Extrema direita ganha força política e acumula problemas com a Justiça

A extrema direita global passa por um momento de ajuste de contas. Mesmo enquanto seu movimento ganha tração política, as batalhas judiciais estão se intensificando, ameaçando frustrar suas ambições.

Do Brasil à França e à Romênia, líderes e aliados daquele segmento radicalizado do espectro político estão sob crescente escrutínio dos tribunais, os quais colocam em evidência uma ampla estratégia de desestabilização de regimes democráticos que se julgavam consolidados. Há casos em que até mesmo foram desvendadas conexões internacionais que beiram o comprometimento da segurança nacional.

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As cortes tornaram-se, portanto, uma barreira crucial contra o avanço da extrema direita, mas confiar apenas no Judiciário não é suficiente. Para realmente conter os radicais, as sociedades democráticas devem investir no bem-estar social e reafirmar seu compromisso inviolável com valores alinhados ao liberalismo político e sufrágio universal num sistema multipartidário.

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi impedido de concorrer a cargos públicos e agora enfrenta sérios problemas legais, incluindo acusações relacionadas a uma tentativa de golpe. Sua carreira política parece estar chegando ao fim, e a possibilidade de prisão é muito real, o que é extremamente bem vindo em um país cansado da polarização política.

Do outro lado do Atlântico, Marine Le Pen, líder do partido Reunião Nacional, na França, também foi impedida de disputar futuras eleições. Na Romênia, Calin Georgescu foi desqualificado das eleições de maio, enquanto outras figuras da extrema direita na Moldávia enfrentam acusações de agir como agentes da Rússia. Na Alemanha, o partido AfD cresceu nas últimas eleições, mas enfrenta problemas legais locais por extremismo e, claro, é suspeito de ter laços com Moscou.

A conexão entre a extrema direita e a Rússia não é nova nem acidental. Por décadas, Moscou tem apoiado movimentos de extrema direita na Europa e na América do Norte, usando-os como instrumentos para enfraquecer as democracias ocidentais.

Le Pen há muito tempo é criticada por seu relacionamento próximo com Vladimir Putin, tendo recebido financiamento de bancos russos. Na Europa Oriental, a influência russa é ainda mais explícita, com políticos como Georgescu acusados de trabalhar diretamente em nome dos interesses do Kremlin. Ademais, não podemos esquecer os laços nada secretos do húngaro Viktor Orbán com Moscou.

A figura de maior sucesso da extrema direita global continua sendo Donald Trump. Sua presidência foi marcada por políticas alinhadas aos interesses russos, desde o enfraquecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e ameaças à Ucrânia até a desestabilização das alianças dos EUA na Europa. Embora Trump negue ser diretamente influenciado pela Rússia, suas ações consistentemente beneficiaram o regime de Putin.

Ironicamente, o impacto de Trump sobre a extrema direita global nem sempre foi positivo para o movimento. No Canadá, por exemplo, sua influência teve um efeito contrário. O líder conservador Pierre Poilievre, que antes parecia prestes a derrotar os liberais, perdeu força à medida que os eleitores canadenses rejeitam a política no estilo Trump. O que se esperava ser uma vitória fácil para os conservadores agora parece uma vitória esmagadora para os liberais de Mark Carney. Essa dinâmica ressalta uma realidade importante: embora a extrema direita possa explorar a energia populista, seus excessos frequentemente afastam os eleitores mais moderados.

Apesar dos reveses legais na Europa e de algumas vitórias pontuais do campo democrático nos EUA (como impedir um corte total no financiamento da USAID, o braço de Washington para políticas de desenvolvimento e ajuda internacional), a extrema direita não vai desaparecer. Os tribunais têm sido a última linha de defesa contra sua ascensão, mas a intervenção judicial por si só não é uma solução sustentável. Depender de ações legais para remover extremistas do jogo político não aborda as causas profundas de seu apelo de líderes populistas-extremistas.

Se as democracias realmente quiserem sobreviver ao espectro de Trump e companhia, devem adotar medidas proativas além da esfera política. Primeiro, os governos devem investir mais em programas de bem-estar social. A extrema direita prospera num contexto de ansiedade econômica, explorando frustrações com a desigualdade e o declínio do padrão de vida. Ao garantir redes de segurança social robustas, salários justos e acesso à saúde, os governos democráticos podem neutralizar as queixas econômicas exploradas pela extrema direita.

Isso é fundamental no Brasil, cuja economia deve ser fortalecida para conter o bolsonarismo. O país deve buscar uma posição de equilíbrio no cenário internacional enquanto pensa em desenvolver sua economia e melhorar a condição de vida de seus cidadãos.

Segundo, e isso vale especialmente para a Europa, os países devem fortalecer as proteções contra a desinformação russa. O Kremlin tem usado a propaganda como arma para impulsionar movimentos de extrema direita em todo o mundo, utilizando meios de comunicação, redes sociais e agentes políticos para semear a discórdia através de estratégias de desinformação. Os governos precisam investir no jornalismo, regular campanhas de desinformação – por meio da governança algorítmica e da moderação de conteúdo – e educar os cidadãos sobre alfabetização midiática para combater esses esforços.

Por fim, a própria democracia precisa ser reforçada. O desencanto político cria brechas para movimentos autoritários, portanto, expandir os direitos de voto, aumentar a participação política, criar espaços para diálogo aberto e garantir que as instituições democráticas permaneçam fortes são passos essenciais para impedir que a extrema direita ganhe mais espaço.

Estamos em um momento decisivo. A extrema direita global deve ser contida agora, antes que seja tarde demais. No âmbito internacional, a posição da União Europeia no mundo deve ser fortalecida, mostrando uma frente unida de democracias sólidas, com bem-estar social e o bem comum como prioridades. Tendo sobrevivido à tentação autocrática de Bolsonaro, o Brasil não passa impune a esses dilemas. Para a sobrevivência da democracia, deve buscar aliar-se com países que defendem incondicionalmente esse regime político em vez de reforçar laços com ditaduras carcomidas, como é o regime de Putin.

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