Pode transar na casa dos pais? Início da vida sexual dos filhos é chance para repensar tabus, diz especialista


Se o filho foi muito bem instruído e está preparado para fazer sexo seguro, o lugar é questão menos relevante, explica Lilian Fiorelli, especialista em sexualidade feminina. Ginecologista afirma que lugar mais seguro para adolescentes iniciarem a vida sexual é dentro de casa.
Divulgação/Prefeitura de Hortolândia
A regra é clara na casa do Gabriel: seu filho, de 16 anos, pode levar a namorada para dormir em casa aos finais de semana, mas o casal de adolescente não pode ter relações sexuais enquanto algum membro da família estiver acordado, andando pelo casa.
“Também temos uma filha de 10 anos. Achamos que com essa regra, transar só depois que todos forem dormir, evitamos qualquer constrangimento e não invadimos a privacidade de ninguém”, diz Gabriel.
O pai prefere não se identificar para não expor a família, já que teve discussões com parentes próximos sobre o tema, que julgaram a decisão da família “liberal demais”. “Não somos ‘oba-oba’, liberais demais, nem nada. Sabíamos que nosso filho já tinha iniciado a vida sexual e queríamos que ele transasse em um lugar seguro, mas temos nossas regras e limites”, explica.
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A ginecologista Lilian Fiorelli, especialista em Sexualidade Feminina e Uroginecologia, afirma que colocar limites e respeitar a intimidade de cada pessoa da família é imprescindível nessas situações.
“Os pais e o adolescente têm que conversar tudo antes de liberar que o filho ou filha transem em casa. Não existe uma regra, cada família fará um acordo com a realidade da casa. Podem ter famílias que não vão querer que os filhos transem enquanto os pais estiverem em casa, por exemplo, enquanto que para outras isso não será problema”, diz Fiorelli.
A conversa
Em 17 anos de atendimento clínico, Fiorelli conta que é comum receber pais em seu consultório sem saber como agir com os filhos adolescentes quando o tema é vida sexual.
“Vejo diversas questões no consultório: vejo pais com questões sexuais mal resolvidas, muitas vezes fruto da educação que receberam dentro de casa, e que agora vêm pedir orientação sobre o que fazer com seus filhos quando estes iniciam a vida sexual. Ninguém nos explica como lidar com isso, não é?”, diz a ginecologista.
Por isso, muitas vezes, o foco não está no pedido do filho de poder ter vida sexual no ambiente familiar, mas nos próprios pais, que precisam rever seus conceitos sobre sexualidade e seus próprios tabus construídos ao longo da vida. “O mais importante é os pais estarem abertos às perguntas e dúvidas dos filhos e estarem sempre revendo seus tabus para não reproduzi-los”, diz.
A ginecologista dá como exemplo a fase em que os filhos começam a descobrir o prazer ao tocar o próprio corpo, chamada de desenvolvimento genital.
“Por volta dos 7 anos, a criança começa a descobrir que sente prazer no toque do pênis ou da vulva. Porém, isso ainda não é um prazer sexual, é apenas o prazer do toque, mas a situação confunde a cabeça dos pais, que começam a reprimir a criança dizendo: ‘tira a mão daí’, ou ‘fecha a perna, menina’. A criança não consegue entender porque aquilo, que é bom para ela, é errado aos olhos dos pais. E assim construímos um tabu que poderá seguir na vida adulta”, exemplifica Fiorelli.
Mesmo que alguns pais não se sintam à vontade para conversar com os filhos sobre sexo, eles precisam levar os filhos a um profissional especializado no tema. “O ideal é que a educação sexual seja feita em um tripé: em casa, na escola e no médico. Se em casa não for possível, então que isso seja feito com ajuda de um profissional”.
Entre os tópicos obrigatórios a serem conversados com os filhos neste início da vida sexual, a ginecologista destaca: a importância do uso da camisinha sempre, as doenças sexualmente transmissíveis e como evitá-las e o risco da gravidez precoce e indesejada.
A casa
Fiorelli afirma que o lugar mais seguro para o adolescente começar a explorar sua vida sexual costuma ser dentro de casa.
“Permitir que os filhos tenham relação sexual em casa não tem a ver com ser liberal ou estar estimulando os filhos a transarem, como alguns dizem. Vejo que são apenas pais que entenderam a importância de o filho ter um local acolhedor e seguro para desenvolver sua vida sexual, vida que ele terá independente de onde estiver”, afirma a profissional.
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“Mas alguns pais não se sentem à vontade para isso. Tudo bem, não dá para forçar que a família aceite que o filho transe em casa, é preciso respeitar o limite de cada um”, orienta. Neste caso, contudo, os pais precisam considerar que os filhos provavelmente não deixarão de transar apenas porque não podem levar seus parceiros para dentro de casa.
Uma pesquisa do Fundo de População das Nações Unidas de 2013, por exemplo, mostrou que, no Brasil, um em cada três jovens começou a vida sexual antes dos 15 anos. Já a Pesquisa Nacional de saúde Escolar do IBGE de 2019 revelou que mais de 24% dos adolescentes entre 13 e 15 anos já tiveram relações sexuais, assim como mais de 55% na faixa etária de 16 a 17 anos.
Por isso, o mais importante é instruir os jovens a fazerem sexo seguro independente do lugar, e não ignorar o assunto.
“Tendo em vista que seu filho foi muito bem instruído e que ele está preparado para fazer sexo seguro, o lugar onde ele vai transar, se é dentro ou fora de casa, se torna uma questão menos relevante”, diz Fiorelli.
Além disso, a especialista lembra que, com a internet e as redes sociais, o sexo não está mais limitado à casa ou motel. “Os adolescentes e as pessoas em geral fazem sexo virtual. Isso aconteceu principalmente na pandemia, com o distanciamento. Falar de vida sexual com os filhos envolve novos desafios e tudo precisa ser muito bem orientado”, orienta.
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