O Maranhão é o estado que mais vem passando por mudança no uso da terra nos últimos anos da região MATOPIBA (acrônimo dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), com elevada taxa de conversão da vegetação nativa para sistema produtivo agropecuário. No ano de 1985, o estado possuía uma área de 2 milhões de hectares para atividades agropecuárias e em 2023 esse valor foi para 11 milhões de hectares, um aumento de 9 milhões de hectares convertidos. A área de abrangência do MATOPIBA é conhecida como a última fronteira agrícola do Brasil e responsável por 12% da produção brasileira de soja. Em 2023, de acordo com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a taxa de desmatamento do Maranhão foi de aproximadamente 310 mil hectares, concentrando 94% no bioma Cerrado, posicionando o estado como o que mais desmatou no Cerrado desde 2020.
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A intensa transformação da paisagem com a retirada da cobertura vegetal natural impacta negativamente nos serviços ecossistêmicos como na regulação do ciclo da água e microclima local. Essas alterações colocam em risco a produção agrícola brasileira que depende da chuva e a existência de segmentos camponeses seculares, como agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais, que possuem um modo de vida muito construído na relação terra e território.
O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) tem como missão promover ciência, educação e inovação para uma Amazônia e um Cerrado ambientalmente saudáveis, economicamente prósperos e socialmente justos. A nossa atuação no estado do Maranhão tem se pautado na produção de informação e conhecimento sobre o território, na implementação de iniciativas locais que promovam territórios sustentáveis e no fornecimento de subsídios para influenciar as políticas públicas, dando escala a estas iniciativas. Nesta coluna, conto um pouco sobre como foi este processo de levantamento, apresentação e discussão sobre os dados da região de Chapadinha, leste maranhense, com os atores locais.
As reflexões sobre o que é um território sustentável costumam surgir ou ser alimentadas “de cima para baixo” por meio de governos internacionais, federais e estaduais, investidores, agentes financeiros, agências de cooperativas técnicas internacionais, mercado internacional entre outros. Na contramão desta lógica, provocamos estes atores locais a pensarem o que é um território sustentável para eles. A questão foi levada à uma instância já existente no território, o CDR (Comitê de Desenvolvimento Rural) da região de Chapadinha, espaço de governança territorial participativo com cunho técnico, apartidário e criado em 2019, fomentando a cultura da agenda coletiva local.
O objetivo do Comitê é fortalecer o arranjo produtivo e manejo florestal local para produção de alimentos e geração de renda, articulando os potenciais parceiros locais. Isto porque, a maior insatisfação do CDR era a ciência de que, mesmo possuindo condições climáticas e de solo para produzir alimentos na região, cerca de 96% das verduras, legumes e frutas que abastecem a região são de fora do estado, principalmente do Ceará.
O apoio do IPAM ao CDR iniciou em 2021, com a sistematização de todos os dados secundários sobre a região no Diagnóstico socioeconômico, ambiental e produtivo da microrregião de Chapadinha, Maranhão. A partir de então, promovemos espaços para discutir as informações levantadas que apresentavam a seguinte foto do território: nos 3 milhões de hectares dessa região de Chapadinha, que envolve nove municípios e soma o tamanho aproximado da Bélgica, 90% dos empreendimentos rurais são de agricultura familiar. Destes, 97% não possui acesso a ATER; 95% não tem acesso a crédito; 76% dos agricultores não frequentaram a escola ou apenas os primeiros anos escolares; e apenas 14% das organizações sociais rurais estão ativas na região.
Da população total, 40% representam a população do campo, 60% são jovens e 52% são mulheres. O PIB per capita da região é de cerca de R$8.000 ao ano e a do estado do Maranhão é de R$ 13.956. A maior parte do PIB da região é baseado na administração pública (51%), seguido do setor de serviços (30%) e da agricultura (15%). Cerca de 85 % da população está em condição de pobreza ou extrema pobreza. Ainda, a taxa de mortalidade materna na região é 2 vezes maior que a taxa do estado e 3 vezes maior que a taxa brasileira.
Os dados socioeconômicos possibilitaram uma análise mais complexa do território. A partir dos resultados, o CDR identificou a necessidade de promover capacitações, treinamentos, dias de campo, oficinas e simpósios junto aos agricultores familiares, buscando garantir a participação de jovens e mulheres. O acesso à informação e ao conhecimento é o primeiro passo para contribuir na redução do indicador de pobreza, gerando menor dependência de empregos pela administração pública, aumentando a segurança alimentar e nutricional e oportunidade de geração de renda na região. Com sua experiência e expertise, o IPAM vem apoiado a qualificação da ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) em um esforço de apoiar a produção familiar sustentável de alimentos na região.
