O IV Congresso Internacional de Direito Tributário do IAT (Instituto de Aplicação do Tributo), presidido pelo professor Tácio Lacerda Gama, reuniu em abril muitas vozes e mentes em diversos painéis estruturados para debater as modificações do Sistema Tributário Nacional, especialmente no âmbito da tributação sobre o consumo.
Um dos debates acerca dos desafios do novo sistema tributário envolveu a “Governança Fiscal Compartilhada do IBS e da CBS”, desdobrando-se em diversas inquietações centrais, das quais destacamos:
(i) Competência do Comitê Gestor para a uniformização da interpretação e aplicação da legislação do IBS e sua harmonização com a CBS e
(ii) Sujeição Ativa do IBS e o protagonismo dos entes subnacionais.
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Na nossa visão, o grande desafio do novo modelo de federalismo fiscal reside na preservação da “capacidade tributária ativa” dos entes subnacionais associada à entrega de um sistema tributário funcional, eficiente e simplificado.
Até a promulgação da EC 132/23, os entes federativos não compartilhavam os atributos da capacidade tributária ativa entre si; já com o novo modelo de tributação sobre o consumo, que se encontra em fase de regulamentação, caminha-se para uma repartição dos atributos da capacidade tributária ativa entre os entes federativos e o Comitê Gestor, pois:
(i) o poder de arrecadar foi transferido ao colegiado (Comitê Gestor do IBS);
(ii) enquanto os principais elementos da capacidade tributária ativa continuam a pertencer aos entes subnacionais (fiscalização, lançamento, cobrança, representação administrativa e judicial), sob a “coordenação” do Comitê Gestor.
E nesse contexto o Comitê Gestor surge como um espaço comum de reunião das entidades federadas subnacionais e uma oportunidade para a construção, a partir da atuação conjunta da administração tributária e das procuradorias, de muitas soluções para o desafiador exercício compartilhado da arrecadação, coordenação dos principais atributos da capacidade tributária ativa e harmonização de entendimentos acerca da legislação do IBS e CBS.
Sob essa lógica, a “centralização” no CGIBS da competência para “uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação” do IBS e harmonizar com o entendimento da União acerca da CBS é um passo importante para a “integração” entre os entes subnacionais.
Preocupa-nos, no entanto, o desenho conferido aos Colegiados que, no âmbito do Comitê Gestor, exercerão essas competências.
De acordo com LC 214 (art. 321), a competência para a uniformização da interpretação e aplicação da legislação fora outorgada ao “Comitê de Harmonização” composto pelas administrações tributárias federais, estaduais e municipais, cujos entendimentos as vincularão. Ao Fórum de Harmonização, este, sim, integrado pelas procuradorias federais, estaduais e municipais, caberá apenas a atuação como órgão consultivo se provocado pelo Comitê e seus entendimentos vincularão somente os referidos órgãos jurídicos.
Um desenho que traga melhor “Governança Tributária” deve ter por premissa que o processo de constituição e recebimento do crédito tributário, em geral, depende de uma série de atos interpretativos praticados ao longo do processo pelos agentes públicos, ainda que integrantes de carreiras distintas.
Mas essa diversidade de atos, ao final, deve exteriorizar um único entendimento do Estado, e negar tal fato seria o mesmo que admitir que o sistema permite ao Estado manifestar entendimentos contrários ou contraditórios ao longo do processo de constituição do crédito. O que, por certo, esbarraria nos preceitos que reclamam por previsibilidade e segurança jurídica.
Sabemos que, ainda hoje, entendimentos diferentes, que fazem parte de qualquer pluralidade de manifestação, são materializados tanto pelas autoridades fiscais administrativas como pelas procuradorias jurídicas. O momento, no entanto, é de mudança como impõe a EC 132. Logo, nada mais oportuno que modernizarmos nossa estrutura criando colegiados que consigam exteriorizar um único entendimento do Estado enquanto preceito de uma boa governança tributária. Esse o desafio dos colegiados no CGIBS: harmonizar o processo de constituição do crédito como um todo.
Atualmente, as procuradorias têm institucionalizado processos e procedimentos contemplando filtros e seletividade no ajuizamento de execuções fiscais, dispensas recursais e modernização da dívida ativa, com protesto e transação tributária. Estamos a falar de atores e diretrizes essenciais nesse processo de harmonização.
Nos parece que a participação das procuradorias no exercício de sua missão constitucional de consultoria jurídica (art. 132 CF) é tema que interessa aos Estados, aos Municípios, ao contribuinte, ao setor produtivo, a quem investe capital privado no país.
A ausência de certeza na aplicação das leis retira a confiança no Estado e desestimula os investimentos e a expansão de atividades econômicas.
Relembremos que o desenho do IBS/CBS foi idealizado para trazer segurança jurídica, transparência e melhorar o ambiente de negócios.
Acreditando nas premissas da reforma tributária e buscando contribuir com a regulamentação, destacamos alguns caminhos:
a) Atuação conjunta da administração tributária e das procuradorias no CGIBS e o reforço da governança nos colegiados, a partir de um modelo cooperativo e integrado de atuação na representação dos entes subnacionais que viabilize aquela garantia constitucional inicial que abordamos: o compartilhamento dos atributos da capacidade tributária ativa entre os entes e o CGIB.
Como acreditar na cooperação entre Estados e Municípios no novo STN sem a integração dos “agentes do Estado” (administração tributária e procuradorias) no âmbito da estrutura colegiada (CGIBS) instituída para a representação daqueles?
b) Cooperação entre procuradorias enquanto saída apresentada pelo constituinte para a racionalização das atividades dos órgãos jurídicos.
A centralização inicial no CGIBS da uniformização da interpretação da legislação do IBS entre os entes subnacionais perderá o sentido se a etapa final de cobrança do crédito tributário continuar a ser exercida pelas procuradorias de forma segregada e desconexa.
c) Evolução da parte processual da reforma tributária:
Os entes subnacionais, por escolha do constituinte, mantêm o protagonismo nas atividades de fiscalização, lançamento e cobrança administrativa e judicial. Com isso, o debate acerca da sujeição ativa do IBS, dos legitimados para ocupar um dos polos da relação jurídico-processual tributária e da justiça competente para julgar as demandas envolvendo o IBS.
A pulverização do contencioso judicial se apresenta como um desafio para a uniformização do entendimento, trazendo insegurança jurídica e litígios.
No “GT Procuradorias na Reforma Tributária”, constituído pela AGU (Portaria 112/2023), que reúne membros da advocacia pública federal, estadual e municipal, coordenado pelo professor Leonardo Alvim, iniciou-se um importante debate em torno da criação de um foro nacional reunindo magistrados federais e estaduais com competência para julgar o IBS e a CBS.
No exato momento em que os debates fluíam durante o Congresso do IAT, foi publicada a Portaria CNJ 96, de 08/04/25, pelo presidente Luís Roberto Barroso, instituindo grupo de trabalho sobre a reforma processual tributária, tendo assento o Colégio Nacional das Procuradorias-Gerais dos Estados e DF, pela presidente, Inês Coimbra, e 11 representantes de Poderes/Instituições com a incumbência de elaborar anteprojeto de emenda à Constituição.
A advocacia pública tem encarado a reforma e o ambiente do CGIBS como uma oportunidade de aperfeiçoarmos nossas atividades, a governança e o autocontrole, e isso só será possível mediante uma atuação conjunta das procuradorias e administrações tributárias.
Nosso reconhecimento à relevância do encontro coordenado pelo professor Tácio Lacerda Gama, que trouxe luz a algumas das nossas inquietações e provocou tantas outras.