Os objetivos deste artigo são quatro. O primeiro é comprovar a constitucionalidade e a legalidade do decreto de aumento do IOF editado pelo presidente Lula. Ou seja, expor uma argumentação que ateste a lisura constitucional e legal do normativo em questão.
Segundo, que o ministro Fernando Haddad se equivocou ao ceder muito facilmente à pressão do Congresso, principalmente da Câmara, no sentido de recuar do que havia sido proposto inicialmente. O correto teria sido acionar a AGU para recorrer ao Supremo com vistas a garantir o exercício da competência constitucional do presidente de alterar as alíquotas de alguns tributos (tais como os de exportação, importação, e o imposto sobre operações financeiras, o referido IOF, que incide sobre operações de crédito, câmbio, seguros e títulos ou valores mobiliários) por Decreto Regulamentar, sem necessidade de anuência do Legislativo.
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Em terceiro lugar, provar que são inconstitucionais os Decretos Legislativos que possam vir a ser editados para sustar os efeitos do Decreto Regulamentar Presidencial que aumentou as alíquotas do IOF.
E quarto e último, afirmar que tudo que o presidente da República puder fazer, obedecendo, naturalmente, à Constituição e às leis infraconstitucionais, sem precisar da concordância do Congresso, ele tem que fazer, exercer suas atribuições constitucionais, e não ficar pedindo licença ao Legislativo para exercer suas legítimas atribuições em conformidade com o ordenamento jurídico do país.
Geralmente, no Direito Tributário, dois princípios constitucionais vigoram. São eles o princípio da anterioridade e o princípio da anterioridade nonagesimal. O primeiro, localizado na Constituição Federal, no artigo 150, III, b, determina que os entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
O segundo, que se situa no artigo 150, III, c, estabelece que os entes da Federação não podem cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o princípio da anterioridade precedentemente referido.
Entretanto, como ocorre com toda regra, há exceções. Elas estão expressamente previstas no artigo 150, parágrafo 1º, o qual preconiza que o princípio da anterioridade não se aplica aos tributos, impostos sobre importação e exportação e sobre as operações financeiras de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF).
Da mesma forma, o artigo 150, parágrafo 1º isenta esses mesmos tributos, quais sejam, os impostos sobre importação e exportação e sobre operações financeiras de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) de obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal.
O decreto que aumenta as alíquotas do IOF está fundamentado na Constituição Federal, artigos 84, IV e 150, parágrafo 1º, e na Lei 8.894, de 21 de junho de 1994, a qual tem como ementa “Dispõe sobre o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários, e dá outras providências”.
Na referida lei, o seu artigo 1º tem a seguinte redação:
“O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários. (…)
- 2º O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal”.
Ou seja, para atingir o objetivo da política fiscal de alcançar a meta de resultado primário estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é constitucional e legal o incremento da alíquota de incidência do IOF por Decreto Regulamentar do presidente da República, desde que respeitado o limite percentual estabelecido na aludida lei. Salienta-se que a política fiscal abrange a política tributária, concernente à receita pública, e à política orçamentária, pertinente à despesa pública, ambas simultaneamente.
Verifica-se no Decreto 12.499, de 11 de junho de 2025, que ele determina que a alíquota incidente sobre as operações de que tratam a lei e o respectivo decreto de regulamentação são de 0,0082% ao dia para o mutuário pessoa jurídica, respeitando o limite máximo de 1,5% ao dia determinado pela lei mencionada.
Qual a conclusão a que chegamos: que o decreto do presidente Lula está em perfeita conformidade com a Constituição (o Presidente pode alterar a alíquota de incidência do IOF por Decreto sem ter que obedecer à anterioridade e à anterioridade nonagesimal, e sem necessitar de aprovação do Congresso), e, também, está em consonância com o que estabelece a lei de regência, já que obedece ao limite percentual máximo diário no que se refere à alíquota de incidência do tributo sobre a base de cálculo. Ou seja, está tudo correto e escorreito juridicamente falando.
