Os invisíveis do Brasil: a atualização normativa sobre as operações financeiras pela Receita

O ano de 2025 começou com uma grande polêmica, em que muitas notícias inverídicas se propagaram junto à população, mais ainda por se tratar de uma forma de pagamento de extrema popularidade, como é o Pix.

Sem entrar efetivamente no mérito destas notícias falaciosas de taxação pela Receita Federal dos pagamentos via Pix realizados pelos brasileiros, fato é que interessantes reflexões, sobre algumas situações, as quais nas minhas andanças de aposentada, acabei por deparar.

Sim. O ano de 2025 iniciou e logo nos seus primeiros dias minha aposentadoria foi publicada no Diário Oficial da União, ao passo que, em paralelo, ganhou espaço nos meios de comunicação e nas mídias sociais o pavor da população em realizar transferências via Pix. E tal fato causou-me verdadeira perplexidade.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Contudo, fato mais grave, inobstante todas as desmistificações das autoridades fiscais, e até a posterior revogação do normativo, é que muitos brasileiros, acabam por desparametrizarem (espero que exista esta palavra) qualquer monitoramento que o fisco porventura necessite realizar. Ou seja, como comparar o que se declara na pessoa física com a movimentação financeira, se não há declaração de pessoa física? Como fazer cruzamento se não há dados suficientes para tal concretização? 

Caro leitor, existe uma faixa de indivíduos no Brasil que sequer declara imposto de renda ou mesmo sabe da importância desta obrigação. Não por estarem isentos. Simplesmente porque são invisíveis aos olhos do Fisco. O Censo não é suficiente para gerar as informações necessária para que possa haver um monitoramento eficaz e quem paga esta conta?

Sergio André Rocha traz importante reflexão acerca do dever fundamental de pagar tributos. Afirma que “é natural que se editem regras que limitem ao máximo a atuação das autoridades administrativas, que são vistas como potencialmente agressoras do patrimônio privado. De outro lado, um ordenamento jurídico em que se reconhece que o dever de pagar tributos é um dever constitucional deverá ponderar o direito de proteção do patrimônio com a obrigação de contribuir”[1].  

Ou seja, a referência aqui na hipótese que a partir deste contexto e da polêmica envolvendo as transações com Pix é que temos um recorte da população que possui rendimentos, mas não os declara, quando seria obrigatória a respectiva apresentação de declaração. Vejam que não estou tratando da camada mais pobre da população ou mesmo dos informais, que precisam de alguma forma levar sustento às suas famílias. Também não é viés deste artigo tratar dos que fraudam e sonegam. Mas sim daqueles que simplesmente não possuem informação de como necessitam proceder. Não são orientados, em que pese o grau de escolaridade, de que anualmente precisam prestar contas de seus rendimentos para o fisco, com o objetivo de levar ao conhecimento do Estado a sua própria existência.

Valter Shuenquener de Araújo[2], no seu livro, O Princípio da Proteção da Confiança, logo na introdução traz interessante passagem sobre um estudante que havia perguntado a Confúcio o que tornaria uma organização estatal excelente:

Após detidamente refletir sobre a indagação, o filósofo respondeu que a excelência adviria de um exército competente, das riquezas, das riquezas dos cidadãos e da confiança que o povo deposita em seu soberano. Irrequieto, o estudante novamente questionou a que seria possível renunciar caso nem tudo pudesse ser alcançado. Provocado, Confúcio respondeu que a confiança era a única coisa que não poderia ser abandonada. Comida e bebida, disse o sábio, são necessárias para a sobrevivência e sem elas o ser humano acaba perecendo. No entanto, a inexistência de confiança é algo impossível de se admitir, pois um Estado não viveria um dia sem ela.

Suponhamos que o chamado invisível porventura obtenha um ganho líquido de 15.000 (quinze mil) reais mensais com prestação de quaisquer serviços, ou seja, serão 180.000 (cento e oitenta) mil por ano e não se enquadra em nenhum critério que o desobrigue a apresentar declaração; este, provavelmente, faz operações via Pix e tem conta em algum banco, digital ou não. Além disso, estes invisíveis, que sequer conhecem as consequências desta omissão, podem fazer a diferença, diante de um monitoramento que, provavelmente, necessitará da confluência de esforços entre União, Estados e Municípios para orientarem estes potenciais contribuintes que podem sim fazer a diferença dentro da sociedade. Uma camada de pessoas que estão à margem da tributação por falta de orientação, de diálogo, de mais demonstrações pela Administração Pública de que fazem a diferença na melhoria dos serviços que um dia eles próprios poderão necessitar. Vejo aí, uma lacuna em que se faz necessário investir na questão do dever fundamental de pagar tributos.

Este ponto eu tive oportunidade de presenciar em apenas alguns debates que acompanhei na imprensa (agora com o tempo de aposentada que passei a ter) e entendo ser extremamente importante que esta Receita Federal, que tem mudado substancialmente sua perspectiva para buscar o consensualismo, a cooperação e, principalmente, abrir o diálogo com a sociedade, também tratar da justiça fiscal, hoje, também princípio constitucional em vigor que norteia o sistema tributário nacional precisa trazer os invisíveis do Brasil para o núcleo da tributação.

