Desafios na governança dos novos procedimentos administrativos da reforma tributária

A reforma tributária do consumo, consolidada pela Emenda Constitucional 132/23, representa uma mudança significativas no sistema tributário brasileiro. O modelo até então em vigor era marcado por elevada complexidade, cumulatividade e disputas fiscais entre os entes federativos, gerando insegurança jurídica e altos custos de conformidade para os contribuintes.

A substituição de cinco tributos pelo IVA Dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), busca simplificar a tributação e mitigar essas distorções. No entanto, sua implementação exige profundas adaptações nos procedimentos administrativos e na governança do novo sistema.

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Para garantir maior eficiência na arrecadação e evitar a fragmentação administrativa dos entes federativos, a EC 132/23 criou o Comitê Gestor do IBS, cuja regulamentação será estabelecida por Lei Complementar, proposta pelo PLP 108/2024.

Trata-se de uma entidade autônoma, de caráter técnico e operacional, responsável pela arrecadação, fiscalização, compensação e julgamento do imposto. Além de reduzir a guerra fiscal, o Comitê busca promover uniformidade na aplicação do IBS e maior segurança jurídica.

Entretanto, sua natureza jurídica levanta desafios. Diferentemente das autarquias e agências reguladoras tradicionais, o Comitê Gestor acumula amplas competências, incluindo a interpretação e arrecadação do imposto. Durante os primeiros quatro anos, será financiado pela União e posteriormente, dependerá de repasses dos entes federativos. Essa transição levanta questionamentos sobre sua sustentabilidade financeira e a viabilidade de um modelo de governança que garanta a autonomia do Comitê sem comprometer sua independência decisória.

Outro ponto crítico diz respeito à sua fiscalização externa. Enquanto órgãos como a Receita Federal são supervisionados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Comitê Gestor do IBS terá sua fiscalização a cargo dos tribunais de contas estaduais e municipais, o que pode resultar em interpretações divergentes e comprometer a uniformidade na gestão do tributo. Esse modelo ainda carece de definições mais claras sobre sua viabilidade e os mecanismos de coordenação entre os órgãos de controle.

Além disso, a coexistência de estruturas distintas para CBS e IBS impõe desafios adicionais. A CBS permanecerá sob jurisdição da União, enquanto o IBS terá competência compartilhada entre estados e municípios. Essa dualidade pode gerar conflitos interpretativos, especialmente no contencioso administrativo e na aplicação de regras de conformidade tributária.

Assim, para mitigar esses riscos, a coordenação entre os entes federativos e a criação de mecanismos eficazes de harmonização processual são essenciais. Medidas preventivas, como cooperative compliance e autorregularização fiscal, são mecanismos que podem reduzir a litigiosidade e fortalecer a relação de confiança entre a administração tributária e os contribuintes.

Também vale destacar que, apesar de a EC 132/23 prever o compartilhamento de informações fiscais entre as administrações tributárias, ela não institui um órgão de uniformização integrado ao processo administrativo. Atualmente, o Comitê de Harmonização e o Fórum de Harmonização das Procuradorias possuem competência para emitir atos vinculantes, mas a ausência de um sistema processual unificado pode comprometer sua efetividade. A criação de uma Câmara Técnica de Uniformização surge, portanto, como uma alternativa viável para reduzir conflitos entre o Carf e o Comitê Gestor do IBS.

Desse modo, a reforma tributária do consumo introduzida pela EC 132/23 representa um marco na modernização do sistema tributário brasileiro. No entanto, sua implementação exigirá uma adaptação estrutural significativa, especialmente no que tange à governança do IBS, à harmonização processual entre os tributos do IVA Dual e à sustentabilidade do Comitê Gestor.

Os desafios não são apenas administrativos, mas também políticos e jurídicos. Sem um modelo de governança bem estruturado, há o risco de que as disputas entre os entes federativos persistam, gerando insegurança jurídica e dificultando a transição para o novo sistema. Logo, o sucesso da reforma dependerá da capacidade dos agentes públicos e privados de consolidar um modelo de governança tributária eficiente, garantindo equilíbrio federativo, segurança jurídica e previsibilidade para os contribuintes.

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