O exercício da advocacia como um aprendizado incessante

Boa parte das gerações de advogados que me antecederam costumava dividir a vida profissional em três fases bem marcadas: estudo, trabalho e aposentadoria. Tudo seguia um roteiro previsível: estudava-se durante 20 anos, trabalhava-se até os 60 (com duas férias por ano) e, caso exitoso, se viveria de renda na aposentadoria. Aplicava-se na prática o que fora aprendido nos cinco anos da faculdade. Cheguei a ouvir de um colega, recém-aprovado em concurso de juiz, que “agora não precisava mais estudar” – afinal, já conquistara a vaga.

Essa visão refletia a ideia de gerações e escolas do direito. Os estudos se renovavam aproximadamente a cada 25 anos, em linha sucessiva linear. Esse era o tempo necessário para que uma nova leva de profissionais se estabelecesse e ocupasse posições de influência. O que coincidia com a renovação gradual das escolas acadêmicas, mas estas nem sempre despertavam o interesse dos advogados. Tudo muito lento e estável.

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Tenho consciência de que a primeira pessoa do singular não fornece dados estatísticos confiáveis, mas vale o registro: quando concluí o curso (1986), contava-se nos dedos de uma mão o número de doutores em direito no Paraná. O mestrado na UFPR havia começado em 1982, sob a liderança do professor José Lamartine Corrêa de Oliveira Lyra. Inexistiam cursos de especialização, mas apenas alguns preparatórios para concursos. Poucos sabiam o que era um LLM ou um MBA. Hoje, o cenário é diametralmente oposto.

O direito, seu estudo e aplicação, deixaram de ser estáticos. As leis ainda carregam a pretensão da eternidade, que se revela ilusória: basta lembrar que a Constituição já passou por 135 emendas (além das seis de revisão). No plano infraconstitucional, agências reguladoras independentes emitem centenas de novas normas por mês. Os tribunais superiores publicam milhares de acórdãos anuais, moldando e reinterpretando o direito.

Apesar dos esforços para fixar precedentes, julgamentos repetitivos e temas de repercussão geral, só no STJ já acumulamos 676 Súmulas (10 das quais em 2024) e, no STF, mais de 1.300 temas de repercussão geral (77 criados em 2024). O que representa a incessante renovação e ampliação de perspectivas que hoje vivemos no mundo do direito.

Logo, as três fases clássicas – estudo, trabalho e descanso – não são mais estanques, mas integradas. As transformações jurídicas ocorrem a um ritmo que ultrapassa o compasso de gerações e a dinamicidade do direito transformou a nossa profissão. Isso é ótimo, torna a advocacia mais exigente e o estudo necessário. Mas, por outro lado, trouxe desafios, inquietações e ansiedades.

Um fenômeno que tenho reparado, por exemplo, é a busca pelo mestrado como um passo automático depois da graduação. Não raro, ingressa-se sem um propósito nítido, mas porque “todo mundo quer ter um mestrado”. Muitos projetos de pesquisa não inovam nem estruturam o conhecimento, resultando em repetições – inclusive, no doutorado, onde já li teses baseadas em manuais de graduação (que servem a outros propósitos).

A situação pode se agravar em várias instituições privadas, onde o mestrado e o doutorado crescem tanto por exigências de mercado quanto pelos interesses das próprias universidades. O artigo da Economist intitulado “Seu diploma de mestrado é inútil?” chama atenção para o custo-benefício dos cursos nos Estados Unidos e no Reino Unido, destacando que muitos programas não geram retorno financeiro significativo.

Na prática, um grande número de mestrados resulta em ganhos modestos ou inexistentes, sobretudo diante do alto custo de algumas mensalidades. O texto sugere que governos e alunos sejam mais criteriosos na escolha e financiamento desses programas de pós-graduação.

O alerta é válido no Brasil. O objetivo do mestrado é o de gerar professores, mas pode ser também o de trazer vantagens salariais (o que é legítimo). Logo, é de se ter em mente que nem todos os cursos proporcionam esse retorno. Para muitos estudantes, o investimento compensa o dinheiro e o tempo dedicados – mas isso não é a regra. A escolha deve ser bem pensada, levando em conta não apenas o título acadêmico, mas a qualidade, o renome da instituição e a relevância – teórica e prática – da pesquisa para a área de atuação do advogado. Nada é tão automático que não possa ser repensado.

Ainda assim, uma coisa é certa: o estudo do direito e a advocacia já se transformaram, em conteúdo e velocidade. A minha experiência remonta ao alvorecer da multiplicação dos cursos de mestrado e doutorado, num mundo que não mais existe. As alterações da experiência jurídica demandam a conscientização de que o aprendizado não se esgota na graduação e tampouco pode ser visto como uma fase isolada na nossa trajetória existencial. A adaptação contínua deixou de ser um diferencial e se tornou uma exigência do exercício profissional.

Essa ampliação de possibilidades também exige um olhar atento para as alternativas acadêmicas de pós-graduação. Nem todos precisam fazer mestrado ou doutorado acadêmicos e presenciais. Muitas vezes, o estudo contínuo individual, ou em especializações e MBAs traz enormes vantagens.

Pensemos na Escola Superior de Advocacia da OAB, que oferece cursos de alta qualidade e constantemente atualizados. Existem ótimas opções de ensino à distância, viabilizando, inclusive, o estudo nas melhores universidades do mundo. Nunca houve tantas ofertas e a diversidade de programas permite que cada advogado defina o caminho mais alinhado aos seus objetivos. A escolha deve ser uma decisão estratégica, considerando não apenas o prestígio acadêmico, mas a efetiva contribuição para o aprimoramento profissional e as oportunidades que o título pode gerar.

Com isso, a advocacia se fortalece como uma profissão em constante movimento, na qual o aprendizado bem direcionado é o grande aliado do crescimento profissional. Em vez de uma jornada com início e fim marcados, o estudo passou a ser uma ferramenta de evolução contínua, que amplia horizontes e possibilita novos desafios. Esse novo cenário é, antes de tudo, um convite para construir uma carreira mais sólida, estimulante e alinhada com as transformações do mundo jurídico. Como eu costumo dizer no escritório, a festa está sempre só começando…

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