A dualidade necessária na modernização do sistema bancário brasileiro

No final de fevereiro de 2024, o Banco Central apresentou dois movimentos regulatórios que, embora distintos em sua natureza, compõem um mesmo esforço de atualização institucional: o envio ao Congresso Nacional do projeto de lei que cria o novo regime de resolução bancária e a abertura da consulta pública sobre a modernização da liquidação extrajudicial de instituições financeiras.

Ambos os marcos compõem uma resposta estrutural à necessidade de atualização do aparato legal e administrativo diante de um sistema financeiro mais complexo, interconectado e sensível a choques sistêmicos.

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O primeiro – o regime de resolução bancária – representa a consolidação de um modelo funcional, preventivo e técnico de gestão de crises bancárias. Ele rompe com a lógica tradicional da falência ao priorizar a continuidade de serviços essenciais e a preservação da estabilidade financeira sobre a liquidação patrimonial.

Ao incorporar instrumentos como o bail-in[1], o banco-ponte[2] e a atuação prévia da autoridade de resolução, o projeto se alinha às melhores práticas internacionais definidas pelo Financial Stability Board e já implementadas em economias maduras como a União Europeia e os Estados Unidos.

Já o segundo movimento, ainda em fase de consulta pública (CP 100/2024), busca aprimorar a liquidação extrajudicial, atualizando procedimentos que até hoje remetem, em muitos aspectos, ao modelo da Lei 6.024/74. Aqui, o foco é outro: trata-se de encerrar as atividades de forma ordenada, célere e eficiente, com maior governança, digitalização e segurança jurídica. Não se pretende evitar o colapso, mas garantir que, uma vez instalado, o processo seja menos traumático, menos burocrático e mais racional.

Ao olharmos para os dois projetos lado a lado, observamos uma dualidade estratégica: o regime de resolução atua na contenção do colapso; a nova liquidação extrajudicial atua no seu encerramento ordenado. Essa distinção, embora sutil, é conceitualmente poderosa. Ela rompe com o modelo único e reativo que prevaleceu no Brasil nas últimas décadas e inaugura uma abordagem mais sofisticada, calibrando a resposta institucional ao grau de risco e impacto sistêmico.

Como propus em artigo publicado anteriormente[3], a lógica da resolução bancária poderia inspirar um novo direito falimentar brasileiro, mais funcional e menos processualista. O que se observa agora é um amadurecimento dessa visão: a criação de uma arquitetura de crise bancária mais complexa, em que a autoridade pública possa não apenas extinguir instituições insolventes, mas preservar serviços, limitar contágios e proteger o interesse coletivo com proporcionalidade.

Se implementados com técnica, legitimidade e independência, os dois projetos não apenas modernizarão o aparato institucional do setor financeiro, como também poderão servir de modelo para outros campos do Direito, inclusive o falimentar, hoje ainda demasiadamente atrelado à lógica punitiva do passado. A estabilidade do sistema financeiro moderno exige mais do que leis robustas: exige respostas rápidas, inteligentes e calibradas à altura dos riscos que enfrentamos.


[1] Bail-in é o mecanismo pelo qual os próprios credores e acionistas de uma instituição em crise absorvem as perdas, convertendo suas dívidas ou participações em capital, antes de qualquer uso de recursos públicos. Trata-se de instrumento previsto pelas diretrizes do Financial Stability Board e considerado essencial para preservar o equilíbrio do sistema e a responsabilidade privada.

[2] Banco-ponte (bridge bank) é uma entidade temporária criada pela autoridade de resolução para assumir, de forma imediata, as operações essenciais de uma instituição financeira em colapso, assegurando a continuidade dos serviços enquanto se organiza uma solução definitiva, como a venda parcial ou reorganização da instituição original.

[3] Felipe Herden Lima. Resolução bancária: o que o direito falimentar pode aprender com o direito financeiro. Publicado em abril de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-10/felipe-herden-lima-resolucao-bancaria-direito-falimentar-financeiro

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