Polarização chegou ao ensino e colocou professores na mira de crivo crítico, diz Ingo Sarlet

A transição de um mundo analógico para a era digital, acompanhada por um contexto político marcado por tensionamentos, afetou a atividade do magistério e teve impacto não só no Direito Constitucional — mas principalmente nele. Essa é a avaliação do professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ingo Sarlet. Em entrevista ao JOTA, ele afirmou que esse efeito abrange também o plano da gestão acadêmica. “Sinto que os colegas que estão na graduação também estão muito mais submetidos a um crivo crítico, e, às vezes, até uma espécie de monitoramento de que posicionamento vão adotar”, afirma.

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Um exemplo clássico, afirma, é “se o professor defende uma postura amistosa à proteção do ambiente, sempre vai ter alguém que vai dizer, olha, ele é comunista como se uma coisa tivesse relação com a outra”

Sarlet pondera que com o passar dos anos o contexto foi mudando. Para ele, há dois marcos: o acesso online à jurisprudência e a hiperexposição do Supremo. “Imagina que cada vez mais temas polêmicos, politicamente sensíveis começaram a ser julgados e, ao mesmo tempo, também o ambiente se tornou mais intolerante e mais polarizado.”

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Para o futuro, Sarlet aponta o uso da inteligência artificial em pesquisas acadêmicas como um ponto de atenção. “Tem desafios novos e importantes, inclusive muito sérios para professores, obviamente, para os professores que ainda foram forjados num mundo mais analógico. Eu diria, assim, o uso da inteligência artificial generativa em trabalhos acadêmicos, em pesquisa, e mesmo, nós sabemos, no Judiciário, na advocacia e assim por diante. Mas, especialmente, trabalhos acadêmicos, isso, de fato, é um desafio. Nós ainda não sabemos bem como lidar com isso, como regular isso”, avalia.

O professor Ingo Sarlet é o sétimo entrevistado da série do JOTA sobre os desafios de ensinar o Direito Constitucional.

A série explora com professores renomados como é o ensino e a formação dos futuros operadores do Direito, em um cenário onde a Constituição é não apenas um texto jurídico, mas também um campo de inúmeras disputas sociais.

Leia parte da entrevista com o professor Ingo Sarlet, da PUC-RS. A íntegra da entrevista está disponível no YouTube do JOTA. Inscreva-se no canal para acompanhar todas as onze entrevistas da série.

Professor, como está a sua realidade na PUC do Rio Grande do Sul para dar aula de Direito Constitucional no Brasil de hoje?

Nós estamos imersos em um contexto que obviamente tem peculiaridades brasileiras, mas é um contexto também global. Tem havido realmente uma mudança muito grande sobre diversos ângulos no ensino do Direito, não só no Direito Constitucional, mas particularmente nele. Isso tanto em função do impacto da digitalização, das mídias sociais, mas também por um contexto político globalmente marcado por muitos focos de tensionamento maior, de crescimento de intolerância, de polarizações, de extremismos de diversa natureza. 

Então, tudo isso, evidentemente, acaba contaminando esse ambiente universitário, escolar, inclusive também na área do Direito, até que o Direito, como uma estrutura regulatória, organizacional, procedimental, institucional, das relações sociais, econômicas, até mesmo culturais, políticas, ambientais, tecnológicas, ele acaba sendo um elemento, muitas vezes, de perturbação, de resistência, e de entrechoques, que acabam se entrecruzando aqui. Isso afeta diretamente a atividade do magistério, tanto no plano discente dos alunos, quanto, provavelmente, no plano docente, até no plano da gestão acadêmica.

Uma primeira colocação seria essa, e aí tem elementos comuns, ainda que com peculiaridades. No campus regional nosso, aqui em Rio Grande do Sul, eu sou professor da Pontifícia Universidade de Rio Grande do Sul, a PUC-RS, e sou professor aqui há mais de 26 anos, praticamente 27 anos. Fui, antes, 12 anos professor de Direito, também Constitucional na Unisinos, de onde eu sou egresso até a graduação. E atualmente eu estou já há 18 anos coordenando o mestrado doutorado em Direito da PUC-RS e tenho me limitado, nesses últimos tempos, realmente a aulas no mestrado e doutorado, embora oriente trabalho de iniciação científica de alunos de graduação, porque também tem alunos que participam do nosso grupo de estudo, então a gente também mantém algum contato nesse sentido. 

Mas eu sinto que os colegas que estão na graduação também estão muito mais submetidos a um crivo crítico, e, às vezes, até uma espécie de monitoramento de que posicionamento vão adotar. 

Posicionamento político em termos de Direito Constitucional, professor? 

É que, na verdade, existe uma natural associação dos temas de Direito Constitucional com a política e com aspectos morais também muito fortes. Um exemplo clássico, que já se viu na mídia em vários momentos, é se o professor defende uma postura amistosa à proteção do ambiente, sempre vai ter alguém que vai dizer, olha, ele é comunista como se uma coisa tivesse relação com a outra, dando um exemplo, que nós sabemos que existe por aí, tanto na mídia, tanto no meio político, tanto nas redes sociais, enfim.

Ou se, evidentemente, a pessoa se posiciona em relação à interrupção voluntária da gravidez, ou em relação à proteção dos animais, ou em relação a uma posição pela reforma tributária. Tudo isso acaba sendo associado com o dia a dia das pessoas, com suas posições ou pré-compreensões, e assim por diante. Então, isso torna tudo isso muito mais difícil de ser administrado e torna, de fato, os atores desse processo mais vulneráveis.

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