A tipicidade tributária na exigência do adicional previdenciário por exposição ao ruído

Nas relações de trabalho, algumas circunstâncias têm reflexos tributários à parte das trabalhistas. É o caso da exposição do trabalhador a agente nocivo, que, além de ensejar adicional remuneratório, pode sujeitar o empregador ao adicional de contribuição previdenciária GILRAT, às alíquotas de 6%, 9% ou 12%, para custeio da aposentadoria especial do empregado.

Quando se trata do agente ruído, tem sido frequente a lavratura de auto de infração para exigência do adicional previdenciário para todo período não atingido pela prescrição quinquenal. 

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Os autos de infração citam como fundamento o Ato Declaratório Interpretativo RFB 2/2019, que prevê que o adicional é devido, “ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância (…) nos casos em que não puder ser afastada a concessão da aposentadoria especial”.

O ato da Receita Federal é a consequência, do lado do custeio, da concessão indiscriminada do benefício previdenciário, que teve um salto quantitativo a partir do julgamento, em 2014, do ARE 664.335, Tema 555, em repercussão geral, em que o Supremo Tribunal Federal analisou se o fornecimento de EPI eficaz descaracterizaria o tempo especial para aposentadoria. 

Nesse julgamento, o STF fixou duas teses, uma geral e outra específica para o ruído. A tese menor estabeleceu que, no caso do ruído, a declaração no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) de uso de EPI eficaz não afasta a aposentadoria especial. 

A partir da edição do ADI RFB 2/2019, a Receita Federal intensificou a fiscalização das empresas, que não arrefeceu depois de uma década do julgamento do Tema 555 pelo STF. 

Em reunião realizada pelo órgão sobre o tema, a Súmula 9 da TNU e a segunda tese firmada pelo STF no Tema 555 são apontadas como marcos jurisprudenciais da introdução de exceções, para as searas trabalhista e previdenciária, quando se trata do ruído.

O enunciado da TNU, editado em 2003, já manifestava o entendimento de que a exposição ao ruído dá direito à aposentadoria especial, ainda que utilizado EPI que elimine a insalubridade. Em 2014, a força vinculante da tese firmada em repercussão geral pelo STF ampliou o alcance daquele entendimento, obrigando a Administração e todo o Judiciário.

Percebe-se que a interpretação adotada pela Receita Federal é de que basta a presença de ruído acima do permitido para que o adicional previdenciário seja devido, independentemente da eficácia das medidas protetivas, dado que nessas condições o segurado sempre terá direito à aposentadoria especial.

As empresas autuadas têm impugnado administrativamente a cobrança do tributo. Contudo, o CARF tem se posicionado de forma desfavorável aos contribuintes. 

Em síntese, os fundamentos utilizados são no sentido de que o EPI não é capaz de neutralizar a nocividade do ruído, agente que causaria danos auditivos e extra-auditivos, seja pelo uso inadequado, sua baixa eficácia ou, ainda, pela absorção das vibrações por via óssea. 

O revés dos contribuintes não tem sido revertido pelos Tribunais Regionais Federais das diversas regiões do país, cujas decisões repetem o que é visto no CARF. Comum à maioria das decisões é a interpretação de que o STF teria estabelecido a presunção absoluta de que não existem medidas capazes de impedir ou mitigar os efeitos nocivos do ruído.

Embora o cenário atual seja desalentador para as empresas, existem decisões que afastam a cobrança, quando comprovada a redução do ruído a patamares permitidos. É o caso do acórdão proferido pelo TRF da 4ª região, que manteve a sentença de procedência dos embargos à execução fiscal oferecidos por empresa da indústria têxtil. O Tribunal regional não repetiu o equívoco de que o STF teria fixado presunção absoluta da impossibilidade de atenuação do ruído, razão pela qual dá-se destaque à decisão neste artigo.

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Como bem observado pela Turma julgadora, o lançamento tributário é regido pelo princípio da verdade material, admitido o arbitramento apenas de forma excepcional, nos termos do artigo 148 do Código Tributário Nacional.

O adicional previdenciário é devido, exclusivamente, em relação ao empregado que faz jus à aposentadoria especial. O benefício previdenciário, por sua vez, é concedido ao empregado exposto de maneira efetiva e permanente ao agente nocivo.

Há, portanto, um encadeamento rigoroso de condições antecedentes e necessárias quando se trata da concessão do benefício e da exigência da contribuição social que o custeia.

