O STF e a aposentadoria das mulheres policiais

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou no último dia 24 de abril a liminar concedida pelo ministro Flávio Dino na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.727, ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil).

A decisão, de impacto imediato — cujos efeitos já estão em vigor desde a concessão da liminar —, mantém a garantia às mulheres policiais o direito de se aposentarem três anos antes dos homens, corrigindo a equiparação inconstitucional promovida pela última reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019).

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Ao reconhecer a plausibilidade da tese que sustenta a inconstitucionalidade da equiparação etária entre homens e mulheres para fins de aposentadoria especial, o STF reafirma sua função contramajoritária de guarda da Constituição, especialmente quando o legislador se omite em corrigir distorções que afetam direitos fundamentais.

A confirmação da medida cautelar pelo pleno representa um marco na atuação do STF em defesa da isonomia material de gênero e acende um debate importante sobre os limites e responsabilidades da jurisdição constitucional: o Supremo pode (ou deve) estabelecer critérios que seriam próprios do legislador, quando há omissão inconstitucional?

Na ADI 7.727, o maior desafio jurídico não foi demonstrar que a EC 103/2019 havia incorrido em inconstitucionalidade ao exigir os mesmos requisitos etários para aposentadoria de homens e mulheres policiais.

Essa violação era evidente, considerando não apenas o acervo normativo constitucional — que consagra a igualdade material e a vedação ao retrocesso social —, mas também a jurisprudência da própria Corte sobre diferenciação de gênero no campo previdenciário (como no Tema 452[1] da Repercussão Geral).

O desafio central foi outro: construir uma solução judicialmente viável para essa inconstitucionalidade, sem usurpar a função legislativa.

Por isso, optou-se por formular um pedido técnico e prudente: a declaração de inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, das expressões que impunham idades idênticas para ambos os sexos. A ideia era afastar a equiparação inconstitucional e, simultaneamente, solicitar ao Supremo que conferisse interpretação conforme à Constituição, fixando uma idade mínima inferior para as mulheres — ainda que o número exato não estivesse positivado.

Essa técnica de decisão (utilizada com parcimônia pela corte) permite ao STF suprir a lacuna normativa criada por uma omissão inconstitucional do legislador, quando estiverem em jogo direitos fundamentais. A alternativa, nesse caso, seria a perpetuação da desigualdade material.

O Supremo, ao fixar o redutor de três anos, escolheu um caminho de equilíbrio institucional: corrigiu a omissão com base na Constituição e em sua jurisprudência. Trata-se, em essência, de um exemplo legítimo e justificado de ativismo judicial — ou melhor, de “judicialização virtuosa” dos direitos fundamentais, como prefere parte da doutrina constitucional contemporânea.

Mais do que um precedente isolado, a decisão projeta consequências relevantes para toda a estrutura do serviço público. Mulheres que exercem funções de risco e de intensa sobrecarga emocional e física — como policiais, agentes penitenciárias e profissionais da segurança — passam a ter sua realidade reconhecida no plano do direito.

O impacto da medida, já em vigor, além de institucional, é imediato e concreto: milhares de mulheres policiais em todo o Brasil já podem requerer a aposentadoria com base no redutor etário fixado pelo STF, e aquelas que permanecem em atividade mesmo após preencherem os novos requisitos passam a fazer jus ao abono de permanência, medida de reconhecimento e estímulo à continuidade do serviço público. Trata-se de uma virada real na vida funcional dessas servidoras.

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A liminar, agora referendada, mantém a aplicação prática, mas também simbólica: marca um ponto de inflexão na maneira como o Supremo lida com a igualdade de gênero não como abstração normativa, mas como imperativo constitucional concretizável, mesmo diante da inércia do legislador.

A ADI 7.727 reafirma a jurisprudência de que a igualdade real exige tratamento desigual quando há desigualdade na base da estrutura social. E reafirma, também, que cabe ao Supremo intervir — com técnica, sobriedade e fidelidade ao texto constitucional — sempre que omissões legislativas comprometerem a concretização dos direitos fundamentais.


[1] Tese fixada pelo STF no Tema 452: “É inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia (CF/88, art. 5º, I), cláusula de contrato de previdência complementar que, ao prever regras distintas entre homens e mulheres para cálculo e concessão de complementação de aposentadoria, estabelece valor inferior do benefício para as mulheres, tendo em conta o seu menor tempo de contribuição”.

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