O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (12/6) para ampliar a responsabilização das plataformas digitais no Brasil por postagens de usuários e trouxe uma série de obrigações às empresas. Moraes equipara a responsabilidade das big techs e dos serviços e mensageria privada aos veículos de comunicação. Ainda traz obrigação das empresas em relação à manipulação de vídeos por Inteligência Artificial (IA) e diz que as big techs serão responsabilizadas pela retirada imediata de conteúdo de ódio e antidemocrático, ou seja, não é preciso nem mesmo a notificação extrajudicial.
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O julgamento será retomado no dia 25 de junho com o voto do ministro Edson Fachin, que afirmou que trará uma nova visão sobre o assunto. Até o momento já votaram os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes pela ampliação da responsabilização das empresas. A divergência é do ministro André Mendonça. O placar está 7 a 1.
De uma forma geral, o ministro acompanhou o voto do relator, ministro Dias Toffoli, considerado pelas empresas e especialistas o mais rígido em relação às responsabilidades das big techs. Assim, Moraes afasta a totalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e transfere a responsabilidade, como regra geral, aos moldes do artigo 21, ou seja, as big techs terão responsabilidade civil se não retirarem as postagens ilícitas já na notificação extrajudicial, sem a necessidade de remoção via ordem judicial.
O ministro impõe “dever de transparência algorítmica” por parte das big techs, mas diz que devem ser preservadas a propriedade intelectual e o segredo industrial. Moraes também determina que as empresas devem identificar os riscos sistêmicos à democracia, por meio de IA e algoritmos, e comunicar às autoridades competentes. Segundo ele, o objetivo é evitar manipulações que possam culminar em tentativa de golpe de estado, “como a Festa da Selma”, no 8 de janeiro, no Brasil. A expressão era uma espécie de código utilizado para se referir às invasões em nos prédios em Brasília.
Na avaliação de Moraes, as plataformas de redes sociais e mensageria privada serão solidariamente responsáveis por conteúdos impulsionados por pagamentos e publicitários. Sobre o órgão de controle, Moraes defendeu a criação de um modelo similar ao Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a participação de órgãos públicos e entidades privadas. Ou seja, é uma solução diversa dos outros ministros que sugeriram Procuradoria-Geral da República, Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou uma entidade de autorregulação privada. “Me parece que deveríamos ter um órgão mais plural”, afirmou.
Moraes também faz referências aos marketplaces. Em sua visão, as empresas são “objetiva e solidariamente” responsáveis pela venda de produtos proibidos e sem certificação e homologação.
Discurso e construção do voto
Sem surpresas sobre o mérito do voto devido às falas públicas e atuação como presidente do TSE, o magistrado aproveitou o momento em plenário para vocalizar as suas conhecidas críticas às redes sociais. Em quase duas horas, usou frases de efeito e exemplos de impacto para demonstrar que as big techs devem ser reguladas e que o discurso da liberdade de expressão é um mecanismo de escape da regulação. Inclusive, voltou a repetir a sua frase que se tornou um mantra: “a liberdade de expressão não é liberdade de agressão” e brincou que estaria repetitivo em dizer isso.
Logo no início do voto, Moraes questionou se as big techs podem “impor a todos os países, inclusive ao Brasil, o seu modelo de negócios agressivo e perverso, contrário à Constituição Federal, contrário à legislação brasileira, tão somente porque ela é multinacional ou internacional”. A declaração se dá em um contexto em que o Congresso Norte-Americano e o governo Trump ameaçam sanções ao ministro por supostamente estar impondo medidas contra a liberdade de expressão nos Estados Unidos por impor às big techs derrubadas de conteúdos ilícitos em território brasileiro.
“As redes sociais, as big techs, possuem imunidade territorial e uma cláusula geral e irrestrita, uma cláusula absoluta de impunidade ou para a prática de ilícitos civis ou criminais ou para induzimento, instigação e auxílio a esses ilícitos?” questionou. “Porque se nós entendermos que as redes sociais e as big techs nasceram de geração espontânea e estão acima dos países, das legislações, elas não precisam respeitar nada”.
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Continuando com os ataques às empresas, Moraes disse que “perfil ideológico de algumas big techs não tendem muito à democracia” e complementou: “As big techs têm ideologia política, crença religiosa, não tem problema nisso, mas não podem querer posar de instrumentos neutros, imparciais”. Moraes afirmou que “nem os regimes autoritários têm tantas informações como as big techs têm [sobre os usuários]”.
Na avaliação de Moraes, as big techs são “as maiores empresas de mídia da humanidade” e a revolução que as redes sociais trouxeram é mais impactante do que na criação da rádio e da televisão. “E rádio e televisão não são empresas de tecnologia”, disse.
Com a mesma estratégia do colega, ministro Flávio Dino, Moraes projetou no plenário posts divulgados em redes sociais com conteúdos racistas, antissemitas e homofóbicos. Em um deles, trouxe a resposta da empresa após o pedido de remoção dizendo que o conteúdo não violava as políticas da empresa. “Faltou escrever é ‘problema seu’”, disse.
Também aproveitou para passar trechos do mesmo vídeo com imagens da depredação do 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes – as imagens não são inéditas no STF porque Moraes já as utilizou no julgamento que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe de Estado. O ministro também citou que as redes sociais foram instrumentalizadas para “a Festa da Selma”.
Quando presidiu o TSE, Moraes se reuniu com as big techs para tentar conter as fake news e, entre o 1º e o 2º turno das eleições de 2022, editou uma das mais rígidas resoluções sobre retirada de publicações falsas do ar, com prazo pequeno para a remoção e multas às big techs.
Nesta tarde, ele citou uma reunião que fez com as empresas em que perguntou como eles retiravam conteúdo de pornografia, pedofilia e com direitos autorais e, na época, segundo ele, as empresas responderam que conseguiam tirar 93% desses posts antes de um like. Moraes então perguntou se era possível fazer o mesmo em relação a fascismo, nazismo, homofobia e recebeu uma resposta positiva das empresas e, na sequência, elas teriam dito a ele que só derrubariam essas publicações se todas fizessem.
Com a maioria formada, Moraes aproveitou o voto para convencer a sociedade de forma didática e enfática de que o STF está aplicando princípios constitucionais.