STF define que a execução pecuniária do dano ambiental também não prescreve

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.194), que a reparação de danos ambientais é imprescritível, mesmo quando a obrigação de restaurar o meio ambiente for convertida em indenização pecuniária. Essa tese foi fixada no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.352.872 e passa a orientar todos os tribunais do país.

Com a decisão, a Corte reafirma o meio ambiente como bem de natureza coletiva, indisponível e protegido de forma permanente. Isso significa que não há mais prazo para cobrança judicial de indenizações decorrentes de danos ambientais, mesmo quando convertidas em valores monetários.

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O caso concreto envolvia um imóvel situado em Área de Preservação Permanente (APP), onde foram realizadas construções irregulares, como muro e aterro. Após a condenação judicial para recuperação da área, a obrigação foi convertida em indenização, diante da alegada incapacidade financeira do réu. Anos depois, ao tentar executar o valor, o juízo de primeira instância reconheceu a prescrição da pretensão, decisão que foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

O Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreram ao STF, defendendo que o caráter indisponível do meio ambiente não se altera com a conversão da obrigação de fazer em pagar. O STF acolheu os argumentos, firmando a tese de que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental, ainda que em forma de indenização pecuniária.”

A fundamentação do Supremo se baseou no artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e na responsabilidade objetiva dos causadores de danos. A Corte também reafirmou a vedação ao retrocesso ambiental e a necessidade de garantir a reparação integral do dano.

Com isso, o STF cria um relevante precedente que afasta qualquer interpretação que limite temporalmente o dever de reparar, mesmo em sede de execução. Trata-se de uma decisão com alto impacto para empresas e órgãos públicos.

Setores como mineração, construção civil, indústria química e agronegócio — com histórico ou risco de impactos ambientais — deverão repensar suas estratégias de prevenção e gestão de passivos. A ausência de prescrição na execução transforma o passivo ambiental em um risco permanente, exigindo mudanças profundas na forma como contratos, seguros e operações de compra e venda são estruturados.

Na prática, contratos empresariais precisarão prever com mais rigor cláusulas de responsabilidade ambiental, inclusive nas relações entre adquirentes e vendedores de ativos e imóveis. Negociações de compra e venda de imóveis ou ativos empresariais localizados em áreas com histórico de impacto ambiental deverão incorporar cláusulas que delimitem claramente as responsabilidades ambientais entre as partes, inclusive para fatos passados.

Cláusulas de indenização (hold harmless) e garantias ambientais (environmental warranties) se tornam ferramentas indispensáveis, permitindo que compradores sejam compensados em caso de responsabilização futura. Além disso, a due diligence ambiental passa a ser uma etapa ainda mais crítica nas transações, exigindo análises técnicas detalhadas, histórico de passivos e acompanhamento de licenças e autuações.

O mercado segurador também será impactado. Com o risco de responsabilização por tempo indeterminado, seguradoras tendem a revisar apólices de seguro ambiental, ajustar prêmios e impor restrições maiores às coberturas. Isso poderá afetar a viabilidade de projetos e operações que dependem dessa segurança jurídica e financeira.

A tendência é que as seguradoras promovam revisões nos critérios de aceitação de risco, especialmente para setores classificados como de alto impacto ambiental, como mineração, energia, petróleo e gás, construção civil e agronegócio. As exigências para emissão de apólices poderão incluir desde auditorias técnicas ambientais obrigatórias, até comprovação de planos de gerenciamento de riscos ambientais (PGRAs) e de conformidade legal ambiental consolidada, o que aumenta o custo operacional para empresas.

Além disso, haverá impacto direto sobre os valores dos prêmios, que deverão ser majorados para compensar o aumento da exposição temporal. Apólices que antes consideravam apenas o prazo de ocorrência e denúncia do dano agora precisarão ser desenhadas sob uma lógica de riscos permanentes, o que pode tornar a contratação de seguros ambientais financeiramente inviável para pequenas e médias empresas.

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Outro reflexo será observado nas cláusulas de exclusão e nos limites de cobertura. As seguradoras tendem a restringir garantias para eventos antigos ou de difícil mensuração, como contaminações históricas do solo, passivos ocultos em áreas anteriormente exploradas e danos difusos que não tenham data precisa de ocorrência. Isso afeta diretamente a segurança jurídica de empreendedores, investidores e financiadores, que frequentemente condicionam a liberação de recursos à existência de cobertura securitária adequada.

Ao retirar qualquer limitação temporal à execução da indenização ambiental, o STF estabelece uma diretriz que reforça a centralidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, alinhada com os princípios do desenvolvimento sustentável e da justiça intergeracional, mas impõe desafios ainda maiores no gerenciamento de riscos ambientais e segurança jurídica -para o setor privado. 

A reparação ambiental deixa de ser um custo que se dissolve com o tempo. Ela passa a ser uma responsabilidade perpétua, exigindo revisão de contratos, reforço no compliance, ajustes nas apólices de seguros e adoção de práticas mais sustentáveis e transparentes.

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