Quando comemorar é realizar

O mês de março nos convida a comemorar duas importantes datas: os dias da Advocacia Pública (7/3) e, logo em seguida, o da Mulher (8/3). Os leitores me perdoarão, mas impossível fugir desses dois temas ao escrever em uma coluna que busca dar voz às advogadas públicas. Poderia ser considerada óbvia a escolha, mas espero, ao final do texto, convencê-los da ainda necessidade de sobre eles falar.

Instituir datas comemorativas traz algo mais do que apenas celebrar, enviar e receber felicitações, inclusive, na tradução mais moderna disto, realizar postagens em redes sociais. Significa muito mais uma oportunidade de direcionar a atenção coletiva ao objeto da comemoração, permitindo reflexões, consolidação de memórias e ações afirmativas, capazes de iniciar ou continuar projetos.

Edição especial da newsletter Por dentro da Máquina traz um balanço completo de 2024 e a agenda de 2025 no serviço público

A mulher e sua posição como indivíduo e na sociedade volta ao centro do palco neste terceiro mês do ano. Apesar de muito distante no tempo, aquele 8 de março de 1857 continua a se repetir quando, embora não queimadas em seu local de trabalho, as mulheres continuam a sofrer discriminação profissional, sendo preteridas em disputas a vagas de emprego, a ascensão a cargos hierarquicamente superiores, a percepção remuneratória  igual aos homens, mesmo com igual ou superior qualificação. Metaforicamente, um incêndio constante.

Segundo a publicação “Estatísticas de Gênero – Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil”[1] do IBGE, a participação das mulheres em atividades produtivas e com acesso a recursos financeiros é de 56,6% com crianças e 66,22% sem crianças, contra 89,0% e 82,8% dos homens, respectivamente. As áreas de concentração da participação feminina são a educação (69,4%) e saúde humana e serviços sociais (70%). As mulheres ainda recebem uma média de 78,9% da remuneração paga aos homens; e apenas 38,3% ocupam cargos gerenciais.

Ao lado destes dados, precisa-se atentar para outros relacionados que ajudam a os explicar. O nível de escolaridade assusta: 21,3% apenas possuem o superior completo e 44,8% não chegam ao ensino médio completo.

6% da população feminina acima de 18 anos sofreu violência física, psicológica ou emocional, sabendo-se que a forma de violência mais grave foi praticada por um parceiro íntimo.

Apesar deste quadro, as mulheres respondem hoje pelo percentual de 49,1% pela manutenção familiar.[2]

Os poucos dados aqui citados já denunciam que a baixa escolaridade, em um cenário no qual a mulher vive em submissão e com “papéis femininos” definidos e não por coincidência, em áreas de cuidado ao outro (até no campo profissional-educação, serviço social e saúde); sofrendo todos os tipos de violência, inclusive em seu próprio lar; e com a imposição de assumir a manutenção da família, são causas diretas para a desigualdade no mercado de trabalho hoje ainda existente.

Ousa-se escrever aqui outra obviedade: não se espere a revolução social feminina espontânea, pela mera mudança histórico-cultural de uma sociedade. A existência de políticas públicas voltadas às mulheres mostra-se imprescindível para a transformação dessa realidade e o alcance da igualdade de gênero até em menor tempo.

Apenas por meio de ações efetivas de governo, com objetivos claros, planejamento e direcionamento de recursos é que se logrará atender às necessidades coletivas de gênero, dentre as quais também se encontra a de inserção positiva no mercado de trabalho.

Política pública importante, no particular, é a que fomente a iniciativa econômica feminina, o empreendedorismo. Políticas educacionais, de saúde e de segurança pública são transformadoras, sim, mas não suficientes para uma mudança mais rápida de realidade. A independência financeira permite à mulher não apenas manter com dignidade sua família, mas também acessar um melhor nível educacional e até escapar à violência de gênero em sua própria residência.

Em abril de 2024, o governo federal, por meio do Decreto 11.994, lançou a Estratégia Nacional de Empreendedorismo Feminino – Estratégia Elas Empreendem, com foco nas mulheres inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), permitindo acesso a crédito e educação financeira e gerencial.

Na Bahia, a Secretaria de Políticas para as Mulheres lançou o Edital Elas que Produzem, voltado à realização de feiras e eventos temáticos de pequeno, médio e grande porte para incentivar o empreendedorismo e garantir acesso de mulheres à renda, em medida de inclusão socioprodutiva.

E aqui inicia-se a costura com a advocacia pública: a concretização de políticas públicas perpassa pela modelagem jurídica adequada a seu êxito. Se a Administração Pública é exercício efetivo da legalidade, uma vez que o Poder Executivo é o braço gestor do Estado democrático de Direito e volta-se ao atendimento dos reclames dessa sociedade politicamente organizada, compete ao advogado público mostrar qual o correto caminho a seguir.

Em outras palavras, as políticas públicas de um governo eleito democraticamente ganham corpo a partir da elaboração das normas que as delineiam e das parcerias firmadas entre Administração Pública e sociedade, mercado ou terceiro setor, para a oferta dos serviços públicos à população.

O advogado público participa, assim, desde o início da definição da política pública. O exercício de suas funções de assessoramento e de defesa volta-se para indicar o como fazer. O advogado público não é um terceiro ao lado da Administração Pública, mas sim parte dela integrante.

A exemplo, a elaboração das políticas do Elas Empreendem e do Elas que Produzem dantes citadas contou com a participação da advocacia pública. Aqui na Bahia, produzimos os editais, orientando a SPM sobre como selecionar as organizações sociais que realizariam as feiras e eventos para dar às mulheres empreendedoras a visibilidade de seus negócios e criar mercados para sua produção.

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O advogado público, por certo, detém a possibilidade ímpar de colaborar diretamente com o desenvolvimento social, e com essa luta pela igualdade de gênero. E não apenas pelo seu exercício funcional como exemplificado.

O Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal mantém o Fórum Permanente de Equidade e Diversidade e as Procuradorias Gerais, as próprias Comissões de Equidade e Diversidade, voltadas à medidas internas de promoção da igualdade.

Por isso, neste março, a PGE-BA, dentre outras ações, aproveitou para comemorar a advocacia pública e a mulher realizando a I Feira de Empreendedorismo Feminino e contribuindo para o fortalecimento dessa tão importante política pública.

A repercussão do evento mostrou estarmos em um bom caminho. Que elas empreendam e produzam, fortalecendo-se como cidadãs! Que a advocacia pública permaneça com o olhar atento para viabilizar a construção de políticas tão necessárias e transformadoras!


[1] Publicação disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2102066, acessada em 19 mar. 2025.

[2] In https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202410/censo-2022-em-12-anos-proporcao-de-mulh eres-responsaveis-por-domicilios-avanca-e-se-equipara-a-de-homens. Acesso em 19 mar. 2025.

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