O cerco a Mauro Cid pela Polícia Federal está sendo comemorado nos círculos bolsonaristas como um passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro para a absolvição na ação sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022. A estratégia da defesa é pregar que os novos fatos reforçam a tese da delação frágil, inconsistente, sem voluntariedade do delator e que, portanto, precisa ser anulada. Por esse raciocínio, uma vez anulada a colaboração, a ação penal sobre a trama golpista perderia o vigor.
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De fato, o novo depoimento de Cid aos agentes policiais nesta sexta-feira (13/6), a possibilidade de uma fuga para o exterior e supostas mentiras sobre o vazamento de informações sobre a delação colocam em risco o futuro da colaboração premiada assinada pelo militar. Mas toda essa sequência compromete mais o próprio Cid e seus familiares do que os demais réus da trama golpista, em especial Bolsonaro.
O diagnóstico de que a colaboração de Cid salva Bolsonaro da condenação no STF é precoce. Nos bastidores da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF), há a convicção de que a denúncia não está lastreada apenas na colaboração do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Portanto, não mudaria substancialmente o teor e a robustez da denúncia.
Inclusive, a fragilidade da delação de Cid sempre foi um ponto de preocupação do procurador-geral Paulo Gonet. Primeiro por suas inconsistências e versões fragmentadas dos fatos e pelas constantes dúvidas da voluntariedade. Segundo que há jurisprudência no STF de que a delação por si só não sustenta uma denúncia. Assim, se a denúncia fosse baseada apenas na delação poderia ter o mesmo fim da Lava Jato que foi sendo desmontada ao longo das instâncias judiciais.
De uma forma geral, as falas de Cid serviram para a PF e a PGR construir o fio de raciocínio da denúncia e concatenar provas que já tinham sido apreendidas em buscas e apreensões. Portanto, a delação é um ponto importante, mas não crucial no futuro do ex-presidente.
Estratégia de Bolsonaro
E, enquanto vê o cerco se fechando entorno de seu ex-faz-tudo, Bolsonaro finge não se importar. Pelo contrário, faz festa em meio a multidão como se nada tivesse acontecendo. Nem mesmo a prisão do sanfoneiro Gilson Machado, aliado de primeira hora e que estava ao lado dele horas antes de ser pego pela PF, fez o ex-presidente mudar o itinerário festivo no Rio Grande do Norte.
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É exatamente esse sentimento de “inatingível” que o ex-presidente quer passar ao seu eleitorado. Ali, em ambiente controlado, só cercado de gente que não pretende confrontá-lo, vai tentar demonstrar que após os depoimentos no STF, segue forte, com apoio popular e inabalável para fingir uma pré-candidatura em 2026.
É claro que uma anulação da delação fortalece, sobretudo, o discurso político de Bolsonaro e endossa a narrativa da perseguição ao ex-presidente. Mas na esfera jurídica as consequências são menores do que as esperadas e dificilmente Bolsonaro conseguirá a absolvição penal. Mas é preciso lembrar que como é uma ação de instância única, qualquer divergência entre os ministros pode ajudá-lo a ganhar mais tempo e a ingressar com novos recursos.