Tarifa social: desafios para a sustentabilidade e universalização

Para além das questões de ampliação da rede pública, a universalização dos serviços de saneamento básico também deve garantir o efetivo acesso ao serviço às famílias mais vulneráveis. Um dos caminhos para isso se dá por meio da tarifa social, um subsídio cruzado que visa a garantir maior modicidade tarifária para esses grupos.

No entanto, sua implementação enfrenta desafios, como a necessidade de equilibrar a inclusão do benefício tarifário com a modicidade tarifária para os demais usuários e a sustentabilidade econômico-financeira do setor.

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A Lei 14.898/2024, em vigor desde 10 de dezembro de 2024, instituiu a Tarifa Social de Água e Esgoto em todo o país. A legislação estabelece um desconto de 50% na tarifa da primeira faixa de consumo (15 m³) para famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) ou que possuam membros com deficiência ou idosos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Dado que o valor do desconto e a faixa de consumo são elementos estruturais da tarifa, surge o desafio de garantir a sustentabilidade econômica dos serviços e a modicidade tarifária para os demais usuários. A esse respeito, em 20 de dezembro de 2024, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) emitiu Nota Técnica alertando que a aplicação uniforme do desconto pode comprometer a viabilidade econômica dos prestadores e colocar em risco a universalização, especialmente em regiões onde os subsídios cruzados são pouco viáveis.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Social[1] indicam que, em janeiro de 2025, estavam cadastradas 40.652.068 famílias. O Observatório do Cadastro Único[2], por sua vez, revela que diversos municípios têm sua população, majoritariamente, inscrita no CadÚnico.

Diante desse cenário, sem uma política pública de regionalização adequada, que permita subsídios cruzados entre municípios com maior poder econômico e municípios com maior número de inscritos, poderá gerar efeitos contrários ao pretendido. Em outras palavras, pode se tornar a metade do dobro.

A modicidade tarifária é um princípio fundamental da política pública setorial, conforme disposto no art. 6º, §1º, da Lei 8.987/1995 e no art. 22, inc. IV, da Lei 11.445/2007.

O mesmo objetivo foi transportado para o art. 4º, §1º, da Norma de Referência 6/2024 da ANA, que define, em seu art. 3º, inc. XII, a modicidade tarifária como a “menor tarifa que assegure a sustentabilidade econômico-financeira da prestação do serviço e possibilite a recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência, e a remuneração dos investimentos realizados de modo prudente, considerando as metas de universalização do atendimento, os padrões adequados de qualidade, as condições e critérios de amortização e indenização e a capacidade de pagamento do usuário”.

Por essa razão, é preciso promover uma avaliação abrangente dos impactos tarifários nas demais categorias de usuários que suportarão os subsídios da Tarifa Social de Água e Esgoto, considerando as características socioeconômicas locais e regionais, a modicidade tarifária e a sustentabilidade econômico-financeira dos prestadores.

Esta avaliação pode incluir, por exemplo, a Conta de Universalização do Acesso à Água, cuja criação foi autorizada pelo art. 9º da Lei 14.898/2024 ou eventuais recursos adicionais para custear o benefício, conforme o inciso II, §1º, do art. 12 da Lei 11.445/2007.

É possível, ainda, repensar a regionalização dos serviços para viabilizar o subsídio cruzado. Afinal, o saneamento básico é um serviço de competência municipal e sua prestação exige investimentos elevados[3] que nem todos os municípios conseguem suportar.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a constitucionalidade do Novo Marco do Saneamento[4], reconheceu que a nova regulamentação é uma estratégia lícita para aumentar a eficiência e a universalização dos serviços. O relator, ministro Luiz Fux, destacou que a gestão compartilhada entre os entes federativos é necessária para garantir direitos e a eficiência estatal, especialmente devido aos altos custos do setor, beneficiando os municípios mais pobres.

Diante dos desafios inerentes à implementação da Tarifa Social, torna-se fundamental equilibrar a inclusão dos beneficiários com a sustentabilidade econômico-financeira dos prestadores e a modicidade tarifária para os demais usuários.

A experiência regulatória mostra que soluções uniformes podem gerar distorções, especialmente em regiões com menor capacidade de subsídio cruzado. Assim, a efetividade da política depende de um desenho regulatório que considere as particularidades regionais, promova a cooperação entre os entes federativos e adote mecanismos complementares de financiamento, garantindo que a universalização do saneamento ocorra de forma sustentável e equitativa.


[1] Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/cidadania/#cadastrounico Acesso em 22.01.2025.

[2] Disponível em: https://paineis.mds.gov.br/public/extensions/observatorio-do-cadastro-unico/index.html 23.01.2025

[3] Segundo a Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Saneamento, para levar a 90% da população saneamento básico até 2033, é necessário investir anualmente R$ 25 bilhões. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1011392-debate-na-camara-aponta-necessidade-de-investimentos-publicos-em-saneamento/ Acesso em 26/07/2024.

[4] STF. Plenário. ADI 6492, 6356, 6583 e 6882. Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 02/12/2021.

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