Segurança pública no Brasil torna país mais propício a fenômenos como Bukele, de El Salvador, do que Milei


Fenômeno eleitoral antissistema como o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, está muito mais próximo de nossa realidade do que o presidente argentino. Nayib Bukele, presidente de El Salvador, em 19 de outubro de 2023
REUTERS/Jose Cabezas/File Photo
Com base no efeito Orloff (eu sou você, amanhã), o Brasil acompanha com muito mais interesse o governo de Javier Milei, na Argentina, e não dá tanta atenção a outro fenômeno antissistema na América Latina: o presidente Nayib Bukele, de El Salvador.
O fato é que o cenário econômico do Brasil não se assemelha tanto ao da Argentina quanto o quadro de segurança pública brasileiro em comparação com o do país de Bukele.
Uma boa pergunta é saber qual candidato no Brasil de hoje teria mais apelo eleitoral? Um cabeludo com uma motosserra na mão, ameaçando acabar com a herança de Getúlio Vargas e Lula, ou um jovem investido no papel de xerife durão prometendo entupir as cadeias de bandidos, impedir a Justiça de soltá-los, trazendo de volta a paz às famílias e livrando comunidades pobres e empresas de extorsão?
Assim como no Brasil, grande parte do território de El Salvador não pertencia ao Estado, mas era dominada basicamente por duas gangues: Mara Salvatrucha (MS-13) e 18th Street. O tráfico de drogas era apenas um dos ramos de seus negócios, e não o mais lucrativo, como começa a ocorrer a passos acelerados com Comando Vermelho e o PCC.
Capa da revista Time, Bukele diz que ‘custo de ser chamado de autoritário é muito pequeno’
A maior parte do dinheiro das gangues de El Salvador vinha do controle do território. “As gangues baseavam suas taxas de extorsão na riqueza percebida, variando de alguns dólares por dia para vendedores ambulantes a pagamentos semanais ou mensais chegando a milhares de dólares para empresas maiores”, segundo estudo publicado pela InSight Crime, organização que reúne estudos, reportagens e pesquisas sobre a violência nas Américas. Como no caso específico do Comando Vermelho, o negócio dos criminosos é o domínio do território. Sem ele, não há negócios.
Outra semelhança: o sistema penitenciário de El Salvador era, como no Brasil, uma parceria público privada, na qual o Estado entra com a estrutura e as organizações criminosas, com a gestão. A exemplo das maiores duas facções brasileiras, as gangues de El Salvador usaram os presídios superlotados para se organizar, criar estruturas mais hierarquizadas e disciplinadas.
O ponto de virada em El Salvador ocorreu no final de março de 2022, quando as quadrilhas foram acusadas de massacrar 87 civis em todo o país em 72 horas. O banho de sangue gerou uma comoção nacional e deu as condições para que o Legislativo concedesse ao presidente Bukele a decretação de um estado de emergência, até então só utilizado para desastres naturais.
O regime de exceção, previsto para durar um mês, e mais tarde prorrogado por 20 meses, suspendeu direitos constitucionais, e flexibilizou as regras para efetuar prisões. Com 6,3 milhões de habitantes, calcula-se que 1% da população tenha ido para trás das grades, o que significa perto de 100 mil presos. “Os detidos podem ser mantidos indefinidamente sob acusações vagas, sem a necessidade de um mandado de prisão ou evidências para respaldar alegações criminais”, afirma o estudo do InSight Crime.
O que chama atenção é que outras medidas implantadas pelo governo Bukele já são defendidas abertamente por aqui. E com grande apelo popular.
Em El Salvador, os presos perderam o direito de comparecer perante um tribunal dentro de 72 horas após sua prisão. No Brasil já há uma campanha para o fim da audiência de custódia. A favor da tese, são usados exemplos de decisões judiciais bizarras da justiça brasileira, como a soltura de um traficante colombiano preso com 1,2 tonelada de cocaína no interior do Amazonas. Ocorreu numa audiência de custódia.
Em março de 2022, o Parlamento de El Salvador aumentou as penas de prisão para membros de gangues e eliminaram a possibilidade de prisão domiciliar para detentos que pertenciam a “grupos terroristas”. Desnecessário falar da popularidade da defesa do endurecimento das leis contra criminosos, como a recente decisão de acabar com as saidinhas do presídios, apoiada tanto pela direita quanto pela esquerda. Um grande bloco de parlamentares brasileiros votou a favor, não por convicção, mas por medo de perder votos, o que prova o apelo popular dessas medidas.
Em El Salvador, as gangues passaram a ser consideradas organizações terroristas. No Rio de Janeiro, a Polícia Civl trabalha num inquérito para enquadrar o traficante Peixão como terrorista. A lei brasileira define como terror o “ato de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”. Bandidos atirando de fuzil contra civis, para deter operações policiais, como ocorreu em outubro no Complexo de Israel, no Rio de Janeiro, matando três trabalhadores, se encaixa na descrição.
No entanto, a mesma lei restringe a definição de terrorismo apenas quando praticado por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Nos territórios dominados peço traficante Peixão só é permitida uma religião: a inventada pelo próprio Peixão. O narcopentecostalismo já é realidade em muitas territórios roubados do estado brasileiro e dominados por criminosos.
As reformas em El Salvador também reduziram para 12 anos a idade em que as pessoas podem ser julgadas por crimes relacionados a gangues. A redução da maioridade penal no Brasil também é reivindicado por diversos governadores, como o de Sao Paulo, Tarcísio de Freitas.
Por todas essas razões, o blog considera o quadro de segurança do Brasil é propício para o surgimento de um fenômeno eleitoral como Bukele. No Rio de Janeiro, o ex-governador Wilson Witzel já explorou esse filão, sendo eleito com a promessa de dar tiro de fuzil na cabecinha de bandidos. Jair Bolsonaro, em 2018, em certa medida, também navegou nessa raia, mas abandonou o tema durante o governo. Se tivesse sucesso, seu projeto autoritário provavelmente nem necessitaria de 8 de janeiro.
Em El Salvador, Bukele desfruta de alta popularidade e por isso, cada vez mais, concentra poderes em torno de sua administração. Suas medidas derrotaram as gangues. E isso não é só propaganda governamental, mas atestado por estatísticas e estudos acadêmicos confiáveis. A dúvida é se o encarceramento em massa é sustentável a longo prazo. E o efeito, quem está pagando, é o estado de direito e democrático.
Bukele oferece prisões de El Salvador para receber criminosos deportados pelos EUA
Adicionar aos favoritos o Link permanente.