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Posteriormente, provocamos a discussão da pauta da conservação ambiental e do Código Florestal (CF), contribuindo para que o CDR adaptasse seu objetivo apenas produtivo para uma abordagem de território produtivo e sustentável na região. A região está totalmente inserida no bioma Cerrado e não faz parte da Amazônia Legal, possuindo 86% de vegetação nativa – sendo 73% formação florestal e 27% savânica – e contabiliza mais excedente ambiental (além do que o CF obriga a preservar como reserva legal de imóveis rurais acima de 20%) do que passivo ambiental (áreas que não estão em cumprimento com o CF, como a ausência de mata ciliar na beira de rios). A região de Chapadinha tem 28% do seu território ocupado por UCs (Unidades de Conservação) de uso sustentável, sendo elas as APAs (Áreas de Proteção Ambiental) de Upaon-Açu-Miritiba e de Morros Garapenses; e a Reserva Extrativista Chapada Limpa – a única com o processo de elaboração do plano de manejo iniciado.
Entre 2004 e 2012, o desmatamento anual da microrregião de Chapadinha esteve em torno de 30 mil hectares, reduzido drasticamente no período subsequente. Entre 2014 e 2018, o desmatamento alcançou níveis de 11 mil hectares de desmatamento anual, sendo que tiveram valores significativamente acima da média. Em 2023, o desmatamento foi de 15 mil hectares*.
A qualificação do tipo de desmatamento (legal ou ilegal) foi uma das principais demandas levantadas pelos atores locais. Atualmente, não é disponibilizado a qualificação do desmatamento de modo centralizado para o estado do Maranhão. A compreensão sobre o desmatamento ilegal é um consenso que é um crime e deve ser prevenido e combatido com educação ambiental, fiscalização e sanções punitivas. Já o desmatamento legal é visto como uma oportunidade de produzir mais e melhorar a economia do estado. Assim, as discussões trouxeram reflexões sobre como conciliar produção agrícola com conservação ambiental e aplicação de boas práticas agrícolas como o manejo conservacionista do solo e a adoção de sistema produtivo integrado em uma economia de transição agroecológica.
Durante os encontros, o IPAM apresentou os benefícios da coexistência entre produção agrícola e conservação ambiental, além da preservação da vegetação nativa e a restauração de áreas degradadas para manter a prestação dos serviços ecossistêmicos, como a regulação do ciclo da água e do clima, a qual é essencial para a agricultura brasileira e da região, que depende mais de 90% da chuva).
Em um sentido mais propositivo, apoiamos a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável da Produção Familiar da microrregião de Chapadinha de maneira participativa. O documento tem como objetivo fortalecer e orientar o planejamento da Produção Familiar, sua estrutura de governança e gestão, na formulação e execução de ações, programas e políticas que visem a promoção do desenvolvimento rural sustentável e qualidade de vida na microrregião de Chapadinha. Este Plano é um guia de soluções que foi estruturado em 10 eixos, como saúde, educação e produção familiar sustentável. O CDR abraçou a estrutura de governança desse Plano.
Por meio deste Plano, o CDR apoiou a escrita de oito propostas para associações locais, com 3 delas aprovadas beneficiando, por exemplo, a Associação dos Produtores Rurais do Quilombo de Bom Sucesso, Mata Roma / Maranhão. Ainda, o Comitê apoiou a realização de um dia de campo sobre Olericultura; realizou dois seminários sobre desenvolvimento territorial sustentável; apoiou a realização de cursos de viveiristas, de SAFs (Sistemas Agroflorestais) e de uso de drone entre outros; está apoiando a implementação de uma unidade demonstrativa de Sistema Agroflorestal na Casa Familiar de Buriti e criou a Câmara Técnica de Sistema Agroflorestal; definiu, priorizou, validou e monitorará os critérios de sustentabilidade territorial e produtivo para a região conforme pode ser visualizado na plataforma TerMaranhense.
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O CDR completou cinco anos em dezembro de 2024, mantendo seu objetivo em fomentar e fortalecer os arranjos produtivos agrícolas e manejo florestal local para a produção de alimentos e geração de renda. Entretanto, ao longo dos diálogos promovidos pelo IPAM, esta instância coletiva decidiu atuar pela abordagem de território sustentável, considerando os aspectos produtivos como também os socioeconômicos e ambientais da região. Muitos desafios ainda existem, mas olhando o caminho percorrido, observamos uma organização mais madura para discutir o futuro da produção de alimento em conciliação com a conservação ambiental.