Tributação de faltas abonadas e (não) uniformidade da jurisprudência

A inexigibilidade das contribuições previdenciárias incidentes sobre verbas trabalhistas indenizatórias é uma discussão constantemente encaminhada pelos contribuintes para deslinde no Poder Judiciário. Dentre as verbas cuja tributação é questionada pelas empresas estão as faltas abonadas/justificadas.

Durante a vigência do contrato de trabalho, não é incomum que ocorram alguns afastamentos do empregado da atividade profissional. A depender do motivo, estas faltas ao trabalho são remuneradas normalmente pelo empregador, ainda que não haja prestação de serviço.

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O artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) indica em seus incisos diversas hipóteses em que o empregado pode deixar de comparecer ao serviço sem que haja qualquer prejuízo de seu salário. Dentre estas hipóteses estão o luto, o casamento, afastamento por motivo de doença inferior a 15 dias e o cumprimento das obrigações cívicas para com o serviço militar.

Na mesma linha estão os artigos 396 e 822 da CLT, bem como demais normas da legislação previdenciária, tais como a Lei 9.504/97 e o Decreto 10.854/2021. Estes dispositivos determinam outras situações em que a ausência do trabalhador ao serviço é devidamente justificada, sem constrição salarial, a exemplo de eleições, descanso semanal remunerado e feriados civis e religiosos.

À vista disso, a própria legislação trabalhista e previdenciária estipula que, durante estes períodos específicos, a prestação de serviços é completamente vedada. Isto pois há nítida incompatibilidade da atividade laboral com a situação que ensejou o afastamento. Por exemplo, seria ilógico exigir que um trabalhador convocado para o serviço militar fosse obrigado a comparecer também ao trabalho.

Vale fazer uma distinção conceitual entre o salário-de-contribuição e o mero salário. O salário (percebido pelos trabalhadores durante os afastamentos remunerados) nada mais é que a remuneração lato sensu, uma noção específica do Direito Trabalhista.

Por outro lado, ao delimitar a base de cálculo das contribuições previdenciárias, o legislador e a jurisprudência adotaram o conceito tributário de salário-de-contribuição, decorrente da folha de salários, que se refere aos pagamentos que atendam cumulativamente aos seguintes requisitos: ser concedido habitualmente ao empregado, decorrer do trabalho prestado e ser passível de incorporação nos proventos da aposentadoria. Neste sentido, o pagamento de salário não implica obrigatoriamente no recolhimento previdenciário, porquanto necessário analisar a moldura do salário-de-contribuição.

Assim, considerando que somente ganhos habituais em retribuição ao trabalho devem incorporar o salário-de-contribuição, é defensável que os valores pagos em virtude das faltas abonadas (enquanto ausências permitidas ao trabalho) não correspondem à contraprestação de serviço contratado, conforme artigo 195, inciso I, e 201, parágrafo 1º, da Constituição Federal e o racional dos Temas 20 e 163 da Repercussão Geral. Além disso, durante essas ausências o empregado não fica à disposição do empregador. Portanto, ausente a contraprestação de serviço contratado, as faltas abonadas não devem integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Ainda que seja nítido que a remuneração pago nas faltas abonadas careça de contraprestatividade, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que, por conta da natureza salarial da verba trabalhista[1], tais pagamentos devem constituir a base de cálculo das contribuições previdenciárias. O racional adotado nos acórdãos recentes se limita a asseverar que é posição pacífica do tribunal que a “importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio-doença não pode ser ampliada para os casos em que há afastamento, esporádico, em razão de falta abonada”[2].

Isto é, o STJ reiteradamente determina a incidência das contribuições previdenciárias sobre as faltas abonadas com base em uma abordagem que reduz esta verba às hipóteses em que o empregado se ausenta do trabalho em razão de doença. Ocorre que, conforme já adiantado, há diversas outras situações em que a própria legislação determina o afastamento do empregado sem prejuízo de sua remuneração – as quais parecem não estar sendo analisadas pelo tribunal.