Para Edneia de Oliveira Matos Tancredo, “vivemos atualmente em uma sociedade cheia de contradições: a única certeza é que a individualização, a diferença e o ceticismo estão inscritos em nossa cultura. Com base nessas constatações, precisamos criar um novo sentido de coesão social.”[3]

Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!

Exatamente. Esta sociedade não possui a informação do quão importante é o seu papel no âmbito da tributação. E a questão da controvérsia envolvendo o PIX reacendeu um debate que se encontra adormecido, quando em um passado não muito distante, era obrigatória a atualização do CPF, por exemplo. E que, novamente, passará a ser, já que até 2033 haverá um único número de identificação. Mas e até lá? Como a Receita Federal pode tratar os invisíveis do Brasil?

Como controlar? Aguardar até 2033? Sinceramente, não entendo que seja um bom caminho.

E é neste ponto lacunoso que a atuação do fisco orientativo, do fisco dialógico, do fisco informativo que deveria haver maior concentração de esforços. 

Os invisíveis que não conhecem as regras e não entendem a importância da sua contribuição para a melhoria do país, muito diferente daqueles que efetivamente não querem pagar tributos, estão à deriva e precisam entender sua importância no conjunto social a que pertencem. Vejam, não há comparativo ou monitoramento para os invisíveis. Eles estão aí, espalhados pelo país.

Portanto, diante toda esta discussão envolvendo o Pix e as manifestações das autoridades, da revogação do ato normativo, da edição de MP sobre o tema, a reflexão que fica é que temos, sim, a necessidade da informação, de buscar estes invisíveis para que, de forma maciça, entendam o quanto regularizar ou mesmo aparecer aos olhos fiscais se torna uma importante ação de cidadania.

“A partir do momento que pagamos tributos – notadamente impostos – para custear despesas públicas que beneficiam terceiros, e não a nós mesmos, a imposição tributária se baseia na solidariedade (…) Nota-se, portanto, que o valor solidariedade fundamenta a cobrança de tributos daqueles que manifestam capacidade econômica, para financiar atividades estatais que beneficiem cidadãos que têm menor chance ou nenhuma capacidade contributiva”. (grifei)

Porém, estas premissas não se aplicam aos invisíveis do país.

Como solucionar a questão? Acredito que passa a ser um grande desafio para o ambiente tecnológico e através da troca de informações entre entes tributantes.

Porém, entendo que a polêmica de notícias inverídicas acabou por gerar reflexões as quais tanto a sociedade quanto o Estado deveriam se atentar, pois as medidas não serão aplicadas aos invisíveis, se não emergirem através da informação e da conscientização não de uma solidariedade coercitiva, como aduz Fabio Zambitte[4], mas de uma solidariedade cooperativa.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Afirmo que o igual respeito aos indivíduos se reflete na liberdade de cada participante para admitir ou rechaçar razões oferecidas por via de justificação, enquanto o interesse pelo bem comum se funda no interesse de exigir que cada participante leve em consideração necessidades, interesses e sentimentos de todos os demais e lhes conceda igual peso, tais quais seus próprios[5].

Com a força da clareza, com a força do argumento, com o viés negociativo, com a força do diálogo e da comunicação, com a força da busca pela harmonização de ideias e menos beligerância. Ideias utópicas? podem até ser, mas críveis, diante de alguma consciência de que precisamos progredir, mudar, aprender o modo democrático de se viver e conviver com a tributação e, portanto, tratar do consensualismo com a delicadeza e importância que ele carrega em todos os cidadãos e perante o Estado[6].

É neste viés que entendo a importância da atualização da legislação, a melhoria na divulgação e comunicação no tocante à busca pelos invisíveis do Brasil, por pleno dever de justiça fiscal, hoje, princípio constitucional que deve ser observado pelo sistema tributário nacional.


[1] ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. P. 27.

[2]Araújo de, Valter Shuenquener. O Princípio da Proteção da Confiança. 2ª edição. Editora Impetus. Niterói. 2016. p. 1

[3] ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 87 e 89.

[4] IBRAHIM, Fabio Zambitte, in Rocha, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 87

[5] SIMANTOB, Andréa Duek. Consensualismo no âmbito da Receita Federal do Brasil. Editora Letramento. 2024.p. 185

[6] Ibidem. p. 187

Referências

ARAÚJO de, Valter Shuenquener. O Princípio da Proteção da Confiança. 2ª edição. Editora Impetus. Niterói. 2016. p. 1

IBRAHIM, Fabio Zambitte, in Rocha, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 87

ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. P. 27.

ROCHA, Sergio André. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020. p. 87 e 89.

SIMANTOB, Andréa Duek. Consensualismo no âmbito da Receita Federal do Brasil. Editora Casa do Direito. 2024. P. 185 e 187.

TANCREDO, Edineia de Oliveira Matos. Princípio da Solidariedade. Estado, Sociedade e Direitos Fundamentais. Editora Academia Olímpia. São Paulo. 2012. P. 23.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.