STF e Julgamento do MCI: avanços com o voto de Barroso e contribuições ao debate

O Supremo Tribunal Federal (STF) prosseguiu no julgamento que definirá o futuro da liberdade de expressão no Brasil.

Os ministros relatores Dias Toffoli (RE 1037396 – Tema 987) e Luiz Fux (RE 1057258 – Tema 533) apresentaram seus votos em 4 e 11 de dezembro de 2024.

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O Voto do Toffoli foi conduzido por uma errônea premissa de que plataformas são ‘responsáveis’ pelo que denomina de ‘violência digital’, limitando sua análise a uma perspectiva consumerista para propor a criação de deveres anexos.

Fux também entende ser inconstitucional o art. 19, seguindo na linha de Toffoli. 

Porém, em nenhum trecho dos votos encontram-se critérios claros e objetivos para restrições da liberdade de expressão, que pode representar sinais de retrocesso dos direitos humanos.

Voto divergente de Barroso 

O ministro Luís Roberto Barroso, divergindo parcialmente dos relatores, votou em 18/12, trazendo significativas contribuições ao debate jurídico.

Ciente dos desafios operacionais das plataformas e da constante evolução de seus algoritmos, considerou que o Marco Civil da Internet (MCI) não apresenta proteção suficiente, propondo dois modelos de responsabilização. 

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Diferencia situações que necessitam de decisão judicial prévia ou apenas notificação de terceiros daquelas em que as plataformas têm o dever de agir com cuidado, ou quando as publicações violam diretamente direitos protegidos por lei

O voto de Barroso pode ser resumido nos seguintes pontos: 

Inconstitucionalidade parcial do art. 19

Considera que “há um estado de omissão parcial” em relação ao art. 19, sustentando ser parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, já que não fornece suficiente proteção a direitos fundamentais. 

Barroso propõe dois modelos de responsabilização das plataformas:

(i) Responsabilidade por conteúdos específicos

No primeiro, considera que, no caso de conteúdos específicos, se a plataforma receber notificação privada de um crime em geral, a retirada do conteúdo é imperativa, independentemente de ordem judicial. 

Os casos de criação de perfil falso estão abarcados por esta mesma regra. Assim, as plataformas podem ser responsabilizadas caso não removam o conteúdo após serem notificadas.

A exceção está nos crimes contra a honra, ocorrendo a remoção do conteúdo somente após ordem judicial. 

Nestes casos, as plataformas só poderão ser responsabilizadas se descumprirem uma ordem judicial, conforme o art. 19.

(ii) Responsabilidade por falha no dever de cuidado

Defende que as plataformas tenham o “dever de cuidado” de redução dos riscos sistêmicos que impactem direitos, segurança e a estabilidade democrática.

As plataformas devem atuar proativamente nesses casos para que seu ambiente esteja livre de conteúdos gravemente nocivos, especialmente nas seguintes hipóteses: (a) pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes; (b) indução, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; (c) tráfico de pessoas; (d) atos de terrorismo; (e) abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

No caso da responsabilidade por falha no dever de cuidado, Barroso defende que a inobservância deste dever submeta as plataformas a um regime de responsabilidade subjetiva, diferentemente da responsabilidade objetiva proposta por Toffoli. 

Diz que a responsabilidade objetiva trazida pelos relatores é algo sem precedentes no direito comparado.

O voto de Barroso elevou muito a qualidade do debate jurídico do julgamento, promovendo mais equilíbrio ao propor soluções que conciliam, de forma balanceada, responsabilidade das plataformas com a proteção dos direitos humanos. 

Caminhos para um maior equilíbrio no Julgamento 

Com o objetivo de enriquecer o debate e apresentar caminhos para um maior equilíbrio no julgamento, apresento algumas colaborações lastreadas nos Direitos Humanos Digitais para aprimoramento do Voto divergente. 

1.1 – Art. 19 como regra geral: ampliação das exceções deve ser no art. 21

Acredito que deva haver uma adequação no voto no sentido de restar expresso que que o art. 19 seja mantido como regra geral para responsabilização das plataformas, pois este dispositivo assegura um equilíbrio entre liberdade de expressão e a proteção contra abusos. 

As hipóteses excepcionais devem estar no art. 21, que pode ser limitadamente ampliado, mas somente nas hipóteses taxativas aludidas no voto. 

Estas hipóteses, que devem ser restritas, devendo estar no art. 21 e não no art. 19.

Esse modelo, que combina o art. 19 como regra geral e o art. 21 com situações excepcionais taxativas, é o mais adequado para assegurar um ambiente digital seguro, responsável e equilibrado. 

