Política social e bem-estar: lições da Finlândia para o Brasil

O Relatório Mundial da Felicidade de 2024 revela que a igualdade social exerce um impacto mais significativo na felicidade dos cidadãos do que o mero crescimento econômico ou a riqueza do país.

A pesquisa tem como base avaliações de vida e emoções colhidas ao longo de três anos e destaca que a satisfação com a vida está mais profundamente enraizada em fatores como liberdade de escolha, suporte social (atendimento das necessidades básicas, como segurança, educação e saúde) e percepção de corrupção. Os países do topo do ranking, como Finlândia, Dinamarca e Islândia, destacam-se por terem políticas sociais robustas que priorizam o bem-estar e a equidade.

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Este resultado sublinha a importância de políticas públicas focadas na promoção de igualdade e no fortalecimento de estruturas sociais. Investimentos estratégicos em setores essenciais podem proporcionar melhorias significativas na qualidade de vida da população.

O país nórdico frequentemente é mencionado como um modelo de política pública que visa o bem-estar da população de maneira abrangente e integrada. A Finlândia não possui apenas excelente desempenho em termos de educação e equidade social, mas também é referência em qualidade de vida e igualdade econômica.

Um dos pontos mais notáveis do sistema finlandês é o investimento maciço em educação de qualidade e acessível. O país oferece educação gratuita desde o ensino básico até o superior, com exceção à pré-escola, garantindo que todos os cidadãos tenham oportunidade igual de desenvolvimento intelectual. Além disso, programas de bolsas para estudantes buscam desincentivar a necessidade de trabalho em detrimento dos estudos, promovendo assim um foco na aprendizagem.

A Biblioteca Oodi em Helsinque, uma obra pública com arquitetura espetacular, não apenas empresta livros. Sua localização em frente ao Eduskuntatalo, onde funciona o parlamento finlandês, foi escolhida para simbolizar a relação entre o governo e a população, além de servir também como um lembrete de promoção da aprendizagem ao longo da vida, a cidadania ativa, a democracia e a liberdade de expressão.

O espaço, composto por arquitetura moderna e recursos tecnológicos de ponta, oferece um ambiente que incentiva o aprendizado, criatividade e conexão comunitária. Este tipo de investimento público não apenas educa, mas também enriquece a cultura e bem-estar social.

O sistema de saúde gratuito na Finlândia é um exemplo de como investimentos direcionados a serviços básicos podem fomentar um ambiente saudável para o desenvolvimento geral da sociedade. Frequentemente citado por ser acessível, universal, eficiente e equânime, o sistema financiado principalmente por impostos, tanto nacionais quanto municipais, garante que todos os cidadãos e residentes permanentes tenham acesso gratuito ou altamente subsidiado a uma vasta gama de serviços de saúde.

Essa abordagem universalista assegura que não haja barreiras financeiras significativas para receber cuidados médicos essenciais, promovendo uma igualdade substancial no tratamento entre diferentes grupos socioeconômicos.

O modelo de saúde finlandês se caracteriza por uma ênfase em cuidados preventivos e primários, que atuam como a espinha dorsal do sistema. A atenção primária é o ponto de partida para a maioria dos pacientes, sendo gerenciada principalmente por centros de saúde comunitários (Health Centers). Esses centros oferecem desde consultas médicas gerais e especializadas até cuidados odontológicos e serviços de saúde mental.

Além disso, o sistema valoriza a saúde pública por meio de programas de vacinação, que cobrem desde a infância até a idade adulta e campanhas de promoção da saúde focadas em nutrição e exercício. Um exemplo notável é o programa nacional de rastreamento do câncer, que oferece exames regulares para detecção precoce de câncer de mama, colo do útero e intestino, contribuindo para taxas de sobrevivência mais elevadas.

Essa abordagem integrada e preventiva contribui para a manutenção de elevadas taxas de saúde e bem-estar entre os finlandeses, refletindo em uma expectativa de vida elevada (uma das mais altas da Europa) e baixas taxas de mortalidade infantil. O investimento em pesquisa e desenvolvimento na área da saúde, busca inovações para melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços prestados. A utilização de registros eletrônicos de saúde (Electronic Health Records) permite um acompanhamento dos pacientes e uma coordenação mais eficiente entre diferentes níveis de cuidados.

Em adição, a política habitacional que inclui programas de aluguel social destaca-se por fornecer habitação digna a custos acessíveis, reduzindo, assim, a população de rua. A inclusão de um teto seguro e acessível reforça a estrutura de suporte da sociedade finlandesa, também impactando diretamente no índice de felicidade.

O sistema de aluguel social é gerido principalmente por entidades municipais e ONGs sem fins lucrativos, este sistema oferece unidades de habitação a preços reduzidos, possibilitando que pessoas em situações financeiras difíceis, como famílias de baixa renda, idosos, estudantes e desempregados, consigam se estabelecer em locais adequados.

Uma característica do sistema é o compromisso com a qualidade e a sustentabilidade das habitações oferecidas. Mesmo sendo unidades de aluguel social, elas seguem padrões rigorosos de construção e conforto, como isolamento térmico eficiente (para lidar com os invernos rigorosos) e sistemas de aquecimento adequados.

A Finlândia busca evitar a concentração de pobreza através da integração de unidades sociais em áreas de mercado misto, promovendo a diversidade social e econômica. Isso significa que, em vez de criar guetos de habitação social, essas unidades são distribuídas em diferentes bairros, lado a lado com habitações de mercado livre.

Além disso, o país adota estratégias sustentáveis como edificações de alta eficiência energética e uso de tecnologias verdes. Este modelo de inclusão habitacional, que inclui programas como o Housing First para pessoas em situação de rua (que oferece moradia imediata e suporte contínuo, sem exigir “sobriedade” prévia), reflete a visão de um desenvolvimento habitacional equilibrado e socialmente justo. A abordagem Housing First tem se mostrado eficaz na redução do número de pessoas sem-teto e na melhoria de sua qualidade de vida, demonstrando o compromisso da Finlândia com a erradicação da falta de moradia.

No Brasil, a aplicação de políticas similares enfrentaria desafios únicos, mas não insuperáveis. O elevado custo inicial de implantação de sistemas abrangentes de saúde, educação e moradia precisa ser visto como investimento essencial no capital humano do país.

Reformas educacionais são necessárias para garantir não apenas o acesso, mas também a qualidade do ensino oferecido. A criação de programas de bolsas efetivas que ajudem a aliviar os pesos econômicos para estudantes pode estimular uma maior taxa de finalização nos estudos.

Investimentos na saúde devem focar na universalidade, prevenção e pesquisa reformulando o modelo que priorize apenas o tratamento.

A implementação de programas de aluguel social pode ajudar a aliviar a crise habitacional em áreas metropolitanas, fornecendo soluções habitacionais sustentáveis para populações de baixa renda em áreas já dotadas de infraestrutura.

Projetos semelhantes à Biblioteca Oodi podem ser replicados, promovendo espaços comunitários que ofereçam acesso ao conhecimento e promovam interação social.

A experiência finlandesa revela um caminho promissor para o desenvolvimento integral da sociedade. Ao adotar medidas semelhantes, adaptadas à realidade local, o Brasil pode melhorar as políticas públicas beneficiando o bem-estar geral da população. Para isso, é fundamental a promoção de um debate aberto sobre o uso racional e estratégico dos recursos públicos.

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