Acordos com a Administração Pública: o novo normal?

Nos últimos anos, tornou-se comum ver acordos administrativos sendo celebrados para resolver disputas em contratos de concessão. Negocia-se tarifa, cronograma, extensão de prazo, novos investimentos, reequilíbrio – tudo por meio de termos amplos, firmados à margem dos instrumentos ordinários.

A prática ganhou aura de modernidade e eficiência, sendo exaltada por agências reguladoras, concessionárias, órgãos de controle e até pelo próprio TCU, que criou a Secex-Consenso para fomentar soluções negociadas. Mas será que há exagero?

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Não se discute aqui o valor da consensualidade. Ao contrário: ela é parte natural da boa gestão contratual, que depende de diálogo contínuo entre os parceiros da concessão. Acordos bem calibrados têm seu lugar – especialmente diante de impasses que exigem uma solução tempestiva, sem os altos custos do litígio. O problema é quando esses ajustes pontuais dão lugar a repactuações de largo alcance, que se tornam regra e deixam de ser exceção.

O risco é transformar o que deveria ser uma ferramenta extraordinária em solução ordinária para corrigir problemas que poderiam – e deveriam – ser tratados por meios próprios, com base em mecanismos estabelecidos no próprio contrato. Quando se recorre sistematicamente a grandes reconfigurações contratuais por acordo, o instrumento deixa de ser remédio para virar sintoma. Sintoma de falhas na modelagem contratual, de déficit de governança ou de pouca disposição para exercer a autoridade pública com clareza e responsabilidade.

Pior: se tudo pode ser renegociado depois, qual é, afinal, a força normativa tanto do edital quanto do contrato? Não estaria sendo esvaziado o próprio papel da licitação e da prévia definição de riscos? Em um contexto assim, o que é regra e o que é exceção? Quais são os limites?

É legítimo buscar soluções negociadas em momentos de crise entre as partes. Entretanto, nem toda disputa contratual decorre de um conflito jurídico real. Muitas vezes, o problema está no desarranjo estrutural da Administração Pública, no personalismo interpretativo ou no abandono de instrumentos ordinários de gestão[1]. Acordos não substituem planejamento, nem corrigem, por si sós, falhas institucionais.

Por isso, é fundamental fortalecer a gestão ordinária dos contratos e investir em mecanismos institucionais que acompanhem de modo contínuo a execução das concessões. Muitas vezes, a escalada até o acordo tem origem na ausência de revisões bem conduzidas, na falta de respostas oportunas ou em estratégias mal calibradas de negociação. Caso seja banalizado, o uso desse tipo de acordo pode abrir espaço para soluções casuísticas, insegurança e particularismos[2], minando a confiança no regime contratual. Acordos podem ser bem-vindos – mas desde que permaneçam na sua função própria: a de solucionar, com parcimônia e legitimidade, conflitos que verdadeiramente escapem às ferramentas ordinárias da boa gestão.

É hora de resgatar a excepcionalidade dos acordos para preservar sua legitimidade.


[1] Como observa Carlos Ari Sundfeld, parte relevante da litigiosidade atual decorre mais de falhas institucionais do que de controvérsias jurídicas propriamente ditas. Ver: SUNDFELD, Carlos Ari. Artigo: Como conter a litigiosidade em temas administrativos? O Globo, Rio de Janeiro, 21 mar. 2025. Blog Fumus Boni Iuris. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/fumus-boni-iuris/post/2025/03/artigo-como-conter-a-litigiosidade-em-temas-administrativos.ghtml​. Acesso em: 16 abr. 2025.

[2] O risco de particularismos e soluções casuísticas nos espaços de consenso com o Estado também foi identificado por Anderson Schreiber, ao destacar os perigos de um consensualismo desmedido. Ver: SCHREIBER, Anderson. Consensualismo na Administração Pública: suas vantagens e seus perigos. JOTA, São Paulo, 17 dez. 2024. Coluna do Anderson Schreiber. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-anderson-schreiber/consensualismo-na-administracao-publica-suas-vantagens-e-seus-perigos. Acesso em: 16 abr. 2025.

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