Tragédia das Marianas: reflexões sobre ESG, sustentabilidade e impactos de gênero

O rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais no ano de 2015, foi um desastre ambiental sem precedentes no Brasil. Milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração devastaram comunidades inteiras, afetando vidas, ecossistemas e modos de subsistência de forma desigual. As mulheres foram impactadas de maneira ainda mais severa, o que justifica a escolha da expressão “tragédia das Marianas”.

Em 2025, esse caso emblemático completa dez anos e continua trazendo reflexões essenciais sobre sustentabilidade corporativa e ESG com perspectiva de gênero. O caso evidencia a necessidade de políticas empresariais mais robustas e inclusivas para as mulheres, além de uma gestão de riscos socioambientais mais eficaz.

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O impacto acentuado da ruptura de Fundão sobre as mulheres

Estudos realizados pela Fundação Getulio Vargas apontam que o desastre de Mariana comprometeu diretamente as relações econômicas, sociais e de saúde das mulheres que vivem nas comunidades atingidas. Dentre os efeitos negativos, a pesquisa destaca três eixos principais:

  1. Relações econômicas e condição social: perda de autonomia financeira, agravada pela falta de reconhecimento de suas atividades produtivas na reparação dos danos; sobrecarga doméstica – especialmente em relação ao cuidado com crianças e idosos, e respectivo impacto na saúde mental e física; dificuldade de acesso à alimentação de qualidade devido à contaminação do solo e da água.
  2. Relações sociais, violência e saúde: aumento dos conflitos familiares e da violência doméstica contra as mulheres; agravamento de doenças físicas e psicológicas, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático; exposição a substâncias tóxicas, que afetam especialmente os corpos femininos.
  3. Educação, futuro e resistência: interrupção de projetos de vida e dificuldades na continuidade da formação educacional, assim como na necessidade de reorganização comunitária para reivindicar direitos.

Uma pesquisa conduzida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) destaca a negação de direitos trabalhistas das mulheres afetadas por parte das empresas. Porque a perda das ocupações econômicas no âmbito rural não foi reconhecida, mulheres tiveram negado o direito de receber o cartão de auxílio financeiro. Em alguns casos, a compensação foi concedida ao homem destacado pelas empresas como o “chefe da família”, fazendo com que as afetadas passassem a ser dependentes de seus maridos.

Ademais, os corpos femininos são os que mais denunciam os impactos da lama tóxica. Altos índices de abortos, aumento de cânceres femininos e efeitos transgeracionais são alguns dos danos biológicos observados. Portanto, o rompimento também impactou negativamente os territórios-corpos das mulheres atingidas.

Sob a ótica do ESG, fica evidente que as empresas precisam incorporar recortes sociais com perspectiva de gênero em suas estratégias de sustentabilidade. Ignorar esses aspectos aumenta riscos operacionais, regulatórios e reputacionais.

A perspectiva de gênero no ESG como estratégia de negócios

O desastre de Fundão revela a importância de uma governança ESG forte e bem estruturada, em contrapartida, o cenário global é de questionamento. Com o novo governo Trump, além da saída dos EUA do Acordo de Paris, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) emitiu diretrizes que limitam critérios ESG em decisões de investimento e flertam com o greenhushing ao exigir neutralidade nas decisões de investimento, proibindo os gestores de impor critérios relacionados à diversidade de gênero.

A mudança contrasta com casos como o de Mariana, e com a crescente preocupação de investidores e consumidores com práticas empresariais responsáveis. Dadas as evidências científicas e cotidianas decorrentes das mudanças climáticas, investidores e consumidores seguem preocupados com a escassez de recursos, com a gestão de cadeias de fornecimento e com as desigualdades de gênero, considerando a sustentabilidade em seus processos de tomada de decisão, dispostos a pagar mais por produtos e serviços sustentáveis.

Afinal, a agenda ESG não é sinônimo e nem deve se vincular a convicção política, trata-se de ferramenta capaz de aumentar a receita, proporcionar solidez financeira e reduzir o impacto socioambiental das empresas. Note, ainda, que não se trata de favorecer as mulheres, mas de corrigir uma assimetria histórica.

