recursos e esforços para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

Dito isso, como o BNDES pode contribuir para tornar as políticas públicas climáticas mais efetivas, no âmbito da administração pública federal?

As orientações para a formulação da Estratégia do Sistema BNDES, conhecidas como Diretrizes Estratégicas, estão diretamente associadas ao tema da mudança climática. A elaboração das Diretrizes Estratégicas tem como fonte primária as políticas públicas e as diretrizes governamentais, possibilitando uma conexão direta com a Estratégia do BNDES.

Dentre tais diretrizes, destacam-se aqui as seguintes: (i) transição energética, com destaque para o uso de fontes renováveis, gás natural e novas rotas tecnológicas; (ii) modernização e adaptação de ativos do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição); (iii) universalização do saneamento básico; (v) gestão integrada adequada de resíduos sólidos urbanos; (vi) novas tecnologias para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa, tais como: captura e armazenamento de carbono (CCUS), hidrogênio de baixo carbono, novos combustíveis e eletrificação ou hibridização de frotas.

Segundo a Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática do BNDES (“PRSAC”), uma norma de conteúdo programático e estratégico, de caráter transversal a todas as áreas do Banco, o BNDES conta com uma estrutura de governança específica para lidar com a agenda de mudanças climáticas. Com esse tipo de norma e estrutura, o BNDES pode desenvolver políticas públicas integradas com os objetivos da PNMC, respeitando o “ciclo político-administrativo”. Esse alinhamento do BNDES com os objetivos da PNMC confere as condições institucionais para a execução de políticas públicas climáticas efetivas.

Em complemento, a agenda climática em implementação no BNDES leva em consideração as principais barreiras à mitigação e adaptação climáticas sublinhadas pelo IPCC, para a tomada de decisões estratégicas e de longo prazo. Assim, as políticas do BNDES estão direcionadas para, por exemplo: (i) ampliar o financiamento de clientes, com um aumento já documentado de 20% na quantidade de operações de economia verde aprovadas em 2023, em relação à média de 2019 a 2022; (ii) alinhar as atividades do Banco ao Acordo de Paris, com o desenvolvimento de um inventário de gases de efeito estufa no estoque de operações; (iii) implementar uma metodologia para avaliação de risco climático das operações diretas; (iv) utilizar o MapBiomas com a plataforma operacional do BNDES para monitorar o desmatamento nos projetos financiados; (v) articular o aperfeiçoamento de políticas públicas integradas com diversos atores nacionais e internacionais, tal como foi feito na COP29, no G20 e na Cúpula da Amazônia; (vi) ampliar captações de recursos concessionais no Brasil e no exterior para o Fundo Amazônia e o Fundo Clima.

O alinhamento das diretrizes do banco com as políticas públicas federais, a expertise do BNDES no apoio de novos ciclos de desenvolvimento há mais de 70 anos e seu envolvimento na construção da matriz energética limpa do Brasil, favorecem a atração de novos investimentos nacionais e internacionais em ações climáticas.  Nesse sentido, o montante de recursos do BNDES destinados às ações de mitigação e adaptação climática podem ter um efeito multiplicador significativo dos investimentos privados nacionais e internacionais.

Em resumo, as condições de efetividade das políticas climáticas pressupõem a criação de uma visão compartilhada de missão pública e de destino comum, as quais só podem germinar e perdurar se todos acreditarem que existem condições reais de realizar a agenda climática. O BNDES, como uma empresa pública do Estado brasileiro, com um horizonte de ações de longo prazo, tem as condições institucionais e a expertise necessária para realizar parte relevante dessa agenda climática.

A mitigação do problema coletivo do aquecimento global corresponde a uma agenda ambiciosa e complexa que demanda uma série de mudanças em múltiplos e diferentes níveis, como de modelos de negócios, de processos produtivos, de hábitos de consumo, de financiamento de novas fontes de energia e de abertura ou ampliação de fontes de financiamento em grande escala.

As mudanças climáticas implicam ainda em novas oportunidade de desenvolvimento econômico e social, mas também trazem sacrifícios, restrições e adaptações que recairão de modo diferente em distintos atores econômicos e sociais. Dificilmente, esses atores apoiarão as políticas climáticas, podendo inclusive se opor ao progresso das mesmas, se essas políticas não forem governadas com justiça e reparações sociais, condições claras de transição dos modelos industriais de uma economia baseada em carbono e garantias e responsabilidades criveis dos financiadores das políticas. Não por outra razão, as políticas climáticas são necessariamente ambiciosas e complexas, porque o problema coletivo que pretendem solucionar afeta nossos fundamentos econômicos e sociais em termos globais.

Assim, a articulação e alocação de esforços parece demandar grandes volumes de investimentos financeiros, a fim de tornar operacionais e efetivos os planos e programas dessas políticas e acelerar a velocidade da nossa transição para uma economia neutra. Portanto, sem uma boa governança climática das instituições financeiras e dos seus mutuários, não parece factível que haja um aumento substancial dos investimentos necessários para a implementação da agenda climática, num ritmo mais intenso.