Tendo em vista essa situação de absoluta lisura jurídica, não deveria ter o ministro Haddad cedido à pressão do Legislativo e recuado em relação ao primeiro decreto editado. O melhor teria sido recorrer ao STF, por meio da AGU, para garantir o cumprimento e a validade do decreto, tendo em vista sua higidez e perfeita conformação jurídica de adequação ao ordenamento constitucional e legal brasileiro.
O Congresso exerce suas competências por meio da edição dos Decretos Legislativos, que têm que ser aprovados por maioria simples na Câmara e no Senado. Tais competências estão arroladas no artigo 49, inciso V, uma das mais relevantes. Esse dispositivo tem a seguinte redação:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
(…) V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;”
O poder regulamentar, por sua vez, está definido no artigo 84, IV, parte final, conforme abaixo:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…) IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”;
Conforme já se demonstrou, o decreto está de acordo tanto com a Constituição, artigo 150, parágrafo 1º, quanto com a lei que regulamenta o IOF, a Lei 8.894, de 21 de junho de 1994, no sentido de que respeita a alíquota máxima estabelecida na lei correspondente. Portanto, o presidente não exorbitou do poder regulamentar, logo qualquer Decreto Legislativo do Congresso sustando os efeitos do Decreto 12.499, de 11 de junho de 2025 é absolutamente, plenamente, integralmente, totalmente inconstitucional.
A única possibilidade de o Congresso editar um Decreto Legislativo constitucional sobre essa matéria seria se o Decreto 12.499 tivesse estabelecido, por exemplo, uma alíquota diária maior do que permite a lei. O máximo que a lei admite é 1,5% diário, se o Executivo tivesse instituído uma alíquota de 1,6% diário, aí o presidente teria exorbitado do poder regulamentar, e caberia ao Congresso editar um Decreto Legislativo para sanar essa impropriedade.
Quanto aos limites da delegação legislativa, não há que se tratar disso, pois significa lei delegada, a qual não constituiu fundamento da edição do decreto em comento. Logo, o presidente Lula, por óbvio, não excedeu os limites da delegação legislativa. Além do mais, a lei delegada quase não é utilizada mais depois do advento da Constituição de 1988, por causa da existência da Medida Provisória.
A lei delegada constava do ordenamento jurídico anterior a 1988, nos anos 1960, como uma tentativa de recuperação dos poderes do presidente João Goulart usurpados pelo Congresso durante a crise da legalidade de agosto de 1961 que redundou na instituição do parlamentarismo espúrio.
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Um último aspecto que os juristas têm levantado é o de que o IOF não poderia ser utilizado porque seria um tributo regulatório, logo não poderia ser utilizado com intuito arrecadatório, para aumentar a receita tributária pública. Contudo, creio ser esta mais uma construção doutrinária, já que na lei não consta referência a esse assunto.
Pelo contrário, na lei consta que a alíquota poderá ser manejada para o alcance de objetivo da política fiscal. Ora, o alcance da meta fiscal de resultado primário da LDO é o principal objetivo da política fiscal, a qual, conforme já explanado, abrange a política tributária, concernente à receita pública.
Além do já exposto, há decisões do STF admitindo o uso do IOF para aumentar a arrecadação (RE 1.269.641, Relator Min. Edson Fachin, em 30.06.2020, e RE 1480048, Relator Min. Edson Fachin, em 01.04.2024, conforme artigo de Luiz Alberto dos Santos, publicado em 09.06.2025 no site do DIAP). Com isso, conclui-se pela adequação do decreto ao mandamento legal.
Por fim, fica a advertência: tudo que o presidente da República puder fazer, obedecendo, naturalmente, à Constituição e às leis infraconstitucionais, sem precisar da concordância do Congresso, ele tem que fazer, exercer suas atribuições constitucionais, e não ficar pedindo licença ao Legislativo para exercer suas legítimas atribuições em conformidade com o ordenamento jurídico do país.