A ordem cronológica de julgamento e a busca pela duração razoável do processo

O direito humano à duração razoável do processo foi reconhecido como direito fundamental em 2004 pelo Brasil por meio da Emenda Constitucional 45, significando um verdadeiro convite ou exigência constitucional à comunidade jurídica, a fim de dar efetividade ao princípio.

Mas a despeito de ser um verdadeiro convite ou exigência constitucional à comunidade jurídica, a fim de dar efetividade ao princípio, nenhum meio legal desde então foi adotado pela comunidade jurídica para que a garantia da duração razoável do processo fosse efetivada no plano legal.

Transcorrido mais de uma década após a EC 45 de 2004, pôde-se dizer então que a comunidade jurídica brasileira atendeu ao convite constitucional quando positivou no Código de Processo Civil de 2015 a regra da ordem cronológica de julgamento para juízes e tribunais. 

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A Comissão de Juristas que assinou a exposição de motivos do código se manifestou a respeito da importância da lei ordinária para a efetivação de princípios constitucionais: é na lei ordinária e em outras normas de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais. 

Mas por que é possível afirmar que a comunidade jurídica finalmente atendeu ao convite constitucional para dar efetividade ao princípio da duração razoável do processo quando estabeleceu a ordem cronológica de julgamento?

Porque a regra do artigo 12 do código além de normatizar que os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão, previu, por meio do § 2º, as hipóteses que estão excluídas da ordem geral de julgamento. 

Isto é, a norma não apenas prevê a simples ordem cronológica de conclusão para o julgamento das demandas, como prevê hipóteses que devem ser excluídas da ordem de conclusão justamente porque não pareceu razoável em determinados casos seguir apenas o critério objetivo, que é a data de conclusão da demanda, para definir a ordem de julgamento. 

Um exemplo: se duas demandas restaram conclusas no mesmo dia, mas a primeira trata de uma questão aparentemente individualizada e complexa para o Judiciário e a segunda trata de uma questão repetitiva, que inclusive já foi decidia pelo Superior Tribunal de Justiça pela sistemática do recurso especial repetitivo, parece razoável que ambas demandas tenham o mesmo tempo de conclusão para o ato de decidir?   

No caso, não, não é razoável seguir apenas o critério objetivo, já que a primeira demanda, em tese, exigirá um trabalho individualizado do magistrado, uma resposta possivelmente inédita, e a segunda, por ser uma demanda repetitiva no âmbito do Poder Judiciário, já tem uma resposta definida e vinculante firmada em sede de recurso especial repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça.

Atendendo a esta lógica que o artigo 12 do Código de Processo Civil estabelece como regra geral da ordem de julgamento o critério meramente objetivo, que é a data de conclusão, mas, por ser um critério insuficiente à luz da razoabilidade, estabelece exceções ao critério cronológico. 

As exceções estão previstas no § 2º do artigo 12 do código:

  1. as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;
  2. o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos;
  3. o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas;
  4. as decisões proferidas com base nos artigos 485 e 932 ;
  5. o julgamento de embargos de declaração;
  6. o julgamento de agravo interno;
  7. as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça;
  8. os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal;
  9. a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. 

Desse modo, as demandas conclusas que não estão previstas nas hipóteses do § 2º do artigo 12 do CPC devem seguir preferencialmente a ordem de julgamento pelo simples critério objetivo, que é a data de conclusão. 

Contudo, seguir a ordem de julgamento de acordo com os critérios do artigo 12 do CPC exige uma especial atenção do magistrado, uma vez que estabelecer a ordem de julgamento apenas de acordo com o critério objetivo, que é a data de conclusão, é algo relativamente simples, já que com alguns cliques o próprio sistema eletrônico de gestão do escaninho do tribunal pode organizar a lista de julgamento. 

O grande desafio para o magistrado, na verdade, é o de seguir a ordem de julgamento considerando as exceções previstas pelo legislador no § 2º do artigo 12, pois, seguindo o exemplo citado, só é possível identificar se o processo será excluído da ordem cronológica geral, que é a data de conclusão, após uma análise sumária da demanda. 

