Performance ESG sob a influência da teoria dos stakeholders

Diante de um cenário de mudanças, o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) reacende o debate sobre a revalorização da Teoria dos Stakeholders, uma vez que ela serve de ponte teórica, base conceitual, para ampliar a performance ESG de empresas, como argumenta a pesquisadora Chenxi Wang.[1]

A Teoria dos Stakeholders surge em 1984, introduzida pelo filósofo e professor norte-americano R. Edward Freeman, a partir da referência feita em um memorando do Instituto de Pesquisa de Stanford. Ao longo dos últimos 30 anos, a teoria não parou mais de ser ampliada e revisada.

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Sustentada na premissa de que as organizações são entidades sociais interdependentes, a teoria defende que a existência e legitimidade das empresas dependem da capacidade de harmonizar expectativas múltiplas e, frequentemente, conflitantes.

Ao transcender a visão reducionista do lucro como fim único, a teoria propõe uma abordagem holística, em que a criação de valor se desdobra em dimensões ambientais, sociais e de governança.

Essa integração não apenas redefine o propósito corporativo, mas também estabelece que a sustentabilidade de longo prazo e está intrinsecamente ligada ao equilíbrio entre agentes diretos e indiretos do ecossistema empresarial. O ESG, nesse contexto, não é uma tendência passageira, mas uma materialização prática dessa interdependência, onde cada decisão estratégica repercute em cadeia, impactando stakeholders que, antes marginalizados, passam a integrar o centro da governança contemporânea.

A teoria, inicialmente formalizada no livro de Freeman, Strategic Management: A Stakeholder Approach, propõe que empresas não se limitem a atender exclusivamente aos interesses dos acionistas, mas busquem equilibrar as demandas de todas as partes interessadas envolvidas, como acionistas, investidores, colaboradores, clientes, fornecedores, comunidades, governos e mídia. Esse equilíbrio gera negócios mais sustentáveis e resilientes no longo prazo. A criação de valor para todos os stakeholders gera um negócio com viés mais sustentável e de longo prazo.

Pela sua flexibilidade, a Teoria dos Stakeholders, embora estruturada epistemologicamente na sociologia, economia, polícia e ética, é compreendida como uma teoria guarda-chuva, que vem sendo empregada e reinterpretada em diferentes áreas do conhecimento por três décadas.

Para dar uma trilha mais coesa a ela, dois pesquisadores (Donaldson e Preston)[2] dividiram a Teoria dos Stakeholders em três dimensões: descritiva; instrumental e normativa. Na primeira dimensão definem a natureza da organização e se a realidade observada corresponde à administração.

Na dimensão instrumental, buscam evidenciar o impacto gerado pelos stakeholders no desempenho do negócio, analisando objetivos e políticas na gestão das partes interessadas e objetivos empresariais. Na dimensão normativa, definem o papel dos stakeholders diante dos valores morais e éticos da corporação. Em suma, a Teoria dos Stakeholders defende uma visão expandida da responsabilidade corporativa e fomenta uma série de relações interdependentes.

A complexidade da Teoria dos Stakeholders reside em sua natureza dinâmica e não hierarquizada. Enquanto a dimensão descritiva mapeia a teia de relações que constituem a organização, a instrumental revela como essas conexões influenciam métricas tangíveis de desempenho, como redução de riscos ou fortalecimento de marca.

Já a normativa eleva o debate ao plano ético, questionando não apenas como as empresas operam, mas porque devem fazê-lo de modo a preservar dignidade humana e integridade ecológica. Esse triplo enfoque desafia a noção de que interesses são estáticos, reconhecendo que a saliência de um stakeholder varia conforme contextos políticos, culturais e temporais.

Nesse sentido, a teoria não oferece fórmulas prontas, mas um framework de reflexão crítica, convidando as organizações a repensarem seu papel como agentes de transformação em um mundo marcado por desigualdades e limites planetários.

No varejo ou no atacado, as empresas lançam mão do Mapa dos Stakeholders para identificar suas partes interessadas, avaliar seu nível de interesse, influência (alta ou baixa), conexões (áreas comuns e de possível conflito) e definir as estratégias de engajamento e formas de comunicação.

Em contrapartida à Teoria dos Stakeholders, a Doutrina Friedman, apresentada pelo economista Milton Friedman em 1970, defende a primazia dos acionistas e a maximização de lucros, rejeitando a responsabilidade social corporativa. Esta visão tem sido retomada por movimentos anti-ESG nos Estados Unidos. Essa teoria comemora 55 anos neste ano, tendo como origem um artigo do professor e economista Milton Friedman, publicado na revista The New York Times Magazine, em 1970, e vem sendo retomada pelas iniciativas anti-ESG nos EUA.

Pode parecer fácil conceituar um stakeholder, mas há muitas camadas envolvidas. O próprio Friedman definiu como sendo todo indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado por uma organização, mas as partes interessadas terão maior ou menor influência corporativa, de acordo com seu poder de influência. Por isso é importante conhecer o papel dos stakeholders nas práticas ESG.

