IA no Direito: três conceitos essenciais para juristas

Nos últimos anos, o uso de inteligência artificial tem crescido de forma exponencial, e o direito também tem sido impactado por esse processo, como se pode notar pelas diversas iniciativas envolvendo o uso de IA no contexto jurídico que vêm se espalhando por todos os cantos do país.

Frente a esse cenário passa a ser necessário que os juristas sejam capazes de lidar com esse novo mundo não de uma forma passiva mas sim compreendendo os conceitos fundamentais dos modelos de IA e participando das discussões que envolvam o desenvolvimento, implementação e uso dessa ferramenta.

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Diante dessa necessidade e, cientes de que o conhecimento acerca desse ramo ainda é pouco usual para os juristas, o presente texto busca apresentar três conceitos básicos, porém essenciais, que ajudem a fornecer uma visão geral sobre a IA e a desmistificar muito do que se fala sobre o tema, de forma parecida com o que já fora feito em outros textos.[1][2]

Sem mais delongas, comecemos:

1) IA é um campo vasto e multidisciplinar

É comum que profissionais do Direito vejam a IA como uma área específica e homogênea e, em decorrência dessa percepção, passem a se referir sobre o tema de forma una como se, no fim do dia, ao falar sobre “IA” estivéssemos nos referindo exclusivamente a uma única coisa, que não tivesse nuances e complexidades.

O termo “IA” abrange um vasto conjunto de subáreas, com objetos de estudo drasticamente diferentes um do outro, cada um deles com suas próprias regras e particularidades, assim como também ocorre no direito.

Nesse sentido, tratar todo o ramo de estudos em IA como se fosse uma única coisa é uma prática tão errada quanto seria tratar o Direito como se fosse uma área sem nuances onde, por exemplo, não existiriam diferenças entre o Direito Civil e o Direito Penal.

Essa percepção leva a uma série de simplificações acerca desse objeto de estudo que trazem grandes prejuízos e, mais ainda, afasta os juristas dos profissionais especializados na área, isolando ainda mais o operador do direito.

2) IA, na maioria dos casos, nada mais é do que um ‘simples’ modelo estatístico

Uma compreensão fundamental para juristas que estão se aproximando da inteligência artificial é perceber que a IA, em essência, não se trata de uma “inteligência” no sentido que usamos em conversas informais.

Grande parte da IA utilizada no Direito hoje nada mais é do que uma série de modelos estatísticos capazes de reconhecer padrões em grandes volumes de dados e realizar previsões baseadas neles.

Para entender como isso funciona na prática, é importante visualizar que o processo de criação de um modelo de IA é marcado pelo seu “treinamento” com dados históricos. No caso do Direito, por exemplo, um modelo de IA pode ser alimentado com milhares de decisões judiciais, petições, pareceres e documentos legais.

Com essa base de dados, ele aprende a identificar padrões como a linguagem utilizada em sentenças, os tipos de argumentos aceitos em diferentes contextos e, eventualmente, pode prever resultados futuros com base em dados similares.

Isso é o que costuma ser referido como “aprendizado supervisionado”: o sistema aprende com dados conhecidos para aplicar esse conhecimento a novos casos.[3][4]

Compreender essa dinâmica, permite que o jurista passe a ser capaz de entender os limites e potencialidades dessa tecnologia, bem como explorar novas formas de lidar com ela.

3) Modelos de IA e aplicações baseadas em IA são coisas distintas

Outro equívoco cometido pelos juristas se trata da confusão conceitual entre o que é um modelo de IA e o que é uma aplicação que se usa de IA para oferecer alguma utilidade.

Para esclarecer essa questão, é necessário entender que uma aplicação de IA é a interface ou sistema que um usuário acessa e utiliza, enquanto o modelo de IA é o “motor” por trás dessa aplicação – o algoritmo treinado que realmente processa os dados e gera as respostas.

Por exemplo, o ChatGPT é uma aplicação que se comunica com os usuários de forma conversacional. No entanto, o que realmente alimenta essa interface é um modelo de IA chamado GPT, que foi treinado com um vasto volume de textos para gerar respostas textuais em linguagem natural. A aplicação é o que vemos e usamos, mas o modelo é o que realmente realiza as tarefas complexas por trás das cenas[5].

Compreender essas distinções é especialmente importante para os gestores jurídicos que, por vezes, terão que tomar a escolha pela compra de uma aplicação “X” ou “Y” que pode levar a diferenças de gastos de milhões de reais e que, sem essa perspectiva, podem ser levados a tomar decisões muito ruins baseadas em aspectos errôneos.

Conclusão

Este texto buscou esclarecer algumas dúvidas recorrentes sobre inteligência artificial. Necessário, porém, ressaltar que este conhecimento básico representa apenas o primeiro passo na jornada de integração dessa tecnologia no campo jurídico.

Para que os profissionais do Direito possam efetivamente aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios impostos pela IA, é fundamental um entendimento mais profundo sobre questões que extrapolem discussões superficiais sobre transparência, qualidade dos dados e governança e efetivamente avancem em direção a conteúdos técnicos que envolvam a própria forma como modelos de IA são criados.

Espera-se que, com uma base sólida e a continuidade do aprendizado, os juristas possam se preparar de forma adequada para navegar neste novo cenário tecnológico, contribuindo para um ambiente jurídico mais inovador e eficiente.


CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Resolução nº 332, de 21 de agosto de 2020. Dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de inteligência artificial no Poder Judiciário. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429.

Open AI. GPT-4 Technical Report. 2023. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2303.08774. Acesso em: 23 out. 2024

LUDERMIR, Teresa Bernarda. Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina: estado atual e tendências. Estudos Avançados, [S.L.], v. 35, n. 101, p. 85-94, abr. 2021. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2021.35101.007.

ROCHA, Igor Moraes. Web crawlers, web scrapers e a sua importância para o Direito. Consultor Jurídico, São Paulo, 18 set. 2022. p. 1–1.

ROCHA, Igor Moraes. Quem tem medo do robô mau?: protocolos ‘robot.txt’ e a justiça digital. Consultor Jurídico, São Paulo, 01 jan. 2023. p. 1–1.

[1] ROCHA, Igor Moraes. Web crawlers, web scrapers e a sua importância para o Direito. Consultor Jurídico, São Paulo, 18 set. 2022. p. 1–1.

[2] ROCHA, Igor Moraes. Quem tem medo do robô mau?: protocolos ‘robot.txt’ e a justiça digital. Consultor Jurídico, São Paulo, 01 jan. 2023. p. 1–1.

[3] Importante ressaltar que essa não é a única abordagem de aprendizado de máquina possível, existindo uma infinidade de outras como, por exemplo, o aprendizado não supervisionado e o fracamente supervisionado.

[4] LUDERMIR, Teresa Bernarda. Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina: estado atual e tendências. Estudos Avançados, [S.L.], v. 35, n. 101, p. 85-94, abr. 2021. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2021.35101.007.

[5] Assim como em um carro, onde o motor é o que realmente movimenta o veículo, mas o que o motorista vê e utiliza é o painel de controle e o volante, na IA, o modelo é o motor que realiza o trabalho complexo, enquanto a aplicação é a interface acessível para o usuário.

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