Assim, a interpretação sistemática e harmônica das normas que disciplinam o benefício previdenciário e sua fonte de custeio impõe a conclusão de que é imprescindível a comprovação da efetiva e permanente exposição do empregado ao agente nocivo, para que seus consectários sejam exigíveis.

Logo, na hipótese em que a presença dos agentes nocivos é reduzida a patamares permitidos, não há direito à aposentadoria especial e tampouco é devido o adicional previdenciário.

A sua exigência com base em presunção, em razão de meramente haver ruído em nível acima do permitido – sem aferição do nível da pressão sonora efetivamente absorvida pelo empregado – viola a tipicidade tributária.

O princípio da tipicidade é dirigido ao legislador, que, ao instituir o tributo, deve se ater aos critérios materiais dados pela Constituição Federal na outorga das competências tributárias aos entes federativos. 

A tipicidade busca promover a segurança jurídica, garantindo a previsibilidade e determinabilidade da tributação, interditado o emprego de cláusulas gerais e conceitos demasiadamente abertos. Por sua vez, os critérios da regra-matriz de incidência, previstos na lei, devem ser observados pelo aplicador do direito, sob pena de fragilizar e tornar inócua a tipicidade exigida da lei instituidora do tributo.

A adequação normativa, na interpretação e aplicação do Direito, é um mandamento que decorre da unidade e coerência do ordenamento jurídico. Em direito tributário, a adequação é imposta, também, pelo princípio da legalidade, do qual a tipicidade é a dimensão material.

A concessão de aposentadoria especial e a cobrança do adicional previdenciário para seu custeio, sempre que houver ruído acima dos limites permitidos, independentemente da sua atenuação por medidas de proteção, contraria a materialidade do artigo 195, II, bem como a vedação prevista no artigo 201, § 1º, II, da Constituição Federal.

Portanto, a verificação se houve, de fato, exposição do empregado à ação de agente nocivo à sua saúde é indispensável para que se possa definir se há subsunção da realidade concreta à hipótese descrita na norma tributária.

A inafastabilidade da análise das circunstâncias concretas, aliás, pode ser deduzida do próprio precedente estabelecido pelo STF no Tema 555, uma vez que constou expressamente do voto do relator do ARE 664.335, ministro Luiz Fux, que a tese firmada para o ruído foi solução provisória e sujeita a revisão à luz do conhecimento científico. Somente com base na verificação casuística será possível aferir essa evolução científica e promover a revisão mencionada.

Uma década depois do julgamento do Tema 555 pelo STF, são inúmeros os estudos que atestam que os equipamentos de proteção individual, aliados a medidas administrativas, são capazes e suficientes para eliminar a prejudicialidade do ruído. Mencionamos algumas conclusões relevantes desses estudos neste artigo.

Diante dos elementos de prova produzidos no processo citado acima, que demonstraram que o ruído fora atenuado a patamar inferior aos limites de tolerância vigentes, o TRF da 4ª Região manteve a decisão que extinguiu a execução fiscal, em respeito à inafastável tipicidade tributária.

É relevante frisar que as provas analisadas foram produzidas de forma contemporânea ao período fiscalizado. Aliás, sob o argumento de que a prova pericial retroativa e indireta teria sua utilidade comprometida (dado que se reportaria a época remota e se basearia nos documentos já apresentados pelas partes), foi negado o pedido de perícia feito pela União e afastado seu argumento de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

Assim, a aferição das condições ambientais e a implementação de medidas de proteção e prevenção devem ser registradas e documentadas pelas empresas, de forma contínua e permanente, pois a elaboração de prova pericial em momento ulterior pode não ser capaz de fornecer dados suficientes para a resolução de disputas, trabalhistas ou tributárias.

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A decisão tomada pelo TRF da 4ª Região respeitou a regra-matriz de incidência tributária do adicional previdenciário, em observância à legalidade e à tipicidade tributária, bem como aplicou corretamente a tese firmada no Tema 555, visto que prestigiou as conclusões técnicas acerca da atenuação e a consequente eliminação da nocividade do ruído pela adoção de medidas de proteção no caso concreto.

Sejam precedentes como o citado acima, seja a ADI 7773 ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) no início deste ano de 2025, espera-se que as razões aqui expostas possam suplantar o entendimento atualmente visto nas decisões administrativas e judiciais sobre o tema, de modo a concretizar a ordem de reavaliar, à luz da evolução do conhecimento científico, as conclusões a que chegaram os Ministros do STF uma década atrás.

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