A compensação do crédito tributário reconhecido por ação judicial é autorizada após o trânsito em julgado do processo (arts. 74 e 74-A da Lei 9.430/96 e 170-A do CTN) e efetivada em âmbito federal mediante a entrega da “Dcomp”, discriminando o crédito utilizado e os respectivos débitos compensados.
Os procedimentos preparatórios para a medida são regulados na Instrução Normativa da Receita Federal (IN RFB) nº 2.055/21, arts. 100 e seguintes.
Conforme art. 102 da IN acima, antes da “Dcomp” é necessário habilitar o crédito, procedimento incumbido de verificar os requisitos preliminares para permitir a compensação (Parecer Normativo da Cosit 11/2014).
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Transmitida a primeira Dcomp, o contribuinte detalha o seu crédito, assim como discrimina a ação judicial que lhe origina, o trânsito em julgado, a natureza dos valores, o montante integral a ser compensado dentre outros. Por isso é ela tida como o momento do fato gerador integral para a tributação do ganho decorrente da ação judicial (SC COSIT 183/21 e 308/23).
Isso é em tudo relevante à reflexão aqui proposta, sugerindo um equívoco na premissa que partiu a 2ª Turma do STJ quando proferiu o acórdão do REsp 2.178.201.
Segundo o julgado: “todas as PER/DCOMP precisam necessariamente ser transmitidas no prazo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado, admitindo-se a suspensão desse lapso temporal entre o pedido de habilitação e o respectivo deferimento”.
A premissa-base do acórdão é uma suposta ideia de imprescritibilidade do crédito tributário, caso o prazo prescricional de cinco anos para as compensações a partir do trânsito em julgado da demanda originária do crédito fosse aplicado apenas para o início delas.
Entendeu também o acórdão que a regra da prescrição quinquenal aplicada apenas para a primeira compensação poderia “privar a Fazenda Pública de qualquer previsibilidade a respeito do aproveitamento do crédito”, transmudando a compensação tributária em hipotético investimento financeiro, após a definição do Tema 962 pelo STF1.
A primeira crítica ao acórdão do STJ é sobre essa falsa premissa de suposta imprescritibilidade do crédito tributário.
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A prescrição é instrumento voltado a pacificar relações jurídicas mantidas inertes no tempo. É a instrumentalização do brocardo “o direito não socorre aos que dormem”. Mas isso não se confunde com exigir que o contribuinte consuma todo o crédito decorrente da ação judicial em cinco anos.
Pelo contrário, o que se exige, à luz da Súmula 150 do STF, é que a execução se inicie no mesmo prazo prescricional para a ação. Na hipótese tributária, cinco anos.
Assim é que, se o contribuinte optar pela execução da sentença na esfera judicial, ele deve fazê-lo em cinco anos do trânsito em julgado da decisão que reconheceu seu direito, propondo o “cumprimento de sentença” em cinco anos; mas jamais o impor – a felicidade – de ver seu crédito satisfeito na via judicial nesse prazo.
Não raro as execuções contra a Fazenda Pública arrastam-se por décadas, sendo inimaginável cogitar da prescrição para a satisfação do crédito em cinco anos. Quiçá expedido o precatório nesse tempo.
Quando se opta pela via administrativa, o contribuinte instaura a execução do julgado mediante a transmissão da primeira Dcomp, quando ele discrimina todo o crédito, reconhecendo-o e tributando-o na integralidade, interrompendo aqui a alegada prescrição.
Portanto, o prazo prescricional há de ser contado até o início da execução na esfera administrativa, que se dá com a entrega da primeira Dcomp, assim como o é na via judicial (protocolo da execução). Afinal, é nela que se concretiza o benefício econômico advindo da medida judicial em resultado para o contribuinte. Daí que é esse o momento, em regra, do reconhecimento contábil desse ganho e, por conseguinte, da tributação dele (SC COSIT 183/21).
A prescrição na esfera administrativa e na judicial caminham juntas, impondo um limite para começar a execução do título judicial, mas jamais exigindo a satisfação integral do crédito, o que conduziria à distorção de todo o sistema da compensação.
