Acordo pós-greve deve definir alcance da meta de julgamentos, diz presidente do Carf

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem condições de superar o valor de processos julgados do ano passado e atingir o montante de arrecadação previsto na Lei Orçamentária (LOA), mas ambos os resultados dependem do desfecho da greve dos auditores fiscais. É o que disse o presidente do conselho, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, durante o evento Diálogos Tributários, promovido pelo JOTA na segunda-feira da última semana (24/3).

Para este ano, a meta de valor em processos julgados é de cerca de R$ 500 bilhões, segundo disse Alencar ao JOTA em dezembro, montante inferior ao julgado em 2024, que foi de R$ 800 bilhões. Já a previsão de arrecadação prevista na LOA para 2025 é de R$ 28,6 bilhões, valor abaixo do que foi estimado, mas não alcançado, no ano anterior.

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A greve, no entanto, tem afetado o andamento dos julgamentos e, como consequência, atrasa o avanço sobre os créditos em disputa no órgão e o cumprimento da meta de arrecadação. “Pode impactar em alguma medida, mas depende do acordo que seja feito na saída, para que se faça eventualmente uma medida compensatória”, disse o presidente do tribunal administrativo.

Apesar disso, Higino afirma existir margem para recuperar o montante represado por meio de sessões extras, que devem priorizar os processos de maior valor na retomada dos trabalhos após a paralisação. O cenário é semelhante ao do ano passado, quando o Carf realizou sessões adicionais para compensar o período parado.

O presidente não vê motivo para preocupação apesar de os conselheiros representantes da Fazenda já terem informado, em carta, que não pretendem aumentar a carga de trabalho para recompor as horas não cumpridas. Higino acredita que a compensação deve ocorrer nos meses seguintes, com reforço contínuo das cargas extras. Enquanto isso, de acordo com presidente, o conselho “está conseguindo julgar uma quantidade boa de processos, de crédito não tanto, porque são de menor valor. Então está tendo impacto no valor”.

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Questionado sobre o fato de a arrecadação com as novas regras do voto de qualidade, previstas na Lei do Carf (14689/23), ter ficado abaixo das projeções do governo no ano passado, o presidente explicou que o incentivo para pagamento em 12 meses teve baixa efetividade porque empresas optaram, ao longo do ano, por aderir às transações abertas pela Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Apesar do resultado abaixo do previsto, Alencar avaliou que ainda é cedo para rever a legislação “A gente tem que ter cautela, porque não deu tempo de decantar. O que é decidido por voto de qualidade é 5% dos processos e 20% do crédito tributário. Não acho que seja o caso de mexer em legislação agora, está cedo ainda, o grande desafio é redução de estoque e prazo”, disse.

Alencar também destacou como um dos fatores que impactaram o resultado abaixo do esperado o fato de grande parte das decisões ter ocorrido nas turmas ordinárias, fase que não gera “arrecadação imediata” porque ainda há um degrau recursal, a Câmara Superior. Outro ponto, segundo ele, são os processos com baixo potencial arrecadatório, como fraudes ou empresas sem capacidade de pagamento, que embora possam ter autos de infração elevados, nem sempre resultam em receita efetiva para a União.

Para ele, esse cenário se soma também ao fato de o Carf não conseguir quantificar com precisão o impacto financeiro das decisões nas contas públicas, já que os valores recolhidos entram nos cofres públicos e se misturam à arrecadação geral. Alencar diz que atualmente é possível identificar apenas os temas que foram objeto de julgamento, mas não atribuir diretamente o valor arrecadado a uma decisão específica do conselho. “Às vezes a gente não consegue carimbar um valor arrecadado com uma determinada ação. Quando aquilo entra como imposto, não dá pra carimbar”, disse.

Inteligência artificial

Um dos principais desafios do Carf, segundo Alencar, é reduzir os prazos processuais. A meta é acelerar a tramitação dos processos, especialmente nas turmas ordinárias, onde a duração média ultrapassa três anos. Para isso, ele aposta no uso de inteligência artificial a fim de aumentar a produtividade dos conselheiros.

A IAra, como foi apelidado o novo sistema, está sendo treinada com bases e parâmetros do próprio Carf e, conforme o presidente, não vai sugerir voto para os julgadores, mas funcionará como uma assistente que fornecerá subsídios técnicos para a análise dos casos.

Alencar também destaca que a Portaria Carf 404/25, ao prever pagamento adicional aos conselheiros representantes dos contribuintes nas sessões extraordinárias, contribui para ampliar a capacidade de julgamento do órgão. A norma determina que essas sessões sejam destinadas ao julgamento de processos de menor valor, além de priorizar casos de pessoas com doenças graves, deficiência ou idade avançada, bem como processos que estão há mais de dois anos no acervo do conselho.

Reforma tributária

Para Alencar, a reforma tributária impõe um novo desafio: evitar que a CBS, de competência federal, e o IBS, de estados e municípios, tenham decisões conflitantes. Apesar de ambos os tributos terem a mesma base de cálculo e fato gerador, o presidente do conselho avalia que há risco de interpretações divergentes na esfera administrativa, o que aumentaria a insegurança jurídica para os contribuintes.

“O que a gente vai ter é com relação ao modelo de unificação de decisões do comitê gestor e do Carf. Não vamos ter, por exemplo, uma Câmara Superior no Carf que tenha gente de estado, de municípios e da União para julgar a uniformização de IBS e CBS. Isso é um pequeno ponto que pode ter divergência. Então, a preocupação é ter uma decisão em relação a IBS em um determinado sentido e uma decisão ao CBS em determinado sentido”, disse.

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A regulamentação da reforma tributária prevê dois grupos de harmonização para a jurisprudência administrativa, mas sem a participação de juristas, advogados ou representantes da sociedade civil. Pela Lei Complementar 214/24, a uniformização das normas e a interpretação da legislação relativa ao IBS e à CBS ficará a cargo do Comitê de Harmonização e do Fórum.

O comitê contará com quatro representantes da Receita Federal e quatro representantes do Comitê Gestor do IBS, sendo dois dos estados ou do Distrito Federal e dois dos municípios ou do DF. Já o fórum será composto por quatro representantes da PGFN e quatro representantes das procuradorias, indicados pelo Comitê Gestor do IBS, sendo dois procuradores de Estado ou do DF e dois procuradores de municípios ou do DF. Esse desenho já gera preocupação entre advogados quanto à segurança jurídica. Recentemente, a própria PGFN se manifestou afirmando que considera a composição inconstitucional.

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