Teoricamente, a classificação dos stakeholders vem se alterando ao longo dos anos. Clarkson[3], por exemplo, divide-os entre primários e secundários. Os primeiros possuem alto grau de interdependência com a empresa e demais stakeholders, caso dos acionistas, investidores, profissionais, clientes, fornecedores e comunidade. E os secundários, que influenciam a organização ou são afetados por ela, sem relação direta.

A função das partes interessadas em um ecossistema corporativo e seu impacto no ESG é facilmente entendido quando se analisa os seus atributos principais: poder, legitimidade e urgência. O tópico inicial está ligado à influência que determinados stakeholders possuem junto à corporação. No atributo legitimidade, o importante é como os stakeholders se adequam aos valores, normas e crenças da organização e da sociedade. Já o atributo de urgência fomenta importância à reivindicação de determinado(s) stakeholders(s).

Nessa classificação elaborada pelos pesquisadores Mitchell, Agle e Wood[4], os stakeholders que possem apenas um  dos atributos são considerados “latentes”; aqueles com dois atributos recebem o nome de “expectantes” e os que reúnem os três predicados recebem a classificação de “definitivos” e são os únicos que possuem poder e legitimidade e terão seu interesse mais facilmente contemplado.

Empresas brasileiras como Natura, Klabin e Banco do Brasil adotam práticas voltadas ao fortalecimento dessas relações. A Frooty, por exemplo, desenvolve iniciativas de capacitação de produtores na Amazônia, programas educacionais para comunidades ribeirinhas e ações de mitigação climática e preservação da biodiversidade local.

Em contrapartida, o desempenho corporativo sustentado pelos pilares ESG tem auxiliado a fomentar uma teoria de criação de valor para os stakeholders. Um dos estudos que trata do tema é “Uma revisão do desempenho ESG como medida da teoria das partes interessadas”[5], propondo desenvolver uma teoria de criação de valor para os stakeholders como indicador do desempenho ESG.

Para o autor, Sumit Kumar, diferentes pesquisas apresentam pontos em comum sobre indicadores de desempenho ESG e seus impactos no valor dos stakeholders, caso das preocupações e operações das empresas em proteger o meio ambiente; desempenho social, envolvimento com os direitos humanos, qualidade de emprego, conformidade com a legislação social, relacionamento com a comunidade e responsabilidade da alta administração e processos de estrutura de governança, com base em ética e transparência.

No levantamento, o papel dos conselhos de administração se mostra importante para consolidar a participação das partes interessadas. Quanto mais independentes forem os conselhos, maior será a proteção dos interesses das partes interessadas. As pesquisas também constataram uma ligação positiva entre o desempenho ESG e a diversidade de gênero nos conselhos ou presença de um comitê de Responsabilidade Social Corporativa.

Em suma, ao contemplar as necessidades das partes interessadas, as corporações constroem uma ponte com a Teoria dos Stakeholders, aumentam o valor de seus produtos ou serviços, reduzem os riscos reputacionais e se aproximam de um ecossistema de sustentabilidade, compreendendo os impactos de seus negócios sobre diferentes atores e o planeta.

Desse ponto de partida, também viabilizam soluções com base em um ponto de equilíbrio que nem sempre é viável diante de demandas tão diferentes. Essas, porém, podem se tornar conciliáveis pela criatividade da estratégia adotada por cada companhia. Em síntese, integrar as necessidades das partes interessadas fortalece o vínculo entre ESG e Teoria dos Stakeholders, aumentando a resiliência, a reputação e a sustentabilidade corporativa.


[1] Disponível em https://www.shsconferences.org/articles/shsconf/pdf/2024/10/shsconf_edss2024_03022.pdf

[2] DONALDSON, T.; PRESTON, L. E. The Stakeholder Theory of the Corporation: Concepts, Evidence, and Implications. The Academy of Management Review. New York – USA, v. 20, n. 01, jan.1995.

[3] CLARKSON, M. E. A stakeholder framework for analyzing and evaluating corporate social performance. Academy of management review, v. 20, n. 1.

[4] MITCHELL, R. K., AGLE, B. R. e WOOD, D. J. Toward a Theory of Stakeholder Identification and Salience: Defining the Principle of Who and What Really Counts. The Academy of Manag MITCHELL, R. K., AGLE, B. R. e WOOD, D. J. Toward a Theory of Stakeholder Identification and Salience: Defining the Principle of Who and What Really Counts. The Academy of Manag

[5] Kumar, S. (2023). A review esg performance as a measure of stakeholder’s theory. Academy of Marketing Studies Journal, 27(S3), 1-18. Disponível em https://www.abacademies.org/articles/a-review-esg-performance-as-a-measure-of-stakeholders-theory-15712.html

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