Imagine órgãos da advocacia pública que se destaquem não apenas pela atuação judicial, mas também pelos planejamentos estratégicos e pela capacidade de inovar. A Administração Pública está sendo impelida a gerir as instituições com metodologia e ferramentas até então utilizadas somente pelo setor privado.
A aplicação da inteligência artificial ao Direito encontrou solo fértil no Judiciário brasileiro diante do número de processos judiciais – quantidade de dados e do fenômeno da litigância de massa, além da quantidade de atos padronizáveis –, mas a tecnologia da informação do setor público ainda requer maior grau de maturidade e decisões em nível estratégico.
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A necessidade de inovação deixou de ser apenas tecnológica para alcançar o próprio servidor público. Quando os temas são gestão estratégica e inovação, o atual cenário mostra que ainda estamos distantes do alvo, contudo a jornada já foi iniciada. Para a procuradora e o procurador público atuarem com eficiência, a instituição deve ser gerida com estratégia, as pessoas devem estar motivadas e precisam ser ouvidas e a inovação deve ser cultura.
A definição de metas, valores e missões é um desafio para o operador do Direito. Os cursos de graduação não costumam contar com disciplinas da ciência da administração e a aplicação de métodos, ferramentas e boas práticas do setor privado nem sempre é possível de ser realizada no setor público sem as devidas adequações.
Uma pesquisa realizada em 2022 pela Rede Nacional de Gestão Estratégica e Inovação das Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Renagei)[1], mostra que 28% das procuradorias públicas não têm missão, visão e valores escritos, 36% não possuem planejamento estratégico, 57% não utilizam cadeia de valor[2] na gestão e 71% não realizam gestão de riscos em atividades e projetos.
Esses dados demonstram a incipiência da gestão estratégica nas procuradorias públicas e apontam para a necessidade de capacitação e formação de procuradores-gestores.
O avanço tecnológico alcançou em cheio o meio jurídico. O mundo de abotoaduras e menções em latim não ficou imune às velozes tecnologia da informação, ciência de dados e estatística. O Direito e a matemática uniram-se para produzir a jurimetria, mecanismo fundamental ao endereçamento de teses e à racionalização da judicialização. Contudo, as instituições de advocacia pública não parecem estar preparadas para suportar a corrida tecnológica.
O relatório descritivo da pesquisa conduzida pela Renagei[3] informa que 57% das procuradorias públicas não possuem comitê gestor de TI, 64% não têm plano estratégico de TI e 71% não têm plano diretor de TI. Atualmente, não é mais possível consentir que a alta liderança evite ou delegue decisões estratégicas em TI, sob o argumento de ser área técnica.
Além disso, a procuradora e o procurador público do futuro deverão possuir conhecimento tecnológico em seu repertório jurídico. Dessa forma, é importante, além da obtenção de conhecimentos técnicos mínimos, a disposição política da alta liderança para decidir estrategicamente sobre temas que não podem mais ser delegados a um setor de tecnologia da informação, por mais técnico e eficiente que seja.
A capacidade de inovação é inerente à humanidade. A descoberta do fogo, a invenção da roda, a internet, os smartphones e a inteligência artificial são exemplos que mostram que o homem sempre inovou. Não apenas hoje, não apenas agora: mas, sempre. Contudo, o grande desafio não é inovar, mas sim manter a inovação constante e prover ambiente propício à essa cultura.
Na estrutura hierarquizada da Administração Pública não são comuns espaços de fala nos níveis tático e operacional, onde as pessoas colocam a mão na massa, às quais, naturalmente, são as mais habilitadas a inovar no dia a dia de seus trabalhos. Mais uma vez, a pesquisa da Renagei demonstra a aridez nesse campo ao apontar que em apenas 7% das procuradorias públicas o conceito de inovação está definido para toda a organização.
Em cerca de 63% dos órgãos não há ou não está minimamente estruturado um setor dedicado à inovação e em nenhuma procuradoria pública estadual e distrital respondente existe um comitê ou fórum de inovação instituído. Paralelamente, a pesquisa informa que a alta liderança apoia os esforços de inovação e que os procuradores e servidores têm liberdade para propor novas ideais.
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A inovação do servidor público é indispensável. Em termos de gestão estratégica e inovação, as pessoas são elemento primordial para movimentar a advocacia pública brasileira. Como motivá-las? Em nossa experiência, é notável reparar que esse território não tem mapa. Não há uma regra que possa ser seguida. Não há uma abordagem comum e geral que possa ser utilizada. É nessa enorme riqueza da diversidade humana, respeitando cada um como ser humano, dotado de razão e emoção, que é possível extrair e resgatar nas pessoas a vocação de servir ao público.
O caminho para a advocacia pública tornar-se estratégica e inovadora não é totalmente conhecido. De todo modo, sabemos onde estamos e aonde queremos chegar: capacitarmo-nos para temas técnicos não jurídicos, ampliando o cabedal do conhecimento que nos forma para além dos muros do Direito, gerir estrategicamente nossas instituições, desenvolver projetos com início, meio e fim, abraçar as novas tecnologias, propiciar espaço de fala às pessoas da organização e cultivar a inovação sem medo da experimentação e dos prováveis e necessários erros. Imagine a nova advocacia pública brasileira que despontará nesse horizonte!
[1] Disponível em https://drive.google.com/file/d/1365NPFvpiZNMiITDWEvZobBEB2eFELNK/view (28/05/2024).
[2] Cadeia de valor: instrumento que possibilita o entendimento dos processos de trabalho de uma instituição com foco em resultados
[3] Relatório Descritivo de Governança e Inovação. Disponível em https://drive.google.com/file/d/1365NPFvpiZNMiITDWEvZobBEB2eFELNK/view (28/05/2024).