Gilmar Mendes vota contra pena de perdimento de bens antecipada em delação premiada

Nesta quarta-feira (9/4), o ministro Edson Fachin, relator das PET 6455, PET 6477, PET 6487, PET 6490, PET 6491 e PET 6517, reafirmou o voto de que deve ser imediato o cumprimento da pena de perdimento de bens prevista nas cláusulas dos acordos de colaboração premiada dos executivos da Odebrecht, com o Ministério Público Federal, na Lava Jato. Logo em seguida, o ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, divergiu do colega.

O julgamento, que estava 3 a 2 para que a pena de perdimento de bens fosse imediatamente aplicada, foi reiniciado no plenário físico depois de um destaque do ministro Dias Toffoli. Como só Fachin e Gilmar votaram na sessão desta quarta-feira, agora o julgamento está empatado em 1 a 1.

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Fachin reiterou que não há como invocar os postulados constitucionais do
devido processo legal e da presunção de inocência para que o delator deixe de cumprir as cláusulas estipuladas no acordo de colaboração premiada.

Já Gilmar Mendes divergiu do colega e considerou que não há respaldo legal ou constitucional para a imposição da pena de perdimento de bens de forma imediata. Além disso, afirmou que inexiste no Brasil um modelo de ampla discricionariedade, no estilo do plea bargaining norte-americano, tal como ressaltado pelo STF quando do julgamento da ADPF 569. Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes sobre os limites do acordo de colaboração premiada.

“As amarras estabelecidas pelo princípio da legalidade também afastam, a meu ver, o fundamento estabelecido na decisão recorrida, no ponto em que pretende fazer prevalecer aquilo que foi acordado em detrimento do que se encontra legislado, com a invocação às bases objetivas do negócio jurídico e à inexistência de termo aditivo”, afirmou Gilmar Mendes.

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O decano do STF afirma que os acordos de colaboração premiada são negócios jurídicos limitados por cláusulas constitucionais e legais e que não se pode aplicar uma lógica excessivamente civilista da liberdade contratual para partes que negociam em uma evidente posição de desigualdade, “em que só uma delas pode perder os seus bens e a sua liberdade e nas quais as circunstâncias do caso concreto apontam para a existência de um verdadeiro contrato coercitivo de adesão no que se refere às gravíssimas restrições impostas aos direitos fundamentais acima elencados”.

O ministro também afirma que a execução imediata das sanções de perda de bens viola os limites estabelecidos pelos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência e da individualização da pena , bem como as disposições da Lei 12.850/2013, que exigem a instauração de um processo, a produção de provas externas e autônomas de corroboração e a condenação definitiva dos colaboradores, com a avaliação da validade, da eficácia e da aplicação dos benefícios pactuados nos acordos em sede de sentença.

A celebração dos acordos de colaboração premiada, afirma Gilmar Mendes, não deve acarretar na supressão do processo, não exclui o dever de instauração da fase judicial da persecução penal e nem elimina o ônus da prova, que é constitucionalmente atribuído à acusação. “Por tal motivo, a simples confissão prestada no momento pré-processual de celebração do acordo, nas circunstâncias nebulosas acima explicitadas, sem a corroboração das cláusulas de assunção da culpa com base em elementos externos e autônomos de corroboração e sem a prolação de sentença condenatória que aplique os benefícios acordados entre as partes, impossibilita ou inviabiliza por completo o imediato cumprimento do negócio jurídico em relação à sanção de perdimento de bens”.

Resgate da colaboração premiada

Gilmar Mendes diz que seu voto não é contrário à colaboração premiada, à investigação e a punição efetiva e em prazo razoável de crimes cometidos por organizações criminosas ou contra o ressarcimento de prejuízos causados ao Estado brasileiro.

Ele afirma que “a aplicação das garantias fundamentais do processo aos acordos de colaboração premiada busca ressignificar este instituto e resgatá-lo de um contexto em que foi utilizado para a prática de um incontável número de arbitrariedades”.

Este resgate permitirá, continua o ministro, “que tais acordos cumpram a sua função de servir para a obtenção de provas, para o esclarecimento de fatos de interesse público e para o julgamento efetivo e em prazo razoável de crimes graves, com a aplicação das penas corporais ou patrimoniais cabíveis e o ressarcimento de prejuízos financeiros, sem se converter, em si mesmo, em um instrumento de injustiça e de uso abusivo e expansivo da força”.

“Essa é a única forma de se compatibilizar esse instrumento de justiça negocial com as melhores práticas nacionais e internacionais de combate à macrocriminalidade e de observância ao sistema de proteção de direitos”, conclui Gilmar Mendes.

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