A governança precisa contribuir para manter o fluxo de recursos financeiros direcionados a execução dos planos e projetos propostos, monitorar se tais recursos estão sendo aplicados tal como programado e, corrigir  o volume e a intensidade de aplicação de recursos conforme a execução da política se dá. Em outras palavras, para políticas públicas mais efetivas é preciso que os recursos financeiros empregados sejam efetivamente monitorados e avaliados.

Para tanto, o BNDES conta com um Sistema de Monitoramento e Avaliação de Efetividade, o qual compreende a análise do apoio financeiro ex-ante, e o monitoramento e a autoavaliação do apoio do BNDES ao longo do ciclo operacional. Esse processo envolve a explicitação dos objetivos do apoio e a definição de indicadores de eficácia e de efetividade. Além disso, são elaborados Relatórios de Autoavaliação, os quais fornecem análises dos indicadores obtidos e busca extrair lições.

Em linhas gerais, com diretrizes claras e críveis e monitoramento e avaliações periódicas, será possível responder se os recursos financeiros estão tendo os impactos desejados na execução das ações propostas, no contexto institucional, territorial e populacional considerado.

Fundo Clima e Fundo Amazônia

Dentro de um leque de políticas públicas efetivas, o BNDES atua, por exemplo, como gestor de dois dos mais relevantes fundos relacionados aos temas “clima” e “florestas”. O Fundo Clima foi criado em 2009 para promover a redução de emissões de gases de efeito estufa e a adaptação  aos efeitos da mudança do clima. Já o Fundo Amazônia, criado em 2008, tem forte atuação no combate ao desmatamento e no estímulo à produção sustentável na Amazônia Legal. Como resultado dessas políticas, no primeiro semestre de 2023 houve uma redução de 45% do desmatamento na floresta amazônica em relação ao mesmo período de 2022. Tal resultado é uma clara demonstração do efeito catalizador de atração de novos recursos financeiros, via gestão do BNDES, com impactos positivos efetivos.

Como visto, pela sua estrutura de governança e pelo seu histórico de atuação, o BNDES tem as condições institucionais e a expersite adequadas para acelerar a implementação da agenda climática.

BNDES como ator relevante

Como dito, a articulação de recursos e esforços para implementar as políticas climáticas exige uma forte coordenação entre todos os atores envolvidos e demanda uma boa governança. De outra forma, esses atores dificilmente aceitarão os sacrifícios, restrições ou mudanças de práticas e comportamentos exigidos por tais políticas.

Por tudo isso, o direcionamento e as metas estabelecidas pela Política Nacional sobre a Mudança do Clima devem ser coordenadas com as ações do BNDES, de modo a gerar e manter as condições propícias para a aceleração das ações mitigadoras e adaptativas, por meio de mais disponibilidade e acesso ao crédito.

O BNDES tem as condições institucionais e a expersite adequadas para acelerar a implementação da agenda climática. Ao longo de sua história o Banco promoveu o desenvolvimento do país por meio de apoio aos diversos setores da economia. Hoje, a agenda climática é fundamental para guiar uma nova trajetória de desenvolvimento sustentável, a fim de viabilizar uma transição justa para uma economia neutra, em todos os setores. Essa nova trajetória demanda políticas públicas efetivas e o BNDES está presente para enfrentar esse desafio, junto com todos aqueles que se preocupam com nosso futuro comum.

Referências bibliográficas

BNDES. Monitoramento e avaliação de efetividade no BNDES. Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2024. 6 p. (Estudos especiais do BNDES; 15).

BRASIL. Relatório da Participação Social no PPA 2024-2027. Plano Plurianual. 2024-2027. Secretaria Geral do Ministério do Planejamento e Orçamento.  https://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/ppa/PPA_2024_2027/proposta/Relatoriodaparticipacaosocial.pdf.

Brasil. Tribunal de Contas da União. Referencial para avaliação de governança em políticas públicas / Tribunal de Contas da União. – Brasília : TCU, 2014. 91 p.

DIAMOND, Larry. Developing Democracy: Toward Consolidation, pp. 1-19. Baltimore: John Hopkins University Press, 1999.

IPCC, 2023: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, pp. 1-34, doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001.

LEJANO, Raul P. Frameworks for policy analysis: merging text and context.  Routledge, 2006.

MARTINS, Humberto Falção e MARINI. Caio, Governança Pública Contemporânea: uma tentativa de dissecação conceitual. Revista do TCU. Brasília, maio/Agosto, 2014.

Relato Integrado. Estrutura Conceitual Internacional para Relato Integrado. Janeiro. 2021. https://relatointegradobrasil.com.br/nova-traducao-do-framework-de-relato-integrado/


[1] O IPCC  é um órgão intergovernamental estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) que vem fornecendo aos formuladores de políticas as avaliações científicas e técnicas mais confiáveis e objetivas do campo.

[2] Instituída pela Lei 12.187, 29 de dezembro de 2009.

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