Vinculação do Carf às teses fixadas em repercussão geral e em recurso repetitivo

O instituto da repercussão geral foi introduzido na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional 45/04. Já o instituto dos recursos repetitivos surgiu com a Lei 11.672/08, que alterou o então vigente Código de Processo Civil (CPC) de 1973, sendo que o atual CPC estabelece os procedimentos, requisitos e a aplicabilidade dos dois institutos.

De forma geral, os recursos extraordinários e os recursos especiais com repercussão geral e com efeito repetitivo têm o objetivo de trazer efetividade às decisões do STF e do STJ, respectivamente, unificando e pacificando a jurisprudência nos seus âmbitos de atuação.

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Os recursos repetitivos julgados pelo STJ serão definitivos enquanto ausente ou expressamente negada a existência de repercussão geral do tema pelo STF. Quando a mesma controvérsia julgada pelo STJ é alçada ao STF como de repercussão geral, caberá ao STF a definição.

Assim, com o advento destes institutos, tanto o STF quanto o STJ passaram a ocupar espaço de protagonismo em matéria tributária no controle difuso, mais ainda o STF, sobretudo em razão das discussões tributárias quase sempre envolverem dispositivos e princípios constitucionais.

Dito isso, de acordo com o CPC, as teses fixadas em repercussão geral ou em recursos repetitivos terão efeitos vinculantes no âmbito do Poder Judiciário (arts. 311, II, 332, II, 489, § 1º, VI, 496, § 4º, II, 927, III, 932, IV, “b”, e V, “b”, 1.022, parágrafo único, I, 1.030, I, “a” e “b”, e II).

No plano federal, a Receita Federal do Brasil (RFB) continua negando a aplicabilidade imediata destes precedentes, lavrando autos de infração mesmo após posicionamento favorável ao contribuinte em repercussão geral ou em recurso repetitivo. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da mesma forma, comumente segue recorrendo de decisões judiciais baseadas em teses firmadas sob as aludidas sistemáticas.

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A teor dos arts. 19, II, e VI, “a”, e 19-A, I e III, da Lei 10.522/02, haverá vinculação desses órgãos às decisões judiciais desfavoráveis à Fazenda Nacional proferidas em recursos julgados sob o rito da repercussão geral ou repetitivos somente depois de expressa manifestação do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

Exemplificando a ausência de acatamento tempestivo das teses fixadas pelos tribunais superiores, somado a uma interpretação enviesada da União, mais recentemente a RFB editou o Ato Declaratório Interpretativo nº 4, de 4/12/24, contrariando o que ficou definido pelo STJ no Tema Repetitivo nº 1.182, já transitado em julgado.

No ato, assim como o fez na Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 7022/24, a RFB, ao invés de reconhecer a derrota, enfrenta o entendimento fixado, exigindo, – ao contrário do que o STJ expressamente definiu –, entre outros elementos, que as subvenções para investimento sejam concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Acontece que o STF tem repetidamente sinalizado que os julgamentos em repercussão geral são dotados dos mesmos efeitos erga omnes que os julgamentos de ações diretas, como ocorreu em 08/23 nos julgamentos dos REs nos 955.227/BA e 949.297/CE, ambos com repercussão geral (Temas nos 885 e 881).

Na ocasião, o Min. Barroso, que foi acompanhado pelos demais Ministros, afirmou que estaria a ocorrer uma gradual objetivação ou abstrativização do controle difuso. Assim, sugeriu a mutação do art. 52, X, da Constituição, para as decisões proferidas em recursos extraordinários com repercussão geral.

O STF, no julgamento dos aludidos temas de repercussão geral, precisou naturalmente alcançar esse racional jurídico para justificar a cessação automática da coisa julgada em matéria tributária nas relações jurídicas de trato continuado quando há mudança de entendimento da Corte em repercussão geral.

