A decisão do ministro Gilmar Mendes no âmbito do RE 1.398.006, que determinou a suspensão nacional dos processos sobre a licitude de contratos com pessoas jurídicas para prestação de serviços, prática comumente associada à chamada “pejotização”, projeta efeitos imediatos e relevantes sobre o ambiente jurídico das empresas.
O reconhecimento da repercussão geral pelo plenário do STF inaugura um novo capítulo no debate sobre a fronteira entre a autonomia contratual empresarial e os limites impostos pela legislação trabalhista. Ainda que o mérito da controvérsia não tenha sido julgado, a suspensão dos processos em curso representa um marco processual de alto impacto, que obriga as companhias a analisarem, com apoio jurídico qualificado, seus modelos contratuais vigentes e os riscos regulatórios associados a eles.
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Esse não é apenas um debate jurídico. É uma questão de estratégia empresarial diante de um cenário de insegurança interpretativa que, nos últimos anos, tem gerado decisões judiciais dissonantes, mesmo em situações com substrato fático semelhante.
A discussão central do recurso extraordinário gira em torno da validade da contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços nos casos em que, na prática, estejam presentes elementos característicos da relação de emprego, como subordinação direta, pessoalidade, habitualidade e onerosidade.
O argumento empresarial, amparado nos princípios da liberdade contratual e da livre iniciativa (artigos 1º, IV; 170, caput e parágrafo único da Constituição Federal), sustenta que a contratação via PJ é legítima sempre que não houver dissimulação ou fraude à legislação trabalhista. Setores inteiros operam com base nesse entendimento, especialmente onde a especialização técnica, a autonomia profissional e a flexibilidade operacional são elementos essenciais do modelo de negócio.
Por outro lado, parte da jurisprudência trabalhista tem adotado uma postura mais restritiva, desconsiderando a autonomia formal dos contratos quando identifica padrão de subordinação funcional ou integração do prestador na rotina interna da empresa.
A decisão do STF, ao suspender todos os processos em curso, busca uniformizar o entendimento sobre o tema, conferindo segurança jurídica e previsibilidade a uma matéria que, até aqui, tem sido marcada por elevada dispersão interpretativa.
Para as companhias que mantêm estruturas contratuais com prestadores PJ, a suspensão dos processos não elimina riscos, mas cria um intervalo decisório que pode e deve ser utilizado de forma estratégica. Não se trata de um período de paralisação. Trata-se de um momento de análise, revisão e, se necessário, reorganização.
O apoio dos departamentos jurídicos, tanto internos quanto externos, pode ser decisivo para a condução de medidas que fortaleçam a integridade dos contratos existentes, com atenção a alguns pontos críticos:
- Clareza na descrição dos serviços prestados e na autonomia técnica da atividade contratada.
- Comprovação de existência formal da livre manifestação das partes sobre o formato da contratação.
- Ausência de elementos de subordinação, controle direto ou inserção em cadeia hierárquica da empresa.
- Existência de estrutura empresarial própria, múltiplos tomadores e gestão de risco por parte do prestador.
- Consistência entre a prática operacional e os termos contratuais formalizados.
Além disso, é possível que a suspensão leve ao represamento de decisões que, ao fim do julgamento, sejam liberadas em bloco. Dependendo do teor da tese fixada pelo STF, os impactos podem variar de redução/aumento de passivos, tanto sobre o aspecto de conteúdo da decisão que vier a ser proferida, como a modulação dos seus efeitos.
Por isso, não se trata apenas de uma questão jurídica. É uma pauta que se conecta diretamente ao modelo de negócio, à gestão de riscos, ao compliance trabalhista e à reputação institucional.
O julgamento do STF tem potencial de consolidar um novo paradigma sobre a organização da força de trabalho no país. Ao se debruçar sobre a licitude da contratação de PJs, a Corte Constitucional terá a oportunidade de enfrentar um tema sensível à modernização das relações produtivas, inclusive sob a perspectiva da segurança jurídica das empresas.
Se confirmada a legitimidade de modelos que observem critérios objetivos de autonomia e formalidade, o impacto tende a ser positivo para o mercado, desde que a decisão adote cuidados técnicos compatíveis com a diversidade das relações contratuais. Por outro lado, uma orientação restritiva, sobretudo se descolada da realidade operacional de determinados setores, poderá exigir reestruturações contratuais e maior rigor na governança da terceirização.
Nesse contexto, é recomendável que as empresas se mantenham atentas à evolução do tema, inclusive no acompanhamento técnico da tese que será fixada pela Corte. Esse não é um tema lateral. Trata-se de uma discussão central para qualquer companhia que busque conciliar eficiência operacional, segurança jurídica e respeito às normas laborais.
A suspensão não é um alívio. É uma advertência. E o tempo para agir, tecnicamente, é antes da decisão.