Mais que isso, há uma aparente ausência de uniformidade na jurisprudência do STJ, o que traz importantes repercussões para a segurança jurídica dos jurisdicionados e para a estabilidade do sistema de precedentes inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015. Quando do julgamento do Tema Repetitivo 478, a 1ª Seção do STJ entendeu que não deveriam incidir as contribuições previdenciárias sobre o salário pago nos quinze dias que antecedem o benefício auxílio-doença por se tratar de um pagamento que ocorre durante a interrupção do contrato de trabalho, na qual nenhum serviço é prestado pelo empregado.

Todavia, ao julgar a tributação das faltas abonadas, o tribunal controversamente adota um outro entendimento que afasta a interrupção do contrato de trabalho como critério de inexigibilidade tributária. Note-se, neste sentido, que as faltas abonadas também são espécies de interrupção de contrato empregatício. Tanto o é assim que o artigo 473 da CLT está previsto em seu Capítulo IV – “Da suspensão e da interrupção”.

Em assim sendo, as faltas abonadas não poderiam se enquadrar na hipótese de incidência destas exações, que exigem verba de natureza contraprestacional, porquanto remuneradas durante período de interrupção contratual. Negar vigência a esta argumentação tão somente para algumas verbas, de maneira injustificada, representa uma grave violação aos precedentes vinculantes outrora firmados pela corte.

A contrario sensu, o STJ recentemente julgou o Tema Repetitivo 1.290 para determinar a incidência das contribuições previdenciárias sobre a remuneração das empregadas gestantes afastadas pela Lei 14.151/2021 durante a pandemia do novo coronavírus.

O racional traçado pelo ministro relator foi no sentido de que, mesmo durante o afastamento, a trabalhadora ficaria à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de trabalho remoto. Isto é, tal afastamento não importa interrupção do contrato do trabalho – ou, nos termos do acórdão, “revela-se evidente o objetivo do legislador de manter em curso a execução do contrato de trabalho”. Por este motivo, o pagamento integra o conceito de salário-de-contribuição.

Dessa forma, se o entendimento do STJ é no sentido de que o fato de o empregado estar à disposição do empregador enseja a obrigação tributária sobre a remuneração correspondente, então as faltas abonadas não deveriam ser submetidas às contribuições previdenciárias, haja vista que a CLT expressamente veda a prestação de serviços nestas ocasiões, nas quais o trabalhador não estará disponível para o trabalho.

Ante o histórico de decisões do STJ em matéria de tributação previdenciária, extrai-se que a atual jurisprudência firmada no sentido de obrigar o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre faltas abonadas contraria o racional adotado pelo tribunal em outros julgamentos análogos.

Para que o sistema de precedentes possa efetivamente vigorar, alcançando a relevância e estabilidade vista nos países de tradição do common law, os Tribunais Superiores devem firmar entendimentos sólidos e ser coerentes com a função descritiva de sentido que reveste a atividade jurisdicional, sob pena de causar (ainda) mais insegurança jurídica.


[1] AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2169300 (e-Doc 41970508) | 2022/0216643-4, Órgão: STJ – Acórdãos. Relator: PAULO SERGIO DOMINGUES.  Julgado em 10/06/2024, Publicado em 14/06/2024; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2162430 (e-Doc 38800467) | 2022/0203751-1, Órgão: STJ – Acórdãos. Relator: PAULO SERGIO DOMINGUES.  Julgado em 16/10/2023, Publicado em 17/10/2023; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1616768 (e-Doc 32392275) | 2019/0335743-6, Órgão: STJ – Acórdãos. Relator: MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT.  Julgado em 09/05/2022, Publicado em 10/05/2022; AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1724960 (e-Doc 29447803) | 2020/0165441-6, Órgão: STJ – Acórdãos. Relator: HERMAN BENJAMIN.  Julgado em 31/05/2021, Publicado em 30/06/2021.

[2] EDcl no REsp 1.444.203/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 26.8.2014

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