Afirmou o referido Ministro que esta seria “a premissa doutrinária decisiva para este caso”, concluindo, depois, que “a declaração de inconstitucionalidade, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, possui os mesmos efeitos vinculantes e a mesma eficácia em relação a todos – erga omnes – atribuídos às ações de controle abstrato”.

Logo depois, o Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria MF 1.634/23, por meio dos arts. 99 e 100, passou a dispor, entre outros, que os conselheiros deverão observar as decisões proferidas sob o rito da repercussão geral e dos recursos repetitivos, desde que transitadas em julgado.

Além disso, dispôs que não se aplicará tese fixada pelo STJ em recurso repetitivo se a matéria for afetada pelo STF sob o rito de repercussão geral. E, por fim, que serão sobrestados processos administrativos se já houver acórdão de mérito proferido em repercussão geral acerca da matéria sob julgamento.

Tanto é assim que, contrariando o posicionamento da RFB quanto às subvenções, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, em 04/24, deu provimento a recurso especial do contribuinte por entender que o STJ fixou tese repetitiva exigindo apenas a constituição de reserva de incentivos (no caso de outros incentivos e benefícios fiscais de ICMS que não o crédito presumido de ICMS), não cabendo ser exigida a demonstração de sua concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (Acórdão nº 9101-006.891).

Assim, ainda que a RFB e a PGFN não encampem, de imediato, as teses fixadas em repercussão geral e aquelas acolhidas com efeito repetitivo, o CARF, nos termos do seu Regimento Interno, deverá observá-las, o que a rigor colocará fim ao contencioso, uma vez que a Fazenda Nacional não poderá levar a questão ao Judiciário.

Sublinhe-se que a ausência de vinculação imediata e geral das teses fixadas produz uma situação paradoxal e permissiva: o CARF e o Poder Judiciário são obrigados a aplicar teses de repercussão geral ou de recursos repetitivos, mas a PGFN e a RFB não, permitindo, além da lavratura de autos de infração infundados, a continuidade de contenciosos fadados ao insucesso fazendário já no âmbito administrativo, como é o caso das situações submetidas a julgamento pelo CARF.

Gera-se, assim, um ciclo vicioso: (i) o Poder Judiciário, por meio do STF ou do STJ, fixa determinada tese favoravelmente ao contribuinte, (ii) a PGFN e a RFB não a aplicam, (iii) o CARF e o Poder Judiciário são chamados a reafirmar aquela mesma tese.

O resultado é: insegurança jurídica, morosidade, tratamento anti-isonômico, ineficiência, anacronismo, desprestígio ao Poder Judiciário, entre tantos outros prejuízos aos agentes envolvidos, inclusive financeiros para a União, que provavelmente será condenada em honorários de sucumbência perante o Poder Judiciário. Ademais, essa prerrogativa permite que a Administração Tributária possa direcionar o orçamento público e suas finanças quando a sua vinculabilidade às teses fixadas depende de si própria.

Como conclusão, tem-se que o CARF, a partir de 01/24, com o advento da Portaria MF 1.634/23, passou a estar vinculado às teses fixadas em repercussão geral e em recursos repetitivos – observadas as condições dos arts. 99 e 100 do seu Regimento Interno -, o que está alinhado com os mais recentes posicionamentos do STF nos Temas de Repercussão Geral nos 885 e 881 no sentido de que as decisões proferidas em recursos extraordinários com repercussão geral possuem os mesmos efeitos vinculantes e a mesma eficácia erga omnes atribuídos às ações de controle abstrato.

E, para se garantir que a vinculação seja isonômica e imediata, tornando harmônico e efetivo o atual sistema de precedentes brasileiro, se faz necessário que a PGFN e a RFB passem também a estar imediatamente vinculadas às teses julgadas sob os ritos de repercussão geral e de recursos repetitivos, propondo-se que o Poder Legislativo aja no sentido de dispensar a manifestação do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou, ao menos, de fixar um prazo máximo (e imediato) para tanto, de modo que PGFN, RFB, CARF e Poder Judiciário caminhem na mesma direção.

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