Primeiro, porque não raro os créditos oriundos de ação judicial contemplam período de dez anos de indébito ou mais. Atuei (e ainda atuo) em casos da década de 1990, início dos anos 2000. É maquiavélico pretender que de um lado o processo tramite por décadas, mas por outro se exija que em cinco anos o contribuinte consiga: (i) levantar toda a documentação fiscal e/ou contábil relacionada ao indébito; (ii) apurar todo o crédito envolvidos, com acuidade; (iii) manter o fluxo de débitos constantes para dar fluxo à compensação do crédito, dentre outros aspectos.
Não é possível prever o futuro seguramente, ainda mais por cinco anos, de forma a assegurar a utilização completa dos créditos nesse prazo, sobretudo se decorrer de processo judicial que discutiu a tese do Plano Verão, por exemplo. Ou a Semestralidade do PIS. Compensação de prejuízos fiscais. Temas que vêm de 1990 e ainda tramitam por aí (fora outros). Imagine-se quem obteve em 2019, após vinte anos de processo, um crédito, mas precisou fechar na pandemia, logo em 2020. Perde esse tempo? E se a empresa enfrentou crise na cadeia de suprimentos e com isso reduziu o faturamento e, por conseguinte, os tributos federais compensáveis, perde o crédito?
Não é crível essa premissa. Inúmeros eventos podem acontecer ao longo do tempo interferindo no fluxo da compensação inaugurada – leia-se, execução administrativa do julgado – pelo contribuinte, o que não se confunde com inação, afastando a prescrição.
Ademais, no curso das compensações podem-se instaurar fiscalizações sobre o crédito compensando, que impedem a transmissão das compensações subsequentes sobre ele, conforme prescrevem os art. 74, VII, da Lei 9430/96 e art. 76, XIV, da IN RFB 2055/21, aspecto negligenciado pelo julgado.
Assim é que não se pode conceber a ideia de imprescritibilidade à compensação de créditos tributários oriundos de decisão judicial, como afirmou a 2ª Turma do STJ, se o contribuinte não esgotou seu crédito em cinco anos a partir do trânsito em julgado, porque a data-base para se aferir o exercício do direito é a da primeira Dcomp, como marco do começo da execução.
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Não sendo crível a perda do direito se não satisfeita a integralidade do crédito em cinco anos.
Por fim, não procede a afirmação do acórdão sobre eventual transmutação da compensação em investimento financeiro ou usurpador da previsibilidade financeira do Fisco. Quanto mais tempo o contribuinte levar para compensar seu crédito, mais a Fazenda Pública recebeu em dinheiro os tributos, incrementando esse fluxo financeiro positivamente, medida que paradoxalmente coopera com a pretensão do Fisco de limitar as compensações.
Quanto mais tempo, portanto, melhor (para a Fazenda).
Sobre a Selic, ela representaria, em regra, o custo do dinheiro no tempo. Não fazendo tanto sentido, ainda que afastada a tributação dela pelo IRPJ e à CSLL, o prolongamento indefinido da compensação, incorrendo o contribuinte com os valores dos tributos em caixa. Se o fizesse, deveria ele encerrar a operação e focar no investimento em CDI, providência que, igualmente, não faz o menor sentido.
Conclui-se, destarte, que as premissas que embasaram o acórdão da 2ª Turma do STJ no REsp 2.178.201 não se justificam, merecendo revisitação do tema.
Como acalento, esse julgado foi proferido sob a égide da IN RFB 1.300. Dito os limites da lide, em tese, caberia a reanálise do assunto sob a égide da legislação em vigor, já que a própria Corte define que em compensação tributária, aplica-se a lei vigente no encontro de contas.
Na linha de pensamento do Eminente Ministro Celso de Mello, o Direito não pode se transformar em instrumento arrecadatório. Ele é ciência própria, com regras e princípios autônomos que devem ser resguardados, pretender sustentar higidez de cofre público.
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1 Que afastou a tributação da parcela da Selic sobre a recuperação tributária pelo IRPJ e pela CSLL.