A equidade e a diversidade de gênero, sobretudo em cargos de liderança, favorecem a sensibilização, inovação, criatividade e produtividade ao agregar pontos de vista diferentes. Nessa toada, o papel das mulheres no ESG deve ser visto como um fator estratégico para empresas que desejam se posicionar como líderes em sustentabilidade.

Uma pesquisa publicada em 2021 indica que 72% das empresas brasileiras com alto desempenho ESG possuem uma ou mais mulheres atuando no conselho de administração, e que 52% delas possuem uma ou mais mulheres na diretoria. Inquestionavelmente, a presença de mulheres em cargos de liderança se relaciona com o bom desempenho ESG das empresas, já que a presença feminina no comitê executivo em qualquer número acima de um está associada a um melhor desempenho socioambiental.

Em 2022, a PepsiCo instituiu o programa “Mulheres com Propósito” com o objetivo de apoiar o desenvolvimento e a prosperidade econômica de 12 mil mulheres na América Latina. Pouco tempo depois, anunciou os seguintes resultados de curto prazo: (i) 90% das mulheres certificadas que possuíam  seu próprio negócio registraram um aumento mensal em suas vendas entre 11 e 30% (entre 220 e 600 dólares); (ii) 92% das participantes expandiram sua rede de networking; (iii) 90% das participantes alcançaram maior independência econômica; (iv) a repercussão socioeconômica em famílias e comunidades com o beneficiamento indireto de mais de 28 mil pessoas.

O caso de Fundão demonstrou como a ausência de uma governança socioambiental eficaz pode gerar consequências severas para as comunidades e empresas envolvidas, incluindo perda de valor de mercado, ações judiciais, danos reputacionais e econômicos duradouros. O desastre reforça a importância de uma abordagem ESG que considere o impacto de suas operações sobre as mulheres.

Conclusão

Para que as empresas promovam a equidade de gênero de forma estruturada dentro de suas políticas ESG, é fundamental que adotem abordagens que garantam inclusão, transparência e impacto social positivo. A seguir, algumas diretrizes:

  • Avaliação de Impacto de Gênero: analisar como políticas e práticas empresariais afetam homens e mulheres, identificando desigualdades e promovendo ajustes para garantir equidade;
  • Transversalização de gênero: integrar a perspectiva de gênero em todas as etapas de desenvolvimento e implementação de políticas, assegurando que a questão seja considerada nas decisões corporativas;
  • Recrutamento e liderança feminina: adotar práticas de contratação inclusivas e garantir a presença de mulheres em cargos de liderança, incluindo diretorias e conselhos administrativos, fomentando diversidade nos processos decisórios;
  • Governança participativa: envolver mulheres das comunidades impactadas por operações empresariais, especialmente em setores de alto impacto socioambiental, como mineração e infraestrutura. O objetivo é garantir transparência e soluções eficazes desenvolvidas com especialistas;
  • Programas de desenvolvimento e mentoria: criar iniciativas que incentivem a progressão de carreira feminina dentro da empresa, ampliando oportunidades de crescimento e fortalecimento da liderança;
  • Flexibilidade no ambiente de trabalho: implementar políticas que favoreçam o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, como horários flexíveis e trabalho remoto, beneficiando especialmente mulheres que acumulam múltiplas responsabilidades;
  • Mapeamento e prevenção de impactos socioambientais: monitorar e mitigar impactos que afetam grupos vulneráveis de mulheres, prevenindo desigualdades socioambientais agravadas por operações empresariais;
  • Protocolos de resposta a crises socioambientais: desenvolver planos específicos para lidar com crises desse tipo, assegurando reparações justas e medidas para evitar o aprofundamento das desigualdades de gênero em momentos críticos.

A integração de perspectivas de gênero é uma das formas de fortalecer compromissos ESG, promovendo uma atuação empresarial mais responsável, sustentável e lucrativa. As empresas que se voltarem para essa oportunidade de transformação estruturando políticas eficazes de governança socioambiental, estarão mais preparadas para enfrentar desafios futuros, minimizar riscos e construir negócios resilientes e sustentáveis, alcançando uma vantagem competitiva significativa.

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