1.2 – Rol taxativo de hipóteses da restrição da Liberdade de Expressão no art. 21

Barroso apresentou um rol de hipóteses gerando para as plataformas um dever de atuação proativa no caso de conteúdos gravemente nocivos.

Porém, utilizou no voto o advérbio “especialmente”, o que abre espaço para ampliação de outras possíveis condutas e crimes como fato gerador de responsabilização, o que não parece razoável e adequado.

As hipóteses propostas estão ancoradas em diretrizes internacionais de direitos humanos, mas é importante que essa ampliação das exceções seja feita no art. 21 de forma taxativa.

Não se pode dar margem para interpretação, o que pode gerar enormes prejuízos ou mesmo censura prévia, pois permite que cada juiz, na análise do caso concreto, estabeleça a hipótese de responsabilização, abrindo espaço para decisões conflitantes, o que resultará em enorme insegurança jurídica e hiperjudicialização.

Assim, é prudente que o voto seja pontualmente ajustado para prever um rol taxativo de crimes que estarão circunscritos na ampliação das exceções do art. 21. 

1.3 – Conteúdos Jornalísticos: equilíbrio entre Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão  

O STF deve preservar a liberdade de expressão e de imprensa, evitando censura prévia e promovendo um debate público fundamentado e democrático.

Proteger o jornalismo é essencial para garantir investigações legítimas e assegurar o acesso a informações de interesse público. 

Exige-se, portanto, um cuidado especial em relação a conteúdos jornalísticos, devendo o voto trazer uma abordagem específica para que os magistrados não cometam abusos, sempre ponderando liberdade de imprensa x liberdade de expressão.  

Portanto, há necessidade de constar um maior detalhamento e clareza no voto em relação a proteção dos conteúdos jornalísticos.

1.4 – Responsabilização por conteúdo publicitário ou impulsionado não merece tratamento diverso

Neste ponto, parece-me equivocada percepção da questão no voto, na medida em que considera que o pagamento pelo conteúdo o torna diferente em relação à ilicitude de um conteúdo gratuito. 

Criam-se duas categorias ou degraus de ilicitude, o que não parece lógico.

O fator financeiro, ou não, de um conteúdo não pode alterar a forma pela qual deva ser analisado e consequentemente gere responsabilização.

O conteúdo em si deve determinar a forma de responsabilização, de modo que anúncios ou conteúdos impulsionados de forma paga devam recair na análise geral.

Sustenta-se no voto que nos casos de pagamento à plataforma, presume-se o conhecimento efetivo do conteúdo ilícito desde a aprovação da publicidade. 

Contudo, esta perspectiva levaria à mudança do próprio CDC e até mesmo da teoria da responsabilidade hoje imposta aos anúncios veiculados na mídia tradicional televisiva e impressa.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores estabelece a ausência de responsabilidade dos veículos de comunicação sobre os anúncios por eles veiculados

Inúmeras são as decisões que estabelecem que o veículo não responde por publicidade abusiva ou por falhas no negócio jurídico firmado entre o consumidor e o anunciante.

As decisões consideram que os veículos de comunicação não participaram da elaboração do anúncio – o que é verdadeiro. Por isso, a pretensão de responsabilização independente de notificação ou decisão judicial mostra-se inapropriada, merecendo correção.

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Conclusão

O voto divergente do ministro Barroso representou um significativo avanço na qualidade do debate jurídico, trazendo mais equilíbrio e maior profundidade no nível técnico ao propor modelos de responsabilização que buscam conciliar a liberdade de expressão e a responsabilização das plataformas. 

Apesar dos inegáveis avanços, apresento algumas contribuições de modo a permitir o aprimoramento do voto que ainda se faze necessário, em alinhamento às diretrizes de Direitos Humanos, como:

  • estabelecer o art. 19 como regra geral, sendo a ampliação das exceções fixadas no art. 21;
  • a necessidade de um rol taxativo de hipóteses no art. 21, sem permitir maior flexibilidade, o que pode causar censura prévia por parte de magistrados no caso concreto;
  • fixar previsão específica relacionada aos Conteúdos Jornalísticos, com o equilíbrio no caso concreto entre a Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão;
  • igualar o tratamento da responsabilização por conteúdo publicitário ou impulsionado com ou sem remuneração, para não criar duas categorias diversas de ilícito.

Essas sugestões são essenciais para garantir maior fortalecimento e confiabilidade do julgamento, já que o intuito foi a apresentação de critérios claros e objetivos para a restrição à liberdade de expressão contra conteúdos ilegais, em alinhamento aos Direitos Humanos.

Por fim, o julgamento está suspenso, devido ao pedido de vista do ministro André Mendonça, sendo esse intervalo uma oportunidade de reflexão e análise equilibrada para um julgamento mais justo e que proteja o direito humano à liberdade de expressão. 

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