E caso esta análise sumária da demanda não seja feita logo no período inicial da conclusão do processo pelo magistrado (numa espécie de organização prévia do acervo), a efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo restará prejudicada, tendo em vista que as demandas que são exceção à ordem cronológica, assim consideradas pelo próprio legislador, terão ao fim e na prática o mesmo tempo de conclusão das demandas que devem seguir objetivamente a data da conclusão para julgamento. 

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Nessa linha, a inédita previsão do artigo 12 do CPC é sem dúvida um elemento efetivador do direito fundamental à duração razoável do processo, pois, seguindo os critérios da regra legal, o jurisdicionado pode aferir a razoabilidade no tempo de tramitação da sua demanda perante a unidade judiciária.  

Estabelecida a premissa de que a ordem cronológica de julgamento prevista no artigo 12 do código efetiva o princípio da duração razoável do processo, resta analisar como o magistrado pode organizar as demandas conclusas de modo a materializar o direito fundamental.  

A importância de definir um método de trabalho reside no simples fato de que se não houver uma organização prévia das demandas conclusas não será possível conhecer o acervo e consequentemente saber quais pedidos devem seguir o critério objetivo da ordem cronológica (data de conclusão) e quais pedidos, segundo o § 2º do artigo 12, devem ser excetuados da ordem cronológica geral de conclusão. 

Na presente análise, embora o § 2º do artigo 12 preveja muitas hipóteses de exceção à ordem cronológica de conclusão, o destaque do método de organização do acervo se dará em relação aos precedentes vinculantes, que é o meio escolhido pelo legislador para dar efetividade ao princípio da segurança jurídica. 

Tendo em vista o exemplo citado, que considerou uma demanda já com resposta em tema repetitivo e outra demanda ainda sem apreciação de mérito pelo Poder Judiciário, não é lógico e nem razoável que ambas sigam o mesmo tempo conclusão, ainda que conclusas no mesmo dia.   

Mas eis a questão: como o magistrado pode desde logo saber qual demanda já tem uma resposta vinculante, nos termos do artigo 927 do CPC, e qual ainda exige uma análise de mérito mais profunda pelo Poder Judiciário?

O magistrado pode e deve obter esta (valiosa) informação estabelecendo uma triagem prévia das demandas que são distribuídas diariamente a unidade judiciária, numa espécie de análise sumária do pedido e da causa de pedir de cada processo. 

Se diante da análise sumária da demanda o magistrado, atuando como gestor processual,  identificar que o processo envolve uma questão decidida em tema repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, poderá, desde logo, sentenciar (improcedência liminar do pedido), com base no artigo 12, § 2º, inciso I, c/c art. 332, inciso II, do código, ou decidir monocraticamente, caso seja relator, com base no artigo 12, § 2, inciso IV, c/c o 932, inciso IV, alínea B, do código. 

E caso a demanda, diante da análise sumária, não tenha uma resposta vinculante, nos termos do artigo 927 do CPC, de modo a permitir o julgamento desde logo, o magistrado na função de gestor pode conhecer a natureza da demanda para gerenciar o iter processual de acordo com a ordem cronológica de julgamento. 

E tal procedimento, de análise sumária mediante triagem, sob o ponto de vista constitucional, efetiva o princípio da duração razoável do processo, já que a demanda foi no início da conclusão destacada da ordem geral de julgamento, e efetiva, de forma concomitante, o princípio da segurança jurídica, uma vez que o magistrado pode desde logo julgar a demanda e aplicar o entendimento firmado em sede recurso repetitivo, eliminando o risco de decisões conflitantes para os jurisdicionados. 

Não é lógico e nem razoável que duas demandas tenham o mesmo tempo de conclusão quando a primeira já tem uma resposta vinculante do Poder Judiciário, firmada em sede de recurso repetitivo, e a segunda, que é uma questão aparentemente inédita, ainda vai exigir uma análise mais profunda para solução. 

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E isso não é uma conclusão sistêmica ou mesmo acadêmica, o próprio Código de Processo Civil é explícito quando exige isso do magistrado brasileiro. Conhecer o acervo significa dimensionar de forma estratégica o trabalho, saber o que pode ser julgado desde logo ou não frente as hipóteses do artigo 12 do código. 

Estabelecer, portanto, uma triagem prévia com uma análise sumária das demandas não significa um ônus para o magistrado, como aparentemente por representar, mas sim um meio estratégico para dar concretude ao direito humano e fundamental a duração